A demissão de mais um presidente da Petrobras é reflexo da preocupação do governo federal com a alta da inflação e os consequentes impactos à tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). No Palácio do Planalto, interlocutores de diferentes pastas e do próprio gabinete presidencial admitem que a mudança na estatal é uma resposta dada à escalada dos preços dos combustíveis.
É reconhecido no Planalto que a demissão de mais um presidente da Petrobras – após outras duas trocas no comando na estatal e uma no Ministério de Minas e Energia – gera um efeito mais simbólico, de esperança a parte do eleitorado, do que prático, de redução de preços. Até porque parece pouco provável que a troca no comando da estatal leve a uma alteração significativa na política de preços da Petrobras – e essa é também a avaliação de boa parte dos analistas de mercado.
Pré-candidatos como Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) criticam o regime de preço de paridade de importação (PPI) adotado desde 2016 pela Petrobras, que atrela os preços domésticos dos combustíveis às variações da cotação do barril do petróleo e do dólar. E o próprio Bolsonaro fez duros ataques a essa metodologia nos últimos meses.
A questão é que, quando o petróleo ou o dólar sobem, o PPI leva a reajustes nas refinarias e nas bombas. É o que ocorre desde 2021, o que contribuiu para a disparada da inflação e piorou o humor de consumidores e potenciais eleitores.
A despeito da vontade pessoal de Bolsonaro em pôr fim ao PPI, a tendência é de que a política de preços permaneça inalterada. A informação que circula no Planalto, porém, sugere que o nome indicado pelo governo para comandar a estatal, Caio Paes de Andrade, vai trabalhar para evitar novos reajustes.
Alguns interlocutores comentam que a "missão" de Paes de Andrade na Petrobras será manter represada a defasagem dos preços dos combustíveis no mercado interno em relação ao externo e, assim, segurar reajustes. A vontade de Bolsonaro e de alguns ministros do governo, além de aliados da base, é de que nenhum aumento seja anunciado antes das eleições, em outubro.
O núcleo duro do Planalto entende que novos aumentos de preços nas bombas podem mexer com o humor dos eleitores e comprometer as estratégias eleitorais, que passam pela redução da rejeição de Bolsonaro. A sinalização de ingerência na Petrobras como estratégia eleitoral, porém, não agrada a equipe econômica, que defende outra postura.
Qual estratégia pode prevalecer com a mudança na Petrobras
A lógica do núcleo político de Bolsonaro é que, por ser um nome indicado pelo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e contar com aval de Guedes, Caio Paes de Andrade teria o respaldo de atuar contra novos reajustes junto ao conselho de administração da Petrobras sem transparecer uma intervenção direta.
Defende-se no Planalto que um "pente fino" seja feito para a escolha dos próximos conselheiros. Como José Mauro Coelho Ferreira, ainda presidente da Petrobras, foi eleito pelo sistema do voto múltiplo na assembleia geral ordinária realizada em 13 de abril, sua demissão implicará na destituição dos demais membros do conselho eleitos pelo mesmo processo, caso a mudança seja aprovada em assembleia-geral extraordinária.
Ou seja, além de Paes de Andrade, outras trocas no conselho de administração podem ocorrer durante o processo de mudança na estatal, que pode demorar mais de um mês para ser concluído. O governo cobra de Guedes e de Sachsida a indicação de nomes para o conselho alinhados com o sentimento de "sensibilidade" exigido pelo país – e que, consequentemente, pode ajudar Bolsonaro eleitoralmente.
A lógica defendida pelo Planalto não é simples e coloca o governo em uma sinuca de bico: uma vez indicados, os conselheiros da estatal costumam se pautar pelo estatuto da empresa e pela Lei das Estatais, que defendem, entre outras coisas, preços alinhados com o mercado e a livre concorrência.
Por esse motivo, Guedes e Sachsida acenam nos bastidores ao Planalto com outra missão para Paes de Andrade. A ideia defendida na equipe econômica é que o novo indicado para presidir a estatal proponha junto ao conselho de administração um prazo para a autorização de novos reajustes.
