Uma oportunidades e dois grandes desafios na área econômica aguardam o presidente da República que será escolhido no dia 30. De um lado, ele poderá se beneficiar de um corte na taxa básica de juros, provavelmente a partir do segundo semestre de 2023 – mas talvez até antes, dependendo de como o cenário econômico evoluir.
De outro, terá de enfrentar, no Brasil, uma forte pressão na área fiscal, causada por gastos assumidos pelos presidenciáveis, que terá de ser administrada com cuidado para não desembocar em forte alta do déficit e da dívida pública.
Outro desafio vem do exterior: a perspectiva é de uma demanda global mais fragilizada, afetada pelo processo de alta nos juros e pela chance de recessão em algumas das principais economias mundiais.
Oportunidade: a possível queda na taxa básica de juros
A economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, destaca em relatório que 2022 deve fechar com boas surpresas, como o crescimento maior do que o esperado do PIB brasileiro, próximo de 3%, investimentos em alta e um mercado de trabalho mais robusto, com significativa redução do desemprego – que para ela pode fechar o ano em torno de 8,5%, ante os 8,9% registrados no trimestre encerrado em agosto.
“A melhora na atividade, liderada pelo setor de serviços, trouxe um importante progresso do mercado de trabalho. Além do ciclo de commodities favorável dos últimos dois anos, que impulsiona investimentos e melhora a renda, reformas microeconômicas e o crescimento do uso da tecnologia deram mais dinamismo a diversas atividades, permitindo volume recorde de geração de empregos e consequente crescimento da massa salarial, que tende a manter o consumo em alta em 2023”, diz ela.
Esse panorama pode fazer com que o corte na taxa Selic seja iniciado ainda no primeiro semestre de 2023, considerando que não haja uma expansão significativa dos gastos públicos e perda da ancoragem de expectativas de inflação.
Se confirmado, o corte nos juros pode começar a remover um dos principais obstáculos a um crescimento mais forte, na visão do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes. Em setembro, ele comentou que a Selic é um "freio de mão puxado", mas que a queda da inflação abrirá espaço para o Banco Central reduzir os juros, e com isso "o vento monetário vai ser a favor".
Desafio: a desaceleração da economia global
A mais recente sinalização do desaquecimento da economia global vem do Fundo Monetário Internacional (FMI). Depois de um crescimento de 6% em 2021, recuperando as perdas da pandemia, as projeções para o PIB global indicam para uma expansão de 3,2% neste ano e de 2,7% no ano que vem.
O maior “esfriamento” deve acontecer nas principais economias globais. As previsões para os Estados Unidos indicam para um crescimento de 1,6% neste ano e de apenas 1% em 2023.
Um sinal negativo para a maior economia global veio com a divulgação da inflação local, que ficou acima do esperado em setembro. O mercado esperava 0,2% e a taxa foi de 0,4%, segundo o US Bureau of Labour Statistics. Essa alta reforça a expectativa de que o Fed eleve a taxa de juros em mais 0,75 ponto percentual na próxima reunião, no início de novembro.
A desaceleração deverá ser ainda mais forte na área do euro, que pode passar de um crescimento de 3,1% em 2022 para somente 0,5% em 2023. Economias como a italiana e a alemã podem até encolher no ano que vem, de acordo com as perspectivas do FMI.
Nesse contexto, Rafaela Vitória avalia que, após dois anos com ventos favoráveis para a economia brasileira, que acabaram impulsionando as exportações e estimulando os preços das commodities, 2023 deve trazer uma desaceleração.
Ela aponta que esse “esfriamento” global, com política monetária mais restritiva, deve frear a produção industrial e conter o a disposição de investidores estrangeiros por novos projetos. “Além disso, nos mercados de capitais, teremos maior aversão a risco e custo de dívida mais alto, o que pode ser um freio para uma futura expansão mais robusta”, diz.
Ao mesmo tempo, porém, o Brasil tem boas cartas na manga: pode seguir em vantagem relativa na comparação com outros mercados, sendo exportador líquido de commodities, e estando distante geograficamente de conflitos como a guerra na Ucrânia.
Desafio: reconstruir a credibilidade fiscal em meio à forte pressão por gastos
Um dos grandes desafios do próximo presidente, segundo analistas, é o de reconstruir a credibilidade fiscal do país. A pandemia da Covid-19 exigiu a tomada de medidas excepcionais que afetaram as contas públicas. A situação se reverteu neste ano, com a melhora da atividade econômica, que favoreceu o crescimento da arrecadação.
Mas a economista-chefe do Inter lembra que a discussão sobre aumento de despesas ao longo do debate eleitoral trouxe dúvidas com relação a potenciais mudanças na política fiscal.
“Apesar de um legado também positivo nessa área – o Brasil deve terminar com um superávit primário de cerca de 1% –, ainda há muita incerteza sobre o orçamento de 2023, com a proposta a ser aprovada na Câmara e demandas por despesas que vão além do teto. A dívida pública teve queda importante no ano – deve terminar próxima de 76,5% do PIB –, mas o patamar ainda é elevado e o custo dos juros teve forte alta em 2022”, cita ela, em relatório.
Segundo ela, administrar todas as demandas e renovar o arcabouço fiscal, trazendo de volta a previsibilidade e a credibilidade está entre os principais desafios da equipe econômica do próximo governo.
“Regras críveis e rígidas para as despesas serão cruciais para ancorar as expectativas nos próximos anos”, complementam analistas da XP Investimentos.
Eles destacam que um aumento de gastos é esperado a partir do próximo ano, com a necessidade de acomodar até R$ 165 bilhões em despesas adicionais, como a extensão do Auxílio Brasil em valores mais elevados e reajustes a servidores públicos. Isto demandará uma revisão no teto de gastos em montante ao redor de R$ 140 bilhões.
“Outras iniciativas, como a correção na tabela do Imposto de Renda, a ampliação dos gastos com o piso nacional de enfermagem e a compensação das perdas do ICMS dos estados também requerem atenção”, diz o relatório.
Os analistas da corretora destacam que o equilíbrio das contas públicas vai requerer uma regra de despesa rígida. Segundo eles, um crescimento superior a 0,9% acima da inflação já gera um cenário em que a dívida pública não se estabiliza até o fim da década. E é difícil promover aumentos da carga tributária para financiar mais gastos, devido aos efeitos negativos sobre o crescimento econômico.
O Itaú considera que a sustentabilidade fiscal é a principal dificuldade a ser encarada pela equipe econômica. “Não se trata de uma preocupação com os números fiscais de 2022, e sim com a trajetória que parece estar contratada para o futuro”, destaca o banco em relatório publicado no início do mês.
Segundo os economistas da instituição financeira, o próximo governo terá de decidir sobre a continuidade dos auxílios e cortes de impostos recém-implementados, além do arcabouço fiscal que será válido à frente, em uma economia emergente com dívida pública alta e juros elevados.
“Estruturalmente, a combinação de endividamento elevado em uma economia emergente com juros altos e dúvida sobre o marco institucional que baliza as contas públicas, em cenário de aumento de gastos sociais, implica riscos significativos para a trajetória fiscal.”
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