Os caminhoneiros podem, mais uma vez, exercer uma influência considerável na eleição presidencial. Após paralisar o país em maio de 2018, a categoria volta ao radar político em meio às pressões e à ameaça de uma nova greve nacional em decorrência da alta dos combustíveis provocada pela guerra na Ucrânia. Não à toa o governo federal estuda subsidiar o diesel. O objetivo não é apenas segurar a alta da inflação. Mas também evitar impactos eleitorais negativos ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na semana em que Bolsonaro convocou uma reunião com seus ministros para propor uma solução para a alta dos combustíveis, um discurso que estava na ponta da língua de aliados do presidente era o de adotar medidas para evitar possíveis pressões populares e de caminhoneiros. "Imagina uma greve de caminhoneiros por falta de atitude em termos de tomar alguma medida", disse um interlocutor do Palácio do Planalto.
O governo mantém contato direto com caminhoneiros por meio do Ministério da Infraestrutura, mas o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República também monitora os movimentos da categoria e sabe dos riscos institucionais que uma greve representaria. A Casa Civil, que cuida da articulação política, também colocou os transportadores em seu radar para prever os riscos eleitorais que uma paralisação nacional poderia representar à candidatura de Bolsonaro.
Embora seja hoje improvável uma greve como a de 2018, que parou o país, o governo reconhece o peso que uma paralisação nacional poderia representar, inclusive por se tratar de uma categoria que apoiou em peso a candidatura de Bolsonaro há quatro anos. Segundo dados referentes a 2019 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o país tinha 2 milhões de caminhoneiros ativos naquele ano. Atualmente, líderes da categoria falam em 2,7 milhões.
E não apenas eles são potenciais eleitores, mas também seus parentes e amigos. Considerando os círculos familiares e sociais mais próximo de cada caminhoneiro, lideranças da categoria estimam que eles possam expandir sua influência para, ao menos, 6 milhões de brasileiros.
E representantes da classe têm buscado outros presidenciáveis para valorizar seu capital político com o discurso de incentivar o apoio às candidaturas que apoiarem suas pautas.
Como os caminhoneiros se posicionam às vésperas das eleições
O presidente da República não é o único presidenciável que acena aos caminhoneiros. Além de Bolsonaro, o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) também tem feito o possível para se aproximar da categoria desde 2021, a ponto de ter divulgado vídeo em que dirige um caminhão e alega que Bolsonaro "virou as costas" à categoria.
Os gestos do pedetista foram reconhecidos pelos caminhoneiros. O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o "Chorão", um dos líderes da greve dos caminhoneiros de 2018, foi o primeiro presidenciável com quem ele conversou após dar início ao movimento de diálogo com todos os pré-candidatos à Presidência da República.
A aproximação entre representantes da categoria e presidenciáveis é conduzida pela Abrava, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL) e pelo Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC). Ainda no fim de 2021, em reunião com a participação das três entidades, em Canoas (RS), seus representantes decidiram que se dividiriam para conversar com os pré-candidatos.
Chorão e o presidente da CNTRC, Plínio Dias, ficaram responsáveis de conversar com os presidenciáveis ou coordenadores de campanha de centro-esquerda, centro-direita e, inclusive, com a equipe de Bolsonaro. Já o diretor da CNTTL, Carlos Alberto Dahmer, o "Liti", ficou encarregado de conversar com as candidaturas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do PSTU – partido que ainda analisa se lançar à corrida presidencial.
Os representantes da categoria levam aos presidenciáveis as pautas defendidas pela categoria, a exemplo da volta da aposentadoria especial e da substituição da política de preço de combustíveis de paridade de importação (PPI), atualmente em vigor, pela de preço de paridade de exportação (PPE). Também questionam os presidenciáveis ou sua equipe se teriam seu apoio em um possível governo. Posteriormente, as lideranças dos caminhoneiros levam às suas bases as sinalizações feitas pelos presidenciáveis.
"O Ciro foi o primeiro com quem falamos. Tivemos uma conversa muito franca, levamos o que vem acontecendo [com a categoria]. E conversamos sobre o que ele tem colocado em suas redes sociais, de rever a questão da paridade de importação e a lucratividade dentro da Petrobras", diz Chorão. O presidente da Abrava diz que a conversa agradou, mas reitera que vai cobrar em breve se as pautas estarão atendidas no plano de governo do PDT. "Falar todo mundo fala, todo mundo diz que vai fazer. Mas a gente já está calejado; vamos cobrar", reforça.
