As críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), que se tornaram frequentes nos discursos de Jair Bolsonaro (PL) e de seus apoiadores, não eram exclusivas deles em 2019 – ano em que o presidente e os membros do atual Congresso Nacional tomaram posse.
Senadores de oposição ao governo Bolsonaro, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Vieira (PSDB-SE), faziam contestações frequentes aos integrantes do Supremo e defendiam a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a conduta dos ministros da Corte.
A CPI não foi instalada, tampouco foram abertos processos de impeachment contra membros do STF, como defendiam antes os opositores e atualmente os governistas. Isso revela a dificuldade de se apurar condutas e eventualmente punir magistrados da cúpula do Judiciário.
O rito de impeachment de um ministro do STF tem similaridades com o procedimento utilizado para afastar um presidente da República. Qualquer cidadão pode apresentar um pedido de impeachment, que é remetido ao presidente do Senado. A partir daí, ele tem liberdade total para decidir abre ou não um processo com base nesse pedido.
As etapas seguintes envolvem a deliberação por uma comissão do Senado, discussão de um parecer sobre o caso elaborado por esta comissão, apresentação de provas e defesa. Mas são difíceis de visualizar na prática porque o destino quase certo de um pedido de impeachment de ministro do STF é a gaveta. Nunca um membro do Supremo foi cassado por decisão do Senado.
A regra que faz do Senado a Casa exclusiva para deliberar sobre o afastamento de um ministro do STF é, apesar da inexistência de impeachments, elogiada por advogados. "Eu acredito que o processo de impeachment de um ministro do Supremo ser iniciado pelo presidente do Senado como positivo, pois trata-se do órgão máximo do Poder Judiciário. Assim como para um presidente da República há um cuidado, com um ministro do Supremo também", diz o advogado criminalista Luís Alexandre Rassi.
A advogada Priscila Lima Aguiar Fernandes lembra que a previsão de um processo iniciado pelo presidente do Senado é uma regra da Constituição – que, portanto, não pode ser modificada de forma simples. "Existe uma previsão que regulamenta esse tipo de procedimento, que abrange tanto o presidente da República, os ministros de Estado e os ministros do STF. Todos são abrangidos por essa lei, que estabelece os ritos", diz.
Priscila Fernandes ressalta que, em alguns casos, os pedidos de investigação de membros do STF ou de outras esferas do Judiciário podem, na verdade, estar ocultando deslizes de seus demandantes ou sendo usados como retaliação de políticos que foram alvo de decisões judiciais que os desagradaram. "Nós temos sempre que nos ater à questão da legalidade. Muitas vezes o intuito das investigações é fazer pressão, e por esse lado eu acredito que haja excessos", diz.
Para além do STF, a fiscalização global do Judiciário é atribuição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O conselho é uma instituição relativamente nova. Foi criado em 2004, durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Fernandes reconhece a existência de corporativismo em algumas decisões do CNJ, mas avalia que "houve avanços" desde a criação do órgão. Já Rassi diz considerar que o CNJ "deixou de ser um órgão de fiscalização e passou a ser um órgão de regulação, exigindo metas e preenchimento de relatórios pelos magistrados de primeiro grau". "Este fator, inclusive, dificulta a prestação jurisdicional."
"No momento, o assunto está enterrado", diz defensor de CPI para investigar STF
A CPI que buscava fiscalizar o Judiciário foi apelidada de "Lava Toga" – uma referência à Lava Jato e à toga, a vestimenta típica dos juízes, utilizada ainda hoje nas sessões do STF. Defensores da instalação da comissão, os senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Lasier Martins (Podemos-RS) ainda são favoráveis a uma CPI para investigar o Judiciário.
"Tem havido um conluio entre Senado e Supremo. Os ministros do STF não julgam os senadores, e os senadores evitam a abertura de um processo de impeachment [contra ministros do Supremo]", diz Martins. "Reafirmo meu interesse na CPI. Assino se tiver que ser um novo pedido ou mantenho minha assinatura [no pedido já existente]", diz Valério.
As assinaturas mencionadas pelo parlamentar foram o principal ponto de discussão em torno da CPI da Lava Toga em 2019. O Regimento do Senado especifica que uma CPI deve ser aberta se alcançar o apoio de 27 senadores, número que corresponde a um terço dos membros da Casa. Capitaneada por senadores de início de mandato – como Valério, Vieira e Fabiano Contarato (PT-ES) –, a Lava Toga alcançou as 27 assinaturas com dificuldades. Mas, antes de ocorrer a instalação, alguns parlamentares retiraram o apoio e o projeto minguou.
O impasse em torno das assinaturas envolveu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e a então senadora Selma Arruda (PSL-MS), que poucos meses depois do episódio seria cassada. Por orientação do Palácio do Planalto, o filho do presidente não endossou a CPI e teria ameaçado Selma, de quem era colega de partido na ocasião. "A primeira experiência daquele processo foi a de conhecer quem é quem dentro do Senado", diz Martins.
A criação da CPI era uma das bandeiras do grupo "Muda Senado", formado ainda em 2019 e que perdeu força nos últimos meses. A desarticulação do grupo é um dos fatores que faz Plínio Valério não colocar muita fé na instalação da comissão, embora ainda seja um defensor da ideia. "No momento, o assunto está enterrado", diz.
Mas Valério afirma confiar que a nova legislatura, que se inicia no ano que vem, pode impulsionar a CPI. O Senado renovará um terço das cadeiras nas eleições deste ano. Valério está no meio de mandato e, portanto, não precisa disputar a eleição. Já Lasier Martins não conseguiu apoio do seu partido para disputar a reeleição e é candidato a deputado federal.
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