Na primeira metade da campanha de primeiro turno da eleição de 2018, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro ajuizou um total de 56 ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra adversários, veículos de mídia e críticos nas redes sociais. Neste ano, no mesmo período, sua defesa ingressou com apenas 14 ações, um quarto da quantidade anterior. O PT fez o caminho inverso: se em 2018, apresentou ao TSE 16 ações contra opositores de Lula e Fernando Haddad, neste ano mais que triplicou o número de processos, que passaram para 51.
Os dados são resultado de um levantamento feito pela Gazeta do Povo no sistema processual do TSE e levam em conta os primeiros 25 dias de campanha oficial nos dois pleitos, compreendendo o intervalo que vai de 16 de agosto a 9 de setembro, o que equivale a aproximadamente metade do período de propaganda nas duas eleições.
A judicialização envolvendo os dois candidatos foi levemente reduzida de lá para cá. Em 2018, Bolsonaro e Lula (ou Haddad) eram partes (autores ou alvos) de 90 ações. Neste ano, ambos figuraram em 80 processos até o último dia 9. Os processos em que os dois se enfrentam diretamente cresceram quase nada: passaram de 22 para 23. A maior parte das ações que ambos apresentaram se dirigiram a outros alvos: candidatos ou seus eleitores na internet.
A reportagem contabilizou ações apresentadas pelos próprios candidatos, suas coligações ou partidos. No caso do PT, considerou tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que inicialmente lançou-se na disputa, mas teve a candidatura barrada, como o ex-ministro Fernando Haddad, que passou a ocupar seu lugar na corrida presidencial.
A maioria das ações, de um lado e de outro, contesta propagandas na TV e postagens nas redes sociais de eleitores, comentaristas políticos e influenciadores digitais. Em situações assim, as equipes de defesa dos candidatos buscam multar os adversários e críticos pelos ataques, retirar do ar aquele conteúdo ou requerer direito de resposta. Algumas ações específicas buscam punições mais graves, como cassação da candidatura, quando acusações envolvem abuso de poder na disputa ou condutas vedadas durante o período de campanha.
As mudanças na judicialização da campanha de Bolsonaro
Bolsonaro passou a processar menos seus adversários no TSE e a ser mais processado por eles, na comparação entre a fase inicial da campanha de 2018 e a deste ano.
Há quatro anos, suas 56 ações tinham como principais alvos Lula/Haddad/PT (20 processos), usuários de internet que postavam ofensas, principalmente no Facebook (outros 20 processos), o então candidato a presidente pelo PSDB Geraldo Alckmin (11 processos) e veículos de mídia (cinco ações, para obter direito de resposta ou correção de divulgação de pesquisa eleitoral).
Em 2022, na primeira metade da campanha, foram apenas 14 ações, sendo oito contra Lula, três contra André Janones, uma contra Ciro Gomes (PDT), uma contra a CUT e outra contra um eleitor.
Como alvo, Bolsonaro respondeu somente a nove ações em 2018, sendo três de Alckmin, duas do PT, e quatro de eleitores comuns. Já em 2022, passou a ser muito mais atacado judicialmente: foi alvo de 28 ações, sendo que a maioria delas (15) foi apresentada por Lula. Outras oito ações vieram de Ciro Gomes, duas de Soraya Thronicke (União Brasil), uma de Geraldo Alckmin (PSB), uma de Simone Tebet (MDB) e uma do Ministério Público Eleitoral.
As mudanças na judicialização da campanha de Lula
Em 2018, representando Lula e depois Haddad, o PT ajuizou 16 ações, sendo cinco contra Alckmin (hoje candidato a vice de Lula), quatro contra Alvaro Dias (Podemos), duas contra Bolsonaro (então no PSL) e seis contra meios de comunicação para obter direito de resposta ou equilíbrio na cobertura.
Em 2022, Lula e Haddad ajuizaram 51 ações, sendo 19 contra influenciadores digitais, 15 contra Bolsonaro, dez contra jornalistas, comentaristas políticos e veículos de mídia outras sete contra políticos e empresários aliados do presidente, como os filhos Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro, e os empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury – alguns deles também são alvos em ações junto com influenciadores, por conteúdos comuns postados nas redes.
Como alvo, Lula e Haddad apareceram em 31 ações em 2018. A maioria delas foi ajuizada por Jair Bolsonaro (20 processos), seguido pelo Partido Novo (oito processos) e Alckmin (um processo). Outra ação foi movida por um cidadão e outra pelo Ministério Público Eleitoral.
Já em 2022, Lula foi alvo de dez ações na fase inicial da campanha: foi processado em oito apresentadas por Bolsonaro, em uma ação ajuizada por Carlos Bolsonaro e em uma por Simone Tebet.
Para especialista, contexto explica mudanças
Para o advogado Rodolfo Siqueira, o novo contexto da disputa ajuda a explicar as diferenças na judicialização. Ele lembra que, em 2018, Bolsonaro era um candidato visto com desprezo pela elite política, tinha pouco tempo de propaganda na TV e pertencia a um partido sem grande expressão. Hoje, como presidente, tem muito mais visibilidade e força política para alavancar a campanha.
“Quem está na situação tende a receber mais processos. Está mais exposto, fala mais e tem uma tropa de choque maior de aliados e apoiadores. Com esse entorno mais robusto, por outro lado, também se vulnera mais, com algumas dessas pessoas falando alguma bobagem no Twitter, por exemplo”, diz Siqueira, especialista em contencioso eleitoral.
Ele também diz que Bolsonaro hoje tem uma equipe jurídica diferente, com perspectivas e estratégias distintas, adequadas a uma campanha diversa da de 2018. Isso poderia explicar a opção por menos ações contra adversários neste ano. “Entra no cálculo de cada um dos candidatos o efeito de jogar holofote naquilo que ninguém está vendo. Se eu entro com direito de resposta de algo que ninguém está vendo, jogo holofote absolutamente desnecessário.”
Outro fator considerado no momento de decidir entrar ou não com uma ação é o risco de derrota. “A cada processo que ganha ou perde, isso gera um fato político. Quando um ministro tira do ar uma propaganda ou postagem dizendo que é fake news, isso traz danos para a imagem do candidato, o que antigamente não existia.”
Também pode explicar os ataques judiciais mais numerosos contra Bolsonaro o entendimento mais rigoroso firmado pelo TSE nos últimos anos. Várias vezes, ministros do tribunal entraram em embate com o presidente acusando-o de mentir sobre as urnas eletrônicas. O combate às chamadas “fake news” se tornou prioritário.
“Isso atrai mais processos. Como passou por uma crise institucional, com muita gente criticando a atuação dos ministros e as urnas, o TSE ficou menos passivo e isso altera também a dinâmica do contencioso. Isso atrai demandas ligadas a temas como fake news e violência política”, diz o advogado.
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