A campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou a agenda ambiental como uma prioridade, diferentemente da eleição de quatro anos atrás. Em 2018, a pauta foi citada apenas uma única vez no plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Agora, ela é tratada como um "eixo estratégico".
Segundo o comitê de campanha e aliados, Bolsonaro reconheceu a importância da agenda ambiental ainda durante seu governo, que se pautou em propor soluções climáticas que podem ser lucrativas para quem ajuda a preservar o meio ambiente e, consequentemente, gerar a chamada "economia verde". Bolsonaro percebeu que a pauta pode ser positiva ao governo, aos negócios e à sociedade.
Em 2018, a visão de Bolsonaro era outra. A agenda ambiental foi citada de forma discreta no plano de governo, ao defender que licenciamentos ambientais fossem avaliados em um prazo máximo de três meses.
Durante a campanha eleitoral daquele ano, o presidente manifestou, inclusive, a intenção de fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente – o que foi criticado como um sinal de desprestígio da agenda ambiental, que passaria a ser secundária numa "superpasta" que englobaria também a responsabilidade das políticas para a agropecuária. Ainda durante a campanha do segundo turno de 2018, Bolsonaro recuou da ideia de unificação dos ministérios sob o argumento de estar aberto ao "diálogo". E, durante seu governo, o meio ambiente continuou tendo um ministério só para essa área.
O que diz o plano de governo de Bolsonaro sobre a agenda ambiental
O plano de governo de Bolsonaro de 2022 diz que o propósito "central" da agenda ambiental é promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, "com foco na qualidade ambiental como um dos aspectos fundamentais da qualidade de vida das pessoas". O objetivo é conciliar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e social.
O programa de governo de Bolsonaro aponta alguns pilares estratégicos para a agenda ambiental em caso de reeleição: a promoção do uso da tecnologia e da inovação para a sustentabilidade; o fortalecimento do controle e da fiscalização das queimadas ilegais, do desmatamento e dos crimes ambientais e dos incentivos para a promoção de modelos produtivos sustentáveis; e a ampliação das políticas de promoção do crescimento verde.
O texto com as diretrizes de um segundo mandato diz que "a problemática da sustentabilidade ambiental é da mais alta relevância para todos os países no mundo e para a geopolítica" e que "a questão ambiental deve continuar sendo constantemente fortalecida e seguir consolidada como tema-chave de Estado, integrada nas ações, tomadas de decisão e políticas públicas".
O plano de governo diz que, "por um lado", é preciso "apoiar e participar de todas as iniciativas julgadas coerentes, realistas e socioeconomicamente viáveis para contribuir para o futuro do planeta". E alega que, "por outro" lado, é preciso "equilibrar" todos esses aspectos "com seus valores, suas peculiaridades de biodiversidade, suas realidades econômicas regionais" e respeitá-las, bem como o respeito "aos interesses nacionais e internacionais".
O plano comenta que o Brasil pode vir a se tornar um "país verde desenvolvido", algo que a maioria dos países "tidos atualmente como desenvolvidos" não poderiam.
Esses trechos significam que Bolsonaro defenderá o meio ambiente com desenvolvimento econômico sustentável e sem a perda da soberania do Brasil. Ou seja, a economia não será deixada de lado; e o Brasil não aceitará ingerência internacional em seus assuntos internos.
O plano de governo de Bolsonaro também busca projetar a inserção do Brasil na futura "economia verde" mundial. O texto diz que o país pode oferecer ao mundo os chamados "títulos verdes" para financiar investimentos considerados sustentáveis, como infraestrutura de energia limpa e renovável, e projetos capazes de reduzir emissões e o consumo de água, energia e matérias-primas.
Além disso, o plano de governo afirma que o Brasil pode atuar no mercado de créditos de carbono pela redução da emissão de gases de efeito estufa e pondera que esses recursos podem fomentar o desenvolvimento de uma "indústria verde" e "contribuir para o futuro do planeta, por meio da preservação do meio ambiente e estímulo do desenvolvimento sustentável".
O mercado de crédito de carbono pode gerar a entrada de recursos bilionários no país, pois basicamente prevê que empresas que não conseguem cumprir compromissos de emissão de gases causadores do efeito estufa, podem compensar isso "comprando", por meio dos créditos, áreas preservadas que sequestram gás carbônico. E o Brasil tem extensas áreas verdes preservadas.
Além do plano, Bolsonaro tem feito declarações sobre a agenda ambiental
Além das diretrizes estabelecidas no plano de governo, o próprio Bolsonaro tem incorporado em alguns discursos falas que destacam a agenda ambiental como uma prioridade. Foi o caso, por exemplo, dos planos para o desenvolvimento de energias renováveis como o hidrogênio verde e a geração de energia eólica em alto mar, as chamadas eólicas offshore.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o potencial técnico de eólicas offshore em locais com até 50 metros de profundidade é de 700 gigawatts (GW) – uma produção equivalente à de 50 usinas de Itaipu.
