Todos os candidatos à Presidência da República entregaram seus planos de governo até o dia 15 de agosto. De lá para cá, entretanto, parte dos presidenciáveis tem apresentado aos eleitores promessas que não constam em seus programas de governo e, principalmente, sem especificar de onde viriam os recursos para bancar os benefícios prometidos.
A maioria dessas promessas, trazidas ao público nas propagandas eleitorais, em entrevistas à imprensa e em discursos em comícios, focam nas camadas mais pobres da população. Vale destacar que a fatia de domicílios brasileiros que integra as classes D e E representa, atualmente, 51% da população segundo estudo realizado pela consultoria Tendências. Em números absolutos, são 37,7 milhões de domicílios compondo a base social neste ano, o que denota a relevância eleitoral de alcançar tais segmentos.
“No Brasil, essas promessas focadas na faixa da população que ganha até um salário mínimo costumam chegar depois. Esse eleitorado, que é majoritário no Brasil, representa um número muito importante e por isso os candidatos são tentados a fazer esse tipo de proposta que ninguém sabe bem como vão ser implementadas”, explica Leandro Gabiati, doutor em ciência política e diretor da Dominium Consultoria. “É normal, faz parte da campanha, mas não é positivo”.
Veja a seguir algumas das novas propostas apresentadas pelos principais presidenciáveis:
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o presidenciável que tem apostado com mais ênfase nessa estratégia. Após apresentar um plano apenas com as diretrizes de um eventual novo governo, em 21 de junho, a campanha do petista havia anunciado que publicaria um novo documento antes do primeiro turno com o aprofundamento das propostas. No entanto, a campanha suspendeu a divulgação do novo texto. À CNN, uma fonte da campanha disse que a publicação de um programa fechado poderia inviabilizar apoios à candidatura de Lula na reta final do primeiro turno.
No final de agosto, uma publicação no Twitter no perfil “Lulaverso”, que é administrado pela campanha do petista, mencionou a promessa do ex-presidente de pagar um adicional de R$ 150 no Auxílio Brasil para cada criança de até 6 anos – além dos R$ 600, que é o valor atual do benefício. Dias depois, a promessa passou a ser veiculada nos programas eleitorais do candidato.
Também no “Lulaverso” foi divulgado no final de junho, sem maiores detalhes, o programa chamado “Desenrola”, que trata da renegociação de dívidas de contas como luz, água e telefone.
No começo de setembro, em ato de campanha, o candidato também prometeu que, se eleito, reajustaria anualmente o salário mínimo em percentuais sempre acima da inflação do período.
Entre outras promessas de Lula nos mesmos moldes estão isentar do pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil e reduzir o preço da gasolina e do gás de cozinha. Na quarta-feira passada (21), o petista também prometeu baixar o preço do querosene de aviação para reduzir valores das passagens aéreas no país e “fazer com que as pessoas voltem a viajar”.
Jair Bolsonaro (PL)
O atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) também tem apostado em promessas ausentes do programa de governo apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando a candidatura dele foi registrada. Em propaganda eleitoral transmitida em 8 de setembro, a campanha de Bolsonaro prometeu pagar um adicional de R$ 200 para beneficiários do programa de renda Auxílio Brasil que começarem a trabalhar.
A medida, entretanto, já consta na estrutura de benefícios do programa desde a sua criação, em novembro de 2021, porém o valor adicional não é pago. Apesar disso, o presidente veiculou o benefício como uma novidade atrelada à sua candidatura; na propaganda, o locutor diz que “os mais de 20 milhões de brasileiros que recebem Auxílio Brasil de no mínimo R$ 600, agora receberão mais R$ 200 se começarem a trabalhar. Vai ser R$ 800 mais o salário do trabalho”.
Outra promessa, a de zerar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em eventual novo mandato, tem sido repetida durante a campanha não apenas pelo atual presidente, mas também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontros com empresários.
A manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de 2023 já constava no plano de governo apresentado pelo candidato à reeleição. Em entrevistas recentes, no entanto, ele mencionou o modo como a equipe de governo busca viabilizar a continuidade do benefício – a taxação de lucros e dividendos está sendo estudada.
Também na quinta-feira (22), a propaganda eleitoral da campanha de Bolsonaro anunciou promessa de, em eventual reeleição, dar títulos de terra a todos os assentados do país.
Demais presidenciáveis
Entre os demais presidenciáveis, Ciro Gomes (PDT) trouxe como um dos seus carros-chefes durante a campanha junto ao eleitorado mais pobre a promessa de que criaria um programa de distribuição de renda no qual seria pago R$ 1 mil por mês a pessoas com renda mensal de até R$417. O programa de renda anunciado pelo pedetista é o mais alto entre todos os presidenciáveis.
Apesar de a promessa não constar em seu programa de governo, Ciro tem explicado em entrevistas à imprensa que a medida seria viabilizada por meio da taxação de grandes fortunas em alíquotas de 0,5% a 1,5% para pessoas com renda superior a R$ 20 milhões ao mês.
Simone Tebet (MDB) é outra a investir em promessas eleitoreiras: em encontro com o Movimento dos Sem Teto do Ipiranga (MSTI), em Heliópolis, na capital paulista, ela prometeu construir um milhão de casas populares, sem especificar como viabilizaria a proposta. Em entrevistas posteriores ela passou a explicar que seu eventual governo extrapolaria o teto em aproximadamente R$ 60 bilhões para cobrir os programas sociais.
Outro compromisso assumido pela emedebista durante a campanha foi o da criação de uma “poupança social”, que na prática consistiria em uma aplicação mensal por parte do governo federal de 15% do valor que trabalhadores informais beneficiários do Auxílio Brasil declarem que ganham ao mês para que possam retirar o saldo depositado até duas vezes por ano. Simone Tebet chegou, ainda, a propor o pagamento de R$ 5 mil a estudantes que concluirem o Ensino Médio.
Já Soraya Thronicke (União Brasil) passou a afirmar, após o primeiro debate presidencial realizado em 28 de agosto na TV Bandeirantes, que se eleita isentaria do Imposto de Renda todos os professores do país, da rede pública e privada. Desde o final de agosto, a candidata também tem prometido isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos.
Para especialistas, promessas eleitoreiras representam risco às contas públicas
Na avaliação de Alexandre Chaia, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o risco de candidatos à Presidência preverem gastos sem indicar a origem dos recursos é que isso, inevitavelmente, geraria déficit de caixa, o que poderia ser resolvido somente mediante aumento de impostos, endividamento do governo federal ou, em última instância, emissão de moeda.
“A inflação é a principal consequência de medidas eleitoreiras de gastos irresponsáveis, ao lado do aumento de juros. Vale dizer que a inflação é o pior tipo de ‘imposto’ para quem tem pouca renda, porque a pessoa não consegue se proteger, tudo sobe mais rápido do que o salário e ela fica sempre correndo atrás”, diz o economista.
“Aí o governo tem que dar aumento para repor o poder de compra e entra numa espiral em que o governo gasta para repor, e esse gasto gera um déficit; a sociedade, então, aumenta os preços esperando o aumento de impostos e aí volta o processo inflacionário que havia antes”, explica.
Já Gabiati reforça que a sinalização, mesmo que sem aprofundamento na parte técnica, dos recursos a serem usados para o financiamento das propostas já reduziria incertezas e riscos ao orçamento.
“Falando de um ponto de vista político, eleitoral, esse apelo acaba fazendo parte da campanha, da disputa. Por outro lado, temos sérios problemas fiscais relacionados ao aumento de gastos, portanto falando de um ponto de vista mais racional e de viés econômico esse tipo de propostas é negativo”, opina o cientista político.
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