Regularização fundiária no campo e nas cidades é um desafio gigantesco para os candidatos a presidente da República.| Foto: Fernando Bizerra/EFE
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Com mais de 11 milhões de pessoas vivendo em ocupações irregulares nas grandes cidades (segundo o último censo realizado em 2010) e um número inestimável aguardando um assentamento no campo, o Brasil precisará do novo Presidente da República um amplo programa de regularização fundiária. Entre linhas gerais e estimativas, todos os candidatos que disputam a eleição deste ano preveem ações assim – mas, com visões distintas.

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Em seu programa de governo, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) diz que titulou 326 mil assentados rurais em três anos, e que vai criar condições para alcançar 970 mil famílias e 300 mil posseiros em “áreas federais não destinadas”. Essas medidas vão, ainda, contribuir “para a exploração racional e sustentável da Amazônia”.

Já sobre a regularização de ocupações em áreas urbanas, o plano de Bolsonaro não apresenta propostas exceto pela concessão de crédito para o financiamento de imóveis residenciais “a fim de universalizar o acesso à aquisição de moradia em áreas urbanas”.

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Em entrevistas recentes, como a concedida ao Jornal Nacional, e falas com apoiadores em Brasília, Bolsonaro não se aprofundou sobre o que será feito nos centros urbanos se for reeleito. Apenas diz que pacificou “o MST titulando terras pelo Brasil”.

Eugênio Stefanelo, mestre e professor de economia rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ex-secretário da agricultura do Paraná, explica que este avanço citado pela atual gestão não é de agora, e já vem de governos anteriores que melhoraram a estrutura dos órgãos responsáveis.

“No entanto, ainda há sérios problemas quanto a isso principalmente nas regiões Norte e Centro-oeste do país, onde a quantidade de terras disponíveis sem afetar o meio ambiente é muito grande, mas que carece de investimentos para acelerar a burocracia”, analisa.

De modo sucinto e sem citar números e metas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não cita o quanto regularizou nas gestões petistas anteriores (265,6 mil segundo o Incra), mas estabelece linhas gerais da necessidade de realizar uma reforma agrária com estímulo à economia verde inclusiva baseada na conservação, restauração e uso da biodiversidade.

Já nas cidades, o candidato afirma que é preciso combater “desigualdades territoriais, em direção a uma ampla reforma urbana” com um programa de acesso à moradia e financiamento adequado para “cada tipo de público”.

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Embora não detalhe como vai tocar o tema reforma agrária se eleito em outubro, Lula vem dando alguns sinais em discursos e entrevistas. Durante ato de campanha em Teresina, no começo do mês, disse que vai “continuar fazendo assentamento de reforma agrária e financiamento para pequeno e médio produtor”, segundo reprodução do site da campanha. Já na sabatina ao Jornal Nacional, enalteceu o MST e disse que o movimento “de 30 anos atrás não existe mais”.

Ocupações irregulares nas cidades

Por outro lado, Ciro Gomes (PDT) afirmou que pretende realizar um amplo programa de “reforma urbana e regularização fundiária para garantir a escritura da casa e do terreno”. Seu programa de governo prevê, ainda, financiar a reforma de moradias populares com a contratação de mão de obra da própria família ou comunidade.

Em entrevista à Gazeta do Povo em meados de agosto, Ciro disse que o Brasil tem 14 milhões de pessoas vivendo “sem infraestrutura e ameaçadas de despejo” e que tem “um programa massivo de regularização fundiária urbana”, mas sem citar quantas pessoas seriam beneficiadas.

Esse número pode ser ainda maior, já que o novo censo ainda está em fase de apuração. Mas, entidades como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Observatório das Metrópoles apontam para um crescimento acelerado deste tipo de ocupação, com ações públicas falhas ao longo dos anos, segundo Viviane Manzione Rubio, mestre e doutora em arquitetura e urbanismo e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

“Vários programas habitacionais foram implementados em diversas gestões públicas das três instâncias de governo, em vários momentos da história, mas sem integração e articulação. E o mais importante: sem continuidade, sendo interrompidas e alteradas sem a devida visão sistêmica da problemática, que tem grande complexidade”, diz.