Bolsonaro usou esse argumento ainda na pré-campanha para fazer um aceno ao Nordeste, região estratégica para sua candidatura à reeleição. "Com isso [eólicas offshore], poderemos exportar o hidrogênio verde, bem como reindustrializar o nosso Nordeste", declarou em discurso em julho, no Congresso, em solenidade de promulgação da PEC dos Benefícios – que possibilitou o pagamento do Auxílio Brasil no valor de R$ 600 e outros gastos públicos com programas sociais.
O assunto também foi incorporado em seu pronunciamento na Cúpula das Américas, em junho, quando disse que as eólicas na costa do Nordeste poderão produzir hidrogênio e amônia verde para exportação. "Nesse momento em que países desenvolvidos recorrem a combustíveis fósseis, o Brasil assume papel fundamental como fornecedor de energia totalmente limpa, rumo a uma nova economia neutra em emissões", declarou.
Criticado nacionalmente e internacionalmente pelas queimadas no Brasil, Bolsonaro reconheceu os problemas do desmatamento ilegal em live recente. Mas disse que o país sempre busca combater focos de calor e desmatamentos ilegais. Como forma de enfrentamento dessas questões, ele defendeu uma "devida regularização fundiária" no país e sua política de titulação de terras.
Segundo Bolsonaro, com regularização fundiária e titulação de terras, "qualquer foco de incêndio, uma vez detectado por satélite", será possível identificar o dono da propriedade, a fim de saber se o "foco de incêndio é em um local permitido na propriedade".
"Na região amazônica, por exemplo, quem tem fazenda lá pode usar 20% de sua propriedade pra agricultura e pecuária; 80% tem que ser preservado. Por vezes, esses mesmos 20% tendo algum foco de incêndio é enquadrado como um foco criminoso, ou até mesmo um desmatamento irregular, e não é verdade isso", disse.
Bolsonaro recentemente se defendeu das críticas internacionais sobre as queimadas no Brasil. Disse que isso ocorre no mundo inteiro, e citou o caso da Europa, que enfrenta uma série de incêndios florestais neste verão do Hemisfério Norte.
O que aliados dizem sobre a pauta ambiental ter virado prioridade
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles é um dos aliados de Bolsonaro que vê como natural a priorização da agenda ambiental na atual proposta de reeleição. À Gazeta do Povo, Salles relembra que, de fato, o presidente colocou como condição para não fundir o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura a indicação de alguém que entendesse suas "preocupações" sobre o assunto.
Salles diz que o presidente e todo o governo perceberam que assuntos muito importantes ligados à pauta ambiental criam uma agenda positiva merecedora de um "cuidado maior". O ex-ministro destaca como exemplos ações desenvolvidas na atual gestão, como o Marco Legal do Saneamento, o programa Lixão Zero, programas que possibilitam a geração de receita interna no mercado de carbono, e a política de concessão de parques nacionais ao setor privado.
"O presidente conseguiu vislumbrar a importância dessas questões para o negócio, à geração de riqueza no Brasil e talvez algo até mais importante – que é o cuidado com as pessoas", diz o ex-ministro. "Quando coloca elas no centro das preocupações, inclusive ambiental, faz aquilo que ele [Bolsonaro] mais defende e acredita: que o cidadão, brasileiro ou brasileira, precisa ser tratado como prioridade. E a questão ambiental é também colocar as pessoas no centro do debate." Ele afirma que o presidente tem hoje um melhor conhecimento sobre os potenciais da agenda ambiental.
Salles também reconhece que, por ser uma demanda da sociedade, a agenda ambiental ganhou mais peso como parte da estratégia eleitoral. "Obviamente, é uma demanda que pode gerar votos. A sociedade, hoje, faz questão desse tema ambiental inserido no programa. Não tem como fugir disso. Também pelo investimento estrangeiro, o Brasil é demandado pelos investidores e países estrangeiros a ter uma agenda ambiental clara. E, como não havia essa percepção na campanha passada e aconteceu ao longo dos quatro anos de governo, é natural que se reverta para o programa deste ano", avalia Salles.
As falas do presidente sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável reforçam a percepção de Salles sobre Bolsonaro ter reconhecido a importância da pauta para sua reeleição, a exemplo dos créditos de carbono. "É preciso ter norma e regras que nos permitam vender o crédito de carbono para lá fora e, portanto, transformá-lo em produto de exportação brasileiro e não ficar forçando o mercado interno de carbono só, pois isso significaria só aumento de custos para empresas brasileiras, que já têm problema de competitividade grande com leis trabalhistas, tributárias e assim sucessivamente", diz o ex-ministro.
O deputado federal Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo na Câmara, é outro que entende ser nítida a priorização da campanha à agenda ambiental até como forma de defender o legado do governo. Para ele, a atual gestão não tem índices negativos na área da preservação ambiental. "Não é verdade quando se afirma que governo Bolsonaro foi irresponsável por desmatamento, queimadas ou coisas do tipo", diz.
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