Sergio Moro ao lado de sua mulher, Rosângela: ex-juiz teve a transferência eleitoral para São Paulo barrada, mas a esposa não| Foto: Erick Lucas Rodrigues Silva/União Brasil
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A rejeição da transferência de domicílio eleitoral do ex-juiz Sergio Moro do Paraná para São Paulo é um “ponto fora da curva” e não deve virar um precedente que ameace outros pré-candidatos que querem disputar as eleições num estado diferente de sua origem. Esse é o entendimento de advogados eleitorais consultados pela reportagem que analisaram a decisão contra Moro e que acompanham, há tempos, a discussão sobre o domicílio na Justiça Eleitoral.

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Moro transferiu seu domicílio no fim de março, após decidir deixar o Podemos e migrar para o União Brasil, no qual esperava ter mais chances de concorrer à Presidência. O PT, no entanto, contestou sua transferência para São Paulo, alegando que ele não teria residência, nem vínculos afetivos, profissionais ou políticos com o estado.

No processo, Moro comprovou que desde novembro passou a se hospedar com a mulher, Rosângela, num quarto de hotel na capital paulista, onde também alugou salas para reuniões com políticos. A defesa também mostrou que, depois que ele deixou o governo, em abril de 2020, foi contratado pela filial da consultoria Alvarez & Marsal localizada na cidade de São Paulo.

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Ele também apontou vínculos "políticos e comunitários" com base em honrarias que recebeu, em 2019, do governo estadual, por causa da decisão de tirar de São Paulo as lideranças do PCC, quando era ministro da Justiça; e também de prefeituras do interior, como cidadão honorário de Sorocaba, Rio Grande da Serra e Itaquaquecetuba, principalmente em razão de sua atuação na Lava Jato.

Nada disso adiantou. No último dia 7, por 4 votos a 2, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) aceitou o pedido do PT e considerou as provas insuficientes para demonstrar a ligação com o estado. “Não se desconhece que na seara eleitoral o conceito de domicílio é muito mais amplo do que o do Direito Civil, mas o que não se pode deferir é a concessão de um benefício sem que se prove minimamente a existência de um vínculo, circunstância que não ocorreu no caso”, afirmou, na sessão, o juiz Maurício Fiorito, relator do caso, no que foi seguido pelos colegas Silmar Fernandes, Marcio Kayatt e Marcelo Vieira.

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Divergiram apenas Afonso Celso e Sérgio Nascimento. “Nem legislação, nem jurisprudência determinam número mínimo de eventos ou atividades para caracterização do vínculo político”, disse o Afonso Celso.

Esse entendimento favorável a Moro, dos juízes que ficaram vencidos no julgamento no TRE-SP, predomina há mais de 30 anos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não costuma fazer exigências rigorosas para admitir mudanças no domicílio eleitoral. Há julgamentos recentes nesse sentido.

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“Ao contrário do domicílio civil, a condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 3º, IV, da Constituição pode ser preenchida não apenas pela residência no local com ânimo definitivo, mas também com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares”, diz um acórdão de 2018 do TSE, reproduzindo os mesmos termos de outras inúmeras decisões anteriores.

Para os especialistas consultados pela Gazeta do Povo, é bem provável que Moro conseguisse reverter a decisão e manter seu domicílio em São Paulo no TSE. Pesou, no entanto, um cálculo político. Ele resolveu voltar para o Paraná, embora ainda não saiba exatamente a qual cargo se candidatará.

“A gente sempre gosta de um suspense. Vamos esperar as convenções. Não vai ser uma decisão minha, mas também do União Brasil, e vamos ouvir o povo paranaense e ver qual a melhor forma de contribuir para fazer o bem para as pessoas. Vamos manter isso em suspense. Nas convenções partidárias, isso deve ser definido”, disse, durante uma entrevista à imprensa no dia 14, em Curitiba.

Nos últimos meses, caiu por terra o sonho de Moro de se candidatar à Presidência, em razão de forte oposição dentro do União Brasil (fusão de PSL com DEM).

Ex-ministros de Bolsonaro também mudaram de domicílio eleitoral

De qualquer modo, a decisão contra Moro levantou a hipótese de que outros novatos em disputas eleitorais, ou até mesmo políticos tradicionais, pudessem ter a transferência vetada com base no precedente firmado no TRE-SP.

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Seria o caso, por exemplo, de Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Recém-filiada ao Republicanos, ela que cogita se candidatar a senadora pelo Distrito Federal. Nascida no Paraná, ela morou ainda criança na Bahia, Alagoas e Sergipe. Na juventude, formou-se em São Paulo e, adulta, passou a residir em Brasília, como assessora parlamentar.

O mesmo risco de veto poderia atingir o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas, que se filiou ao Republicanos em São Paulo para disputar o governo estadual. Natural do Rio de Janeiro e com formação no estado, ele vive em Brasília há mais de dez anos.

Ainda existem políticos tradicionais que mudaram neste ano de domicílio eleitoral, como é o caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje no PTB, que migrou do Rio para São Paulo; e da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, da Rede, que saiu do Acre para São Paulo. Ambos querem uma vaga na Câmara dos Deputados.

