Augusto Aras alerta para o risco de censura prévia e de confusão entre falsidade e opinião do eleitor| Foto: Roberto Jayme/TSE
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Começa à zero hora desta terça-feira (25), no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento virtual de um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para suspender a resolução aprovada na semana passada que ampliou o poder de polícia do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para combater a disseminação das chamadas “fake news” no segundo turno da eleição presidencial.

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Na última sexta-feira (21), Aras pediu uma liminar ao STF para sustar imediatamente a aplicação de vários dispositivos da resolução, principalmente aqueles que permitem a Moraes remover da internet, por iniciativa própria, postagens ou notícias com fatos julgados anteriormente, pela maioria dos ministros, como “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”, mesmo sem pedido de candidatos ou do Ministério Público; suspender contas, perfis ou canais com “produção sistemática de desinformação”; e até bloquear acesso do público a plataformas digitais, em caso de descumprimento “reiterado” de suas ordens pelas empresas.

No sábado (22), o ministro Edson Fachin, sorteado relator da ação, negou o pedido de suspensão. Argumentou, basicamente, que a Justiça Eleitoral tem competência para criar regras que detenham a propagação de informações propositalmente enganosas, uma vez que tem por missão garantir a realização de uma disputa equilibrada e que proteja o eleitor, de modo que possa votar de forma livre de manipulações.

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“A normalidade das eleições está em questão quando a liberdade se converte em ausência de liberdade, porquanto desconectada da realidade, da verdade e dos fatos. Esse exercício abusivo coloca em risco a própria sociedade livre e o Estado de Direito democrático”, escreveu Fachin.

A PGR recorreu no domingo (23), e agora caberá aos 11 ministros do STF – incluindo Fachin e o próprio Moraes – decidirem se suspendem ou mantém a validade da resolução. Futuramente, caberá aos ministros decidirem também sobre o mérito da ação – uma análise mais aprofundada sobre a compatibilidade das regras da resolução com os direitos dos eleitores e os papéis do TSE definidos pela Constituição Federal. A PGR diz que a resolução afronta várias dessas garantias dos cidadãos e dos limites da Corte Eleitoral.

Em razão do perigo de feri-los de imediato, pede a suspensão da resolução. Entenda cada um desses argumentos nos tópicos abaixo.

Resolução põe em risco liberdade de expressão do eleitor

Aras reconhece na ação a importância de enfrentar a desinformação para assegurar a integridade do processo eleitoral, que é a justificativa da resolução. Mas, por outro lado, considerou problemática a redação que proíbe e permite a remoção de conteúdo com “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”. Para ele, é possível, com isso, restringir a liberdade de expressão de um eleitor que não necessariamente queira enganar, mas apenas criticar determinado candidato com base em fatos reais.

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“[O texto] adota vagueza conceitual que permite alcançar a liberdade de opinião e o direito à informação sobre aqueles mesmos fatos, ainda que não veiculados com o nítido intuito de atrapalhar o processo eleitoral”, diz Aras no recurso. O risco, diz mais adiante, é o TSE confundir divulgação de informação deliberadamente falsa com opinião.

Mais que isso: ao dar a Moraes o poder de suspender perfis e canais, impedindo que seus responsáveis publiquem qualquer conteúdo durante um tempo indeterminado, abre-se a possibilidade de uma efetiva censura prévia, ou seja, que a pessoa seja calada no ambiente digital sem que se saiba o que falaria na internet.

“Na atualidade, perfis e contas pessoais em plataformas digitais constituem espaços muitas vezes utilizados para atuação profissional, científica, artística ou eclesiástica. Eventual uso abusivo daqueles meios há de ser corrigido pela retirada de conteúdos ou por medida menos gravosa, mas não por supressão desses espaços, alijando os cidadãos de seus ambientes virtuais de atuação”, argumenta Aras no recurso contra suspensão da resolução.

Para o procurador-geral, há meios mais adequados e menos drásticos de restabelecer a verdade no debate eleitoral, qual seja, por meio da divulgação de informações corretas. E, nos casos em que houver abuso, isto é, intenção de enganar, é necessário que, antes de remover aquele material, a Justiça dê à pessoa o direito de se defender.

Texto exclui Ministério Público e candidatos do processo

Não só os políticos atingidos e os supostos ofensores estariam alijados do processo de retirar determinado conteúdo do ar. Aras chama a atenção para a exclusão do Ministério Público da deliberação. Até a aprovação da nova resolução, vigorava no TSE a norma segundo a qual a remoção de conteúdos falsos na internet seria determinada pelo juiz “a requerimento” do MP. Agora, a decisão pode ser tomada pelo presidente da Corte sem a opinião do órgão.

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Aras lembra que a Constituição dá ao Ministério Público o dever de zelar pelo respeito dos poderes aos direitos fundamentais, bem como fazer a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A lei que disciplina o funcionamento do MP ainda diz que, na Justiça Eleitoral, ele deve atuar “em todas as fases e instâncias”. A resolução, diz a PGR, “exclui do processo eleitoral amplamente considerado o principal e mais relevante agente constitucionalmente previsto na defesa do regime democrático”.