Segundo informações de bastidores divulgadas pelos jornais "O Globo" e "Folha de S.Paulo", Guedes defende para a Petrobras uma "trava" em reajustes por 100 dias, ou então a definição de um intervalo, uma "banda larga", de cotações do petróleo dentro da qual o preço dos derivados no Brasil dificilmente sofreria alterações; ele só seria alterado, para mais ou para menos, caso os limites dessa banda fossem ultrapassados.
Alguns interlocutores da equipe econômica estão confiantes, no entanto, de que a necessidade de que o câmbio ajude a afastar a necessidade de repasses aos preços dos combustíveis. Eles entendem que, com o dólar próximo de R$ 4,80, como agora, a defasagem em relação ao mercado externo é muito menor – há duas semanas, a taxa de câmbio chegou a ficar acima de R$ 5,10.
Dados compilados pela Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom) informados pelo site Poder360 apontam que a defasagem do preço do óleo diesel recuou de uma diferença de 4% em relação ao praticado no exterior, há uma semana, para 1% nesta terça-feira (24). Já a defasagem da gasolina passou de 22% para 2% no mesmo período.
Os outros desafios que rondam a Petrobras e o que espera o governo
A aposta em controlar o preço dos combustíveis pela lógica de mercado e a confiança de que a desaceleração do dólar possa influenciar no custo dos combustíveis no mercado interno brasileiro não é nova na equipe econômica – era assim desde antes de José Mauro Coelho Ferreira ser escolhido para a presidência.
Interlocutores do Planalto alertam, porém, para a volatilidade do mercado e a incerteza sobre a curva do dólar e do próprio petróleo nas próximas semanas e meses. Por esse motivo, muitos apontam que a troca no comando da Petrobras e as mudanças que virão no conselho de administração impõem desafios à equipe econômica e a Caio Paes de Andrade.
Um deles é o de melhorar a comunicação entre a estatal e o governo, bem como a comunicação com a população. Existe uma crítica no governo de que a diretoria da Petrobras se distanciou além de um limite considerado como "aceitável" por Bolsonaro. O último reajuste, de cerca de 9%, pegou o presidente de surpresa e o enfureceu.
A expectativa é de que as mudanças previstas para o comando da estatal possam "reformar" as pontes entre o governo e a Petrobras e trabalhar em uma comunicação mais próxima com o Executivo e mais transparente com a sociedade, a fim de justificar as ações e medidas adotadas pela estatal.
A equipe econômica está ciente das demandas e defende que a escolha por Paes de Andrade – formado em comunicação e mestre em administração de empresas – atende as cobranças do governo e se encaixa no perfil para a presidência da estatal, apesar de não ter experiência mínima exigida pela Lei das Estatais. O objetivo no Planalto é que a petroleira assuma a responsabilidade por suas decisões, livrando Bolsonaro do ônus.
Que impactos eleitorais o governo pode obter com mudanças na Petrobras
Sob o aspecto da estratégia eleitoral de Bolsonaro, há lógica na troca do comando da Petrobras e em escolher um nome mais alinhado ao governo e que busque mais transparência sobre as decisões adotadas. A expectativa no Planalto é de que a população reconheça os esforços do governo e veja a estatal como a principal responsável pela alta dos preços dos combustíveis.
É comum a análise de pesquisas eleitorais no governo a fim de ter um retrato estatístico de momento sobre como a população identifica a responsabilidade em relação aos preços (confira, ao fim deste texto, a metodologia das pesquisas citadas na reportagem). Em abril, pesquisa Genial/Quaest apontou que 25% da população definia Bolsonaro como o principal responsável pelo aumento dos preços de combustíveis. Para 15%, a responsabilidade maior era da Petrobras.
Pesquisa Ipespe de maio, por sua vez, apontou que 45% da população entende que Bolsonaro tem "muita responsabilidade" pelo aumento dos preços. O índice se manteve estável em relação ao levantamento anterior, publicado em março. Porém, a pesquisa recente mostrou um dado novo que aponta a Petrobras como "muito responsável" para 64% das pessoas consultadas.
Os diferentes dados sugerem para o governo que, embora a demissão de um presidente da Petrobras possa gerar poucos efeitos práticos, os impactos simbólicos sejam reconhecidos pela população. O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que há fundamentos na estratégia do Planalto.