Além do pedetista, Chorão também conversou com a presidente nacional do Podemos, deputada federal Renata Abreu (SP), e espera poder conversar com o ex-juiz Sergio Moro (Podemos). O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), são outros presidenciáveis com quem o presidente da Abrava busca uma agenda. "Queremos falar com todos e isso também vale para o Bolsonaro", afirma.
Já Liti, que procurou a candidatura de Lula, conseguiu uma sinalização de uma conversa com o ex-ministro Aloízio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo. A expectativa é que a conversa ocorra no fim deste mês ou em abril. "Queremos colocar nossa pauta e ter posição muito clara do que o plano de governo do Lula pensa, por exemplo, sobre o piso mínimo de frete e a aposentadoria especial [para os caminhoneiros]", diz o diretor da CNTTL.
Quais presidenciáveis devem contar com o apoio dos caminhoneiros
A despeito do interesse de os líderes da categoria tentarem aproximar os caminhoneiros dos presidenciáveis, a tendência é que Bolsonaro seja o candidato preferido deles, como em 2018. A maioria dos líderes ouvidos pela Gazeta do Povo diz que, apesar de críticas e pressões exercidas por segmentos da categoria, o presidente da República ainda conta com prestígio entre os caminhoneiros.
"Pelo que convivo e participo dentro da categoria diretamente, a grande massa é Jair Messias Bolsonaro. Não tenho dúvida, uns 90% votarão no presidente", afirma o líder caminhoneiro autônomo Odilon Fonseca, de Confresa (MT), que liderou a paralisação do ano passado na semana de 7 de setembro. "Aqueles que puxam para o Lula é porque sempre foram petistas. É a ideologia deles e não vai mudar. Os que pedem terceira via são petistas enrustidos que ficaram irritados", acrescenta.
Segundo os caminhoneiros do ciclo social mais próximo de Fonseca, a categoria valoriza a agenda conservadora defendida pelo presidente e celebra o governo chegar ao último ano sem escândalos de corrupção. "Só a queda de braço que ele travou de não roubar e não deixar roubar já é o suficiente", diz o líder da categoria. Ele também defende a posição contrária de Bolsonaro à ideologia de gênero nas escolas. E afirma que as invasões de propriedade privada diminuíram com Bolsonaro. "Não vê mais sem terra invadindo propriedade dos outros, não cercam mais rodovia. Nem se vê mais Guilherme Boulos [coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto] invadindo residência dos outros", afirma.
Já o caminhoneiro Janderson Maçaneiro, o "Patrola", líder autônomo de Itajaí (SC), diz que a categoria reconhece os feitos apresentados pelo governo, a exemplo do programa Gigantes do Asfalto, do "MEI caminhoneiro", da lei que mudou as regras de pesagem dos caminhões e de veículos com irregularidades, e do documento de transporte eletrônico (DT-e), que pode começar a funcionar até julho e favorecer a contratação direta entre caminhoneiro e embarcador.
"Num contexto nacional, a grande maioria fica com Bolsonaro, apesar de tudo o que ocorre. Ele ainda é o candidato mais forte no meio da categoria", afirma Patrola. O caminhoneiro sente que a categoria está mais informada e consciente atualmente – o que, para ele, tem eximido o governo de críticas no atual cenário de alta dos combustíveis. "Se um reclama do preço do diesel, o outro fala: 'se a gente não tivesse gasto dinheiro em Pasadena, talvez tivéssemos uma alternativa para refinar combustível no Brasil e não precisaríamos importar tanto'. A gente vê o problema acontecer, mas não joga o peso todo sobre o governo. O pessoal tem mais consciência", diz Patrola, citando a refinaria de Pasadena, nos EUA, comprada pela Petrobras e que foi alvo de suspeitas de corrupção.
O caminhoneiro Aldacir Cadore, de Luziânia (GO), outro líder caminhoneiro autônomo, também nota uma adesão maciça da categoria a Bolsonaro. Mas pondera que é um apoio crítico ao presidente. "Eu vi um bocado de caminhoneiro e empresário do transporte que estava desanimado e voltou para o lado do Bolsonaro. Mas é aquela coisa, vão apoiar não pelo mérito e pelas coisas que ele fez ou deixou de fazer, mas pelo demérito dos outros [candidatos]."
Já candidaturas de terceira via não conseguiram empolgar os trabalhadores do setor de transporte rodoviário de cargas. E, entre Lula e Bolsonaro, a grande maioria ficará com o candidato da direita, diz Cadore. "Apesar do apoio crítico, tem muito caminhoneiro que pensa em votar nele [Bolsonaro] mais pelo que foi feito pelo país e menos pelo que fez à categoria, até por entendermos que muita coisa foi modificada pelo Congresso", explica.