Especialistas dizem que decisão contra Moro contraria resolução do TSE

Em todos esses casos, advogados eleitorais com conhecimento e experiência no tema concordam que são mínimas as chances de veto. Servidor da Justiça Eleitoral e secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado Volgane Carvalho participou da comissão que redigiu a última resolução do TSE que trata do assunto. Além dos trâmites burocráticos, ela exige comprovação de três meses de vínculo com o município, ligação essa que poderá ser de caráter “residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza que justifique a escolha”.

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“A decisão contra Moro é completamente fora da curva e está até em desconformidade com a resolução. Talvez a gente tenha tido um problema na apresentação dos fatos. Mas realmente a decisão não vai no espírito da norma, que é colocar a autonomia da decisão na mão do eleitor. Se tiver vinculo mínimo, ainda que não minimamente comprovável, mas que demonstra que tem ligação, afetiva ou de qualquer ordem, tem que deferir”, diz Carvalho.

A resolução, que tem valor normativo, foi editada em outubro de 2021, mas reflete a jurisprudência antiga e consolidada do TSE que, ao menos desde 1989, não equipara o domicílio eleitoral ao domicílio civil, que exige uma residência fixa em determinado local. A moradia, ainda que temporária, bastaria para demonstrar o vínculo.

Mas não só. Em 1989, por exemplo, o então ministro da Corte, Miguel Ferrante, já havia deixado claro que domicílio eleitoral poderia significar “quaisquer laços de identidade ou afinidade do eleitor com o meio em que vai exercer seu direito político.”

Desde então, passou a se aceitar que a mudança de domicílio ocorra por um vínculo “familiar, afetivo, político, profissional, patrimonial, comunitário, de naturalidade ou negócios”. Essa é a redação de um enunciado aprovado no ano passado no TSE, após discussões com a comunidade acadêmica, para orientar os advogados nas eleições deste ano. Esse enunciado diz que “nesses casos [outros tipos de vínculo], fica dispensada a prova de residência em nome próprio, podendo ser apresentado documento em nome de terceiro”.

Estudiosa e autora de um artigo sobre o tema, a advogada eleitoral Ana Márcia Mello diz que ficou “espantada” com a decisão contra Moro, “porque vai na contramão do que está consolidado há muito tempo pela Justiça Eleitoral”.

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Ela diz em seu artigo publicado neste ano: “Domicílio eleitoral, assim, pode ser, por exemplo, o local em que o eleitor nasceu, foi criado ou tenha parentes, o lugar em que o indivíduo trabalhe ou tenha sua empresa sediada, possua bens, local onde o candidato obteve o maior número de votos em eleições imediatamente anteriores... são várias as situações. O que importa, como bem pondera José Jairo Gomes [renomado autor de Direito Eleitoral], é que o vínculo seja específico e efetivo, restando evidenciado o interesse do alistando em exercer os direitos políticos na localidade.”

Tome-se o caso de Marina Silva, por exemplo. Para comprovar que tem vínculos com São Paulo, ela poderia simplesmente alegar que, quando disputou a Presidência da República, teve milhares de votos no estado. Já existe julgamento no TSE admitindo esse tipo de ligação. O advogado Delmiro Campos, que já integrou como juiz o TRE de Pernambuco, lembra, por exemplo, do caso do ex-presidente José Sarney, com origem no Maranhão, mas eleito senador pelo Amapá.

Ele reconhece que, como Moro não reverteu a decisão no TSE, um precedente foi aberto no TRE-SP, mas considera que outros pré-candidatos não serão atingidos. “Com todo respeito, acho que o personagem foi protagonista. Há um fato interessante: a esposa do Moro procedeu à mesma transferência de domicílio eleitoral, teve o mesmo deferimento, mas o PT não impugnou e não recorreu. Temos em São Paulo duas situações distintas: temos a Rosângela Moro, com domicílio deferido em São Paulo, sob os mesmos argumentos do esposo, que teve o registro indeferido. Para mim esse cenário, por si só, já demonstra quão casuística e individual foi a decisão sobre Sergio Moro”, afirma o advogado.

Para indeferir outras transferências, diz Delmiro, seria necessário, por exemplo, que houvesse “prova robusta” de fraude na comprovação de algum tipo de vínculo. “Essa decisão de transferência eleitoral é administrativa, não tem sentido judicializar sem prova robusta de fraude. Tem que alegar fraude, se não já era.”

Tarcísio de Freitas, por exemplo, enfrentou questionamentos à sua mudança de domicílio eleitoral para São Paulo. Após a decisão contra Moro, o Psol pediu ao TRE para barrar sua transferência eleitoral. No início de junho, a Procuradoria Regional Eleitoral arquivou uma investigação sobre o caso, por entender que ele provou vínculos com o estado.

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O TRE-SP arquivou a contestação do partido, porque ele foi ajuizado após o prazo de 10 dias da publicação de um edital que registrou a mudança de domicílio. O Psol recorreu. Mas, na terça (21), o TRE-SP rejeitou a ação. O partido informou que vai entrar com um novo recurso contra Tarcísio.