O afastamento também não é legítimo, segundo o procurador-geral, porque o MP também deixaria de opinar sobre a investigação sobre a ilicitude daquele conteúdo e a punição – remoção do conteúdo, suspensão de perfis e também o tamanho da multa a ser aplicada a quem descumprir as decisões. Na ação, Aras diz que a busca da verdade sobre determinados fatos na discussão política não pode se dar por “ação uníssona e unilateral do órgão jurisdicional” – no caso, o presidente do TSE. Para ele, isso “abre espaço para atuação arbitrária não desejada, arriscando-se a imparcialidade da jurisdição”.

Regras não respeitam o princípio do “juiz natural”

Em outro trecho da ação, Aras também observa que, ao dar ao presidente do TSE o poder de retirar conteúdos do ar, a resolução contraria regras da lei que atribuem o papel de fiscalizar a propaganda a determinados juízes dentro de um tribunal eleitoral.

“É matéria reservada a lei a definição das competências do TSE e de seus órgãos, tendo a Lei das Eleições atribuído aos juízes auxiliares a atribuição do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, com recurso para o Plenário do Tribunal (arts. 41, §1º, 96, § 3º e § 4º, da Lei das Eleições). O Presidente do Tribunal, de outra sorte, é um coordenador administrativo dos trabalhos da Corte”, pontuou o procurador-geral.

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A consequência mais grave de deixar a tarefa a cargo do presidente do TSE é a impossibilidade de recurso dentro do próprio tribunal, impedindo que a decisão seja revista pelo conjunto dos ministros. “Não pode o Tribunal Superior Eleitoral, portanto, subtraindo a competência do juiz natural, que é o juiz auxiliar, para o exame das representações, bem como a competência do órgão colegiado para o exame de eventual recurso (CF, art. 5º, LIII), delegar a órgão monocrático o poder de polícia alusivo à propaganda eleitoral”, diz o recurso.

TSE ultrapassou limite de seu poder para criar regras eleitorais

Augusto Aras também considera que o TSE não poderia criar regras que extrapolem o que prevê a Lei Eleitoral, o que faria do tribunal um “legislador positivo”, algo proibido pela Constituição, especialmente quando a regulação restringe direitos – caso da liberdade de expressão – e fixa punições distintas do que prevê a lei aprovada pelo Congresso. Além disso, Aras lembra que as resoluções do TSE não podem ser editadas após 5 de março.

Um exemplo de que a resolução descumpriu essa regra é o valor das multas estipuladas para as empresas que descumprirem as ordens. A Lei Eleitoral estabelece multas que variam de R$ 5 mil a R$ 30 mil para propagadas irregulares; a resolução eleva a punição para R$ 100 mil a R$ 150 mil após duas horas de notificação, um aumento de 400% “sem lei em sentido estrito, material e formalmente editada pelos poderes competentes”.

Outro exemplo é a proibição de propaganda paga desde 48 horas antes do dia da votação às 24 horas seguintes, sob pena das mesmas multas. Aras diz que isso não está na lei. Segundo ele, o TSE “extrapolou o conteúdo legal que pretendia regulamentar. Invadiu, assim, a competência do Poder Legislativo no campo da regulamentação da Lei Eleitoral”.

Medidas e punições são desproporcionais

Por fim, a PGR também considera desproporcionais as medidas permitidas pela resolução e também as próprias multas estipuladas para quem descumpre as ordens. Aras avalia que não é razoável cobrar das plataformas até R$ 150 mil caso elas não retirem o conteúdo em até 2 horas após serem notificadas.

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“O dispositivo vulnera o princípio constitucional da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que estabelece sanção pecuniária em patamar excessivo, em razão do descumprimento de obrigação de fazer em prazo demasiadamente exíguo”, diz a ação.

O tempo é considerado curto porque não leva em conta, segundo o procurador-geral, procedimentos próprios das plataformas, “sujeitos a intercorrências e dificuldades técnicas supervenientes de toda sorte”. Um agravante é que nos dois dias anteriores à eleição e nos três dias seguintes, o prazo para retirada de conteúdo cai para uma hora após notificação.

A natureza da internet pode dificultar a remoção, dada a velocidade de replicação e compartilhamento dos conteúdos por inúmeros usuários.

Segundo Aras, os prazos mais apertados poderão levar as empresas a uma supressão excessiva de postagens, ainda que não sejam obrigadas a isso, como forma de prevenir as multas. “A imposição de sanção pecuniária elevada pelo não cumprimento de obrigação de fazer em curto lapso temporal, em lugar de inibir a prática que visa a coibir, pode, ao contrário, ocasionar um excesso de proatividade ‘preventiva’ desses provedores, com a finalidade de evitar as expressivas multas, a potencializar ainda mais o risco de atos de censura prévia.”

Por último, alerta para a medida mais drástica prevista na resolução: “a suspensão do acesso aos servidores da plataforma implicada, em número de horas proporcional à gravidade da infração, observado o limite máximo de vinte e quatro horas” – o dispositivo também permite a renovação do bloqueio, pois “a cada descumprimento subsequente será duplicado o período de suspensão”.

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“Não há razoabilidade em impor, no curso do efetivo atendimento da decisão judicial, a suspensão do acesso aos serviços da plataforma implicada, sob pena de bis in idem e, ao depois, de confisco de bens sem o devido processo legal”, adverte o procurador-geral.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]