O comitê da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) promete intensificar a estratégia de desgastar a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio de inserções na propaganda eleitoral e publicações nas redes sociais dos escândalos de corrupção nas gestões petistas e das condenações do seu adversário na disputa presidencial. Mas até agora essa estratégia não tem tido o efeito que a campanha de Bolsonaro esperava.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira (21) mostrou que Lula oscilou positivamente 2 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior, chegando a 44%, enquanto Bolsonaro ficou estagnado com 34%.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que a lembrança dos escândalos nos governos do PT não afeta as intenções de voto de Lula porque é baixa a prioridade dada ao combate à corrupção pelos brasileiros nesta eleição. Segundo a mesma pesquisa Genial/Quaest, a corrupção é apontada como o principal problema por apenas 6% dos eleitores. A economia é a maior preocupação de 34%, seguida de questões sociais (22%). Monitorado desde setembro de 2021, o indicador que aponta a corrupção como principal problema atingiu um pico de 11% dos eleitores em junho deste ano, mas desacelerou desde então.
Por esse motivo, o cientista político Jonatas Varella, diretor de processamento de dados da Quaest, prevê dificuldades para a campanha de Bolsonaro ser bem-sucedida em desgastar a imagem de Lula de forma mais significativa. "Não adianta você impor uma narrativa sendo que ela não vai ao encontro dos problemas do que o próprio eleitor identifica", diz Varella.
A ideia da campanha de Bolsonaro em promover novas investidas que relembrem as condenações de Lula por corrupção tem por objetivo ampliar a rejeição do adversário e impedir a atração de "votos úteis", como planeja a campanha petista.
A estratégia é uma aposta de resgatar o sentimento antipetista e a luta anticorrupção, que foram essenciais para a vitória de Bolsonaro em 2018. O destaque de combate à corrupção foi inclusive destacado por Bolsonaro em seu discurso de abertura da 77.ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), quando declarou que seu governo "extirpou" a "corrupção sistêmica". A ideia é reforçar isso em mais propagandas eleitorais e em debates.
As dificuldades eleitorais de emplacar o tema do combate à corrupção
Outros dados da pesquisa Quaest reforçam as dificuldades da agenda sobre corrupção emplacar como tema central das eleições de 2022. O último levantamento mostra que 81% dos eleitores que dizem que votarão em Lula viram as propagandas negativas contra o ex-presidente e, ainda assim, a rejeição do petista até desacelerou 1 ponto percentual em relação à pesquisa publicada em 14 de setembro, para 46%.
Os dados da última pesquisa Genial/Quaest foram coletados após a propaganda eleitoral da campanha de Bolsonaro que reforça imagem de Lula como condenado pela Justiça. O levantamento mostra ainda uma desaceleração de 7% para 6% entre os eleitores que consideram a corrupção como o principal problema.
Outros dados de recentes pesquisas do Ipec e Datafolha também sinalizam as dificuldades potenciais de convencimento do eleitorado em relação ao combate à corrupção.
Dados da pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira (19) apontam que 45% dos entrevistados acreditam que a corrupção aumentou no governo Bolsonaro, enquanto 37% entendem que o problema diminuiu na atual gestão. Outros 17% acham que não aumentou nem diminuiu, e 6% não souberam ou não responderam. Esses indicadores sobre corrupção, embora constem do levantamento Ipec da segunda, só foram divulgados na terça-feira (20).
O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do instituto Ipespe, entende que a propaganda campanha de Bolsonaro que relembrou condenações por escândalos de corrupção se mostrou mal sucedida. Na segunda-feira (19), ele publicou no Twitter uma análise de que o "comercial negativo" que atinge "duramente" Lula "não surtiu efeito".
No mesmo dia em que Lavareda publicou sua análise, o Ipec publicou uma pesquisa que aponta Lula com 47% das intenções de voto, e Bolsonaro e 31%. No sábado anterior (17), o Ipespe havia publicado levantamento que aponta o petista com 45% e o presidente com 35% dos votos. Para Lavareda, as pesquisas "trazem uma informação preocupante para a campanha de Bolsonaro".
Suspeitas contra governo e Bolsonaro fragilizam discurso anticorrupção
O diretor de processamento de dados da Quaest, Jonatas Varella, acredita que as suspeitas de corrupção no Ministério da Educação e as envolvendo a compra de imóveis por familiares de Bolsonaro também pesam contra a campanha de reeleição do presidente. Para ele, esses casos alimentam a retórica da oposição e fragilizam o discurso de Bolsonaro sobre o combate à corrupção.
Varella cita uma recente propaganda eleitoral de Lula que faz duras críticas a Bolsonaro e cita a compra de imóveis por familiares do presidente, que negociaram 107 imóveis desde 1990 e que 51 foram comprados total ou parcialmente em dinheiro vivo. Para o diretor da Quaest, esse tipo de estratégia pode aumentar a rejeição do presidente e diluir o efeito da estratégia de Bolsonaro de relembras as condenações de Lula por corrupção e os escândalos dos governos do PT.
O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e sustentabilidade da BMJ Consultores, entende que há uma lógica política da campanha em tentar aumentar a rejeição de Lula pela retórica da corrupção. "Bater nessa tecla e tentar impedir o crescimento do Lula, sobretudo entre os eleitores moderados, é a estratégia mais acertada para esta reta final para tentar ampliar o potencial de transferência de votos para si ", diz.