"É uma estratégia que faz sentido, sim, mas isso só terá resultado eleitoral se os preços não aumentarem. O governo tenta fazer com que isso aconteça e tem tudo para ter sucesso. Foi uma ação ousada, jogaram todos os dados na mesa, mas vamos ter que aguardar mais alguns dias", avalia.
O eleitor é pragmático e só o gesto simbólico com a troca no comando da Petrobras pode ser insuficiente para reverter em aumento de capital político de Bolsonaro caso o dólar retome uma trajetória de alta e a defasagem do preço dos combustíveis em relação ao mercado externo chegue a níveis que voltem a pressionar a estatal.
Por esses motivos, Baía entende ser prudente aguardar mais alguns dias para analisar os reais impactos da troca na petroleira. "Me parece que o cenário mais crítico sobre a guerra da Ucrânia já passou, vamos ver daqui pra frente. Meus colegas economistas acham que vai ter estabilidade do dólar, sim, mas vamos aguardar mais alguns dias", diz.
O cientista político entende que a redução do preço dos combustíveis pode ajudar a estratégia eleitoral do governo em reduzir a rejeição de Bolsonaro. Pesquisa de maio da Genial/Quaest aponta que a curva de rejeição do presidente recuou para 59%, o menor índice desde setembro de 2021. Já a pesquisa de maio da Ipespe uma estabilidade da desaprovação em 61%, dentro da margem de erro.
"A pré-campanha de Bolsonaro está sendo bem sucedida em reduzir a rejeição. As pesquisas recentes mostram que ele estancou a rejeição nos últimos tempos, que tem um viés de queda. Portanto, está muito competitivo em relação a[o ex-presidente] Lula, que também está com a rejeição estável", observa.
Para Baía, o desembarque do ex-governador paulista João Doria (PSDB) da corrida eleitoral é outro ponto que pode beneficiar o presidente.
"O eleitor do João Doria tende mais ao Bolsonaro do que ao Lula ou mesmo à [senadora] Simone Tebet, que pode absorver alguns votos, mas não a maioria", analisa.
Que outras medidas sobre os combustíveis estão no radar do governo
A troca na presidência da Petrobras e as prováveis substituições no conselho de administração da estatal não são as únicas medidas estudadas pelo governo para atenuar os impactos sobre os preços dos combustíveis. Outra medida estudada é o subsídio ao óleo diesel.
É incerto se, a essa altura do ano, o governo vai levar adiante alguma proposta para reduzir artificialmente os preços. Porém, interlocutores do governo admitem que segue em estudo a possibilidade de subsídios pagos com recursos de dividendos repassados pela estatal à União.
A ideia não é nova e foi ventilada no governo por meio de um fundo de estabilização. Líderes e representantes dos caminhoneiros autônomos, além de empresários dos setores produtivos, são alguns dos defensores do subsídio, que segue, contudo, em estudo e sem perspectivas de ser implementado. Projeto que cria o fundo de estabilização foi aprovado no Senado, mas não foi apreciado pela Câmara.
Em 2021, a Petrobras programou o pagamento de R$ 101,4 bilhões aos seus acionistas em dividendos referentes ao exercício de 2021. Considerando sua participação no capital da companhia, de 28,7%, a União receberá cerca de R$ 29,1 bilhões. O montante de competência da União leva o governo a crer que teria em suas mãos um mecanismo eficiente para controlar os preços sem arcar com os mesmos ônus políticos de mudar a política de preços.
Metodologia das pesquisas citadas
A pesquisa Ipespe de maio foi realizada no período de 16 a 18 de maio de 2022, com 1.000 eleitores de 16 anos ou mais de todas as regiões do país. A margem de erro máximo estimada é de 3.2 pontos percentuais para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95,5%. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-08011/2022.
A pesquisa Genial/Quaest de abril foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores entre os dias 1º e 3 de abril de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo BR-00372/2022.
A pesquisa Genial/Quaest de maio foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores entre os dias 5 e 8 de maio de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo BR-01603/2022.
De político estudantil a prefeito: Sebastião Melo é pré-candidato à reeleição em Porto Alegre
De passagem por SC, Bolsonaro dá “bênção” a pré-candidatos e se encontra com evangélicos
Pesquisa aponta que 47% dos eleitores preferem candidato que não seja apoiado por Lula ou Bolsonaro
Confira as principais datas das eleições 2024