O presidente da Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas de Minas Gerais (Fetramig), Wagner Almeida, acredita que caminhoneiros terão um impacto considerável nas eleições e que esse peso vai pender para o lado de Bolsonaro. "Moro não consegue se viabilizar; perdeu palanque até no Paraná. Esquece a terceira via... Lula vai ter o apoio dos que são de esquerda. Mas a maioria estará com Bolsonaro, pode ter certeza", diz Almeida.
O presidente da Associação das Empresas Transportadoras de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Rio de Janeiro (Associtanque-RJ), Ailton Gomes, também aponta para o favoritismo de Bolsonaro, a despeito da possibilidade de o segmento dos tanqueiros apoiar uma paralisação nacional.
"Bolsonaro ganha isso disparado porque nós sabemos os entraves que ele tem passado. Sabemos que tudo que ele tem tentado fazer a oposição tenta derrubar. Tudo que ele busca para a melhoria do povo a oposição tem ido contra", diz. "E você vê todos os indícios do Lula, tudo que o PT fez e tem feito para o Brasil, a gente vê que não é legal. A gente sabe que um presidente que esteve preso é algo difícil", afirma Gomes.
Mas Bolsonaro não é unanimidade. "Eu me arrependi de ter trabalhado para ele [Bolsonaro] e ter feito campanha para ele. Eu não faria mais. A eleição está muito polarizada e o Bolsonaro se enfraqueceu muito [junto aos caminhoneiros] por não ter cumprido promessas à categoria", diz o líder caminhoneiro Chorão.
Liti vai na mesma linha e acha que o presidente não conta com mais de um terço da categoria. "Digo com absoluta certeza que ele tem 30% e os outros 70% ficarão divididos entre Lula, Ciro e Moro. Agora, tem que saber o que cada fatia vai conseguir de gestos desses outros, o que eles vão propor", comenta o diretor da CNTTL.
Líderes pensam em lançar candidaturas e engajar a categoria
O apoio dos caminhoneiros a candidatos é feito no "boca a boca" e especialmente nos grupos de WhatsApp e pelas redes sociais. Entretanto, como em 2018, algumas lideranças querem lançar suas candidaturas para engajar a classe na disputa eleitoral em um movimento que tem o intuito de montar uma base no Congresso e para ajudar a destinação de votos aos presidenciáveis escolhidos.
O líder Odilon Fonseca, por exemplo, afirma ter sido convidado para se filiar ao PL, o partido de Bolsonaro, com a possibilidade de ser lançado candidato a deputado federal. Ele afirma que vai se filiar e, após isso, vai ouvir sua base para saber se lança sua candidatura ou não. "Não sou eu que vai decidir, vai ser o eleitor. Me convidaram e estou analisando", afirma.
E embora entenda que Bolsonaro conte com o apoio da grande maioria dos caminhoneiros, Fonseca avalia que a sua candidatura poderia ajudar a consolidar mais votos ao presidente da República. "Eu acho que ajuda a puxar votos, sim, porque eu faço um apoio muito grande ao Bolsonaro, então acaba sendo uma força junto à categoria. Agora mesmo, o tempo inteiro, o pessoal pergunta minha opinião sobre greve e outros assuntos", destaca.
O presidente do Associtanque-RJ, Ailton Gomes, afirma ter recebido convites do PDT, PTB e MDB, mas ele também só se decidirá após ouvir a opinião de sua base. "Eu não sei se quero ser [candidato] ainda. O bom líder ouve seus liderados e, se eu concorrer, não serei mais o líder, e sim eles. Se eles falarem que eu devo, eu irei", diz.
O líder tanqueiro garante que, se oficializar sua candidatura, ele não representará apenas os caminhoneiros, mas a todos os brasileiros. "Nós somos do transporte de combustível, mas quando a gente tiver de representar, estaremos representando o povo. A gente não vai só olhar para o transporte de combustível, porque seria muito fácil defender uma bandeira e pisar no povo inteiro. Não pensamos dessa forma", diz.
Outro que estuda uma candidatura é Chorão, que em 2018 se lançou candidato a deputado federal pelo Podemos por Goiás, obteve 14.171 votos e não se elegeu. "Converso com partidos se saio ou não. Mas realmente a categoria precisa ter representantes, não só dentro do Congresso Nacional, mas também estadual e municipal. Até 2 de abril eu avalio isso", afirma.
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