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Ou seja, uma articulação que o próximo governo terá de estabelecer e que os atuais programas dos candidatos não explicam. Simone Tebet (MDB), por exemplo, cita em linhas gerais o que pretende fazer, como “reduzir o déficit habitacional do país, adotando instrumentos como locação social, compra de unidades prontas para morar e aproveitamento de imóveis ociosos nos grandes centros”; a construção de moradias subsidiadas voltadas a famílias de baixa renda e mais vulneráveis e crédito habitacional para famílias de renda média.

Sem citar números, também prevê realizar a “regularização fundiária, com certificação e documentação dos imóveis, sobretudo em áreas urbanas” e em territórios quilombolas. A candidata ainda não tocou neste assunto em entrevistas.

Indo em uma direção um pouco diferente dos concorrentes, o plano de governo de Soraya Thronicke (União Brasil) não especifica questões como a reforma agrária ou regularização fundiária no campo ou nas cidades. A candidata propõe, em linhas gerais, “aumentar a ocupação, com sustentabilidade, das terras produtivas, incentivando o aumento da produtividade para ações no meio rural”.

Já nas cidades, pretende fazer uma parceria com governadores e prefeitos para uma “transferência de moradias em áreas onde a convivência com os riscos naturais não é viável, de forma segura. Implantar um programa eficaz de fiscalização do uso desordenado e ilegal do solo em áreas de risco”. A candidata também não tocou neste assunto em entrevistas.

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Terra tem, mas com muita burocracia

A promessa de acelerar a regularização fundiária no campo e na cidade não é nova, mas é constantemente renovada a cada eleição presidencial. É um problema que vai além de apenas dividir as terras no campo e dar um pedaço de chão para cada necessitado ou passar uma rua, energia elétrica e manilhas de coleta de esgoto em áreas de ocupação irregular nas cidades.

No campo mesmo, apenas 7,8% do território brasileiro é ocupado por lavouras cultivadas, além de outros 21% de pastagens naturais ou plantadas, segundo a Embrapa Territorial. Stefanelo conta que “não falta terra no Brasil”, o que mostra o grande potencial de crescimento da quantidade de áreas cultiváveis principalmente em terras que ainda pertencem à União e estão abandonadas – em especial nas zonas de fronteira, o que torna o problema ainda mais sério – ou com posseiros à espera de regularização.

“[Falta] o dinheiro público ser aplicado para que os órgãos tenham mais celeridade nesse tipo de análise [documentos que provem que o posseiro faz uso da terra] utilizando os meios disponíveis”, afirma o mestre e professor de economia rural.

À Gazeta do Povo, o Incra informou que não há como estimar a quantidade de famílias à espera de um assentamento, já que trabalha com editais em que os próprios interessados se inscrevem, e não um cadastro geral. O último levantamento, de 19 de agosto, aponta 52 editais abertos com 3,1 mil vagas nos estados de Goiás, Maranhão, Pernambuco, Santa Catarina, Tocantins e Rio Grande do Sul. Os cadastros remanescentes das vagas preenchidas são eliminados após o fechamento do edital, e o interessado precisa fazer todo o processo de novo em outro chamamento.

O dinheiro público também falta para dar andamento às políticas sociais que resolvam o problema das ocupações irregulares nas grandes cidades. Além da dificuldade de integrar os trabalhos com as três esferas de governo para prover os recursos necessários para as obras de urbanização destas áreas, Viviane Rubio explica que há, ainda, a necessidade de se implantar programas sociais de geração de trabalho e renda articulados à política habitacional.

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“A responsabilidade é de todas as instâncias de governo, mas a sociedade também pode fazer parte da solução dos problemas, organizando-se e cobrando dos governos suas devidas responsabilidades”, diz.

Ainda segundo a professora da Mackenzie, a dificuldade vai além, e varia de acordo com a complexidade e a tipologia da ocupação e/ou do nível de irregularidade da área ocupada, o que impede a padronização de uma única política social.

“Uma vez que posso ter que reformar um cortiço, construir unidades habitacionais e/ou implantar infraestruturas de saneamento ambiental (redes de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais), além da regularização fundiária e o estabelecimento de regramento e parâmetros para a manutenção das intervenções e contenção da ampliação das ocupações”, conclui.