Porém, ele afirma que a ideia não é uma "bala de prata". "Mesmo após as notícias da compra de imóveis, a questão do MEC e a participação dos filhos em possíveis 'rachadinhas', tem uma parcela do eleitor que não acredita que há corrupção, ou acreditam que veio em impacto menor que do Lula. Mas uma parcela da população colocou no Bolsonaro a pecha de corrupto", diz o cientista político.
Para Fernandes, o tema sugere que os dois presidenciáveis têm um "teto de vidro", embora ele entenda que ainda seja uma área menos desfavorável para Bolsonaro. "Por mais que tentam fazer essa simetria [entre os casos envolvendo os dois], o Lula ainda é a vidraça quando alguém quer falar de corrupção no país."
Sobre as suspeitas no MEC, Bolsonaro disse em sabatina ao Jornal Nacional que o ex-ministro Milton Ribeiro foi preso, mas conseguiu habeas corpus, e que as suspeitas envolvendo pastores que tinham acesso ao MEC já estão sob investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) por iniciativa do próprio ex-ministro.
A respeito da compra de imóveis por familiares, Bolsonaro disse em sabatina à Jovem Pan que, na escritura dos bens, consta "moeda corrente" e que isso não significa somente "dinheiro vivo". Ele também negou a existência de qualquer irregularidade. Sobre as acusações de "rachadinha" contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho do presidente sempre destaca que a Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia após parte das acusações terem sido anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurador analisa por que combate à corrupção deixou de ser prioridade
O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, reconhece que o enfrentamento dos desvios de recursos públicos deixou de ser uma das pautas prioritárias do país. Procurador de Justiça de São Paulo, ele concorda que, no momento, a economia e as questões sociais são mais prioritárias.
Mas, para ele, o nível educacional do brasileiro é um entrave para estimular o tema como uma agenda mais prioritária. "Infelizmente não se investe da maneira como seria necessário. O Brasil precisa de décadas de investimento sério e contínuo em educação. Só com discernimento, fruto de investimento maciço em educação pública, poderemos mudar esse cenário", diz.
Outro ponto destacado por ele é a ausência de uma política pública anticorrupção. Sobre esse aspecto ele faz várias críticas à atual gestão. Para Livianu, o governo fez o oposto do que Bolsonaro prega em campanha. "Ao longo dos quatro anos tivemos um governo que se notabilizou pelo desmonte do sistema anticorrupção no Brasil", diz. Para ele, o presidente "patrocinou" medidas que enfraqueceram as forças de combate à corrupção, como a aprovação no Congresso e a sanção da Lei 14.230, a nova Lei de Improbidade Administrativa – que afrouxou a legislação. Outros exemplos citados por ele são a aprovação e sanção da Lei Complementar 184/21, que libera candidaturas de gestores públicos multados por contas irregulares.
Livianu também critica o que diz falta de transparência do governo em assuntos como os os dados da pandemia de Covid-19, durante o período em que, por falta de transparência do Ministério da Saúde, veículos de comunicação tomaram a iniciativa de formar um consórcio para informar dados consolidados das Secretarias de Saúde sobre a doença.
A fim de fortalecer o combate à corrupção, o Instituto Não Aceito Corrupção e a ONG Transparência Brasil elaboraram um estudo que sugere sete pontos: aprovar legislação para acabar com as emendas do relator ao orçamento federal; regulamentar a Lei de Licitações (14.133/21) e incluir a sociedade civil no comitê gestor do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); mudar a Lei de Improbidade Administrativa; aprovar lei para limitar cargos de livre nomeação; aprovar regulamentação do lobby; mudar regras sobre o uso de recursos públicos na política partidária; e estabelecer mandatos para a Controladoria Geral da República (CGU), a Polícia Federal (PF), e mudar os critérios de escolha do procurador-geral da República.
A campanha de Bolsonaro rebate as críticas de Livianu e diz que o combate à corrupção foi um dos "carros-chefes" da gestão. O governo vem destacando alguns resultados dessas políticas anticorrupção: o lucro de estatais subiu; foi instituído o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal (SIPEF), que alcançou 100% dos 186 órgãos do Executivo Federal; o país passou a ter um Plano Anticorrupção, que prevê 153 ações até 2025, das quais 72 foram realizadas até junho deste ano; houve aumento dos acordos de leniência celebrados com empresas envolvidas em irregularidades, de seis entre 2017 e 2018 para 13 desde 2019; e foi lançado o Painel Lei de Acesso à Informação (LAI).
Metodologia das pesquisas citadas na reportagem
A pesquisa Genial/Quaest publicada em 21 de setembro foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores presencialmente entre os dias 17 e 20 de setembro de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no TSE sob o protocolo BR-04459/2022.
A pesquisa Genial/Quaest publicada em 14 de setembro foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores presencialmente entre os dias 10 e 13 de setembro de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no TSE sob o protocolo BR-03420/2022.
O Ipec entrevistou 3.008 eleitores entre os dias 17 e 18 de setembro de 2022 em 181 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pela TV Globo e está registrada no TSE com o protocolo BR-00073/2022.
A pesquisa Ipespe foi conduzida em parceria com a Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel). Foram ouvidos 1.000 eleitores entre os dias 14 e 16 de setembro de 2022. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95,45%. O levantamento foi registrado no TSE sob o número BR-08883/2022.
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