A eleição de 2022 terá novamente a presença de um personagem típico do cenário político brasileiro: o candidato "puxador de voto", que recebe uma votação muito expressiva e ajuda a eleger outros nomes menos votados para o cargo de deputado. O líder do movimento sem-teto Guilherme Boulos (PSOL) e o senador José Serra (PSDB) em São Paulo; o ator José de Abreu (PT), no Rio de Janeiro; o cantor Netinho (PL) na Bahia; e o ex-governador Fernando Pimentel (PT) em Minas Gerais são exemplos de pré-candidatos que se encaixam nessa categoria e que deverão pedir votos para deputado federal em 2022.
O "puxador de voto" é um nome lançado por partidos nas eleições para deputado sob a expectativa de receber muitos votos e, assim, contribuir para a vitória de outros nomes da mesma agremiação. O fenômeno acontece porque as vagas de deputados são distribuídas não necessariamente entre os mais votados, e sim seguindo o chamado sistema proporcional, no qual as vagas são destinadas primeiramente aos partidos, e depois a cada candidato. Pelo sistema eleitoral brasileiro, os partidos com os candidatos mais votados é que fazem os eleitos. Com isso, é comum que candidatos com menos votos que outros de siglas diferentes acabem "furando a fila" e ocupando vagas na Câmara.
Em 2018, a massiva votação dos candidatos a deputado federal por São Paulo Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, ambos à época no PSL, contribuiu para que Guiga Peixoto (hoje no União Brasil) fosse eleito mesmo com ele tendo recebido 31.718 votos – menos da metade dos 86.042 votos de Miguel Haddad (PSDB), não eleito.
Decadentes, novatos, "outsiders": puxadores de voto têm diferentes trajetórias
Se o objetivo dos "puxadores de voto" é sempre o mesmo, seus perfis costumam variar bastante entre si. Alguns "puxadores" são políticos que já não vivem seu ápice e, portanto, tenderiam a perder uma disputa para o Senado ou o governo estadual, mas ainda têm força o suficiente para ganhar uma cadeira na Câmara. Serra, que foi eleito governador e senador e disputou a presidência da República em duas ocasiões, é um exemplo. O PSDB ainda não bateu o martelo de que ele não terá a vaga se buscar a reeleição ao Senado, mas hoje a maior tendência é a de que concorra a uma vaga de deputado.
Colegas de partido de Serra e também ex-governadores, Marconi Perillo (GO) e Beto Richa (PR) são outros cotados a uma disputa pela vaga de deputado em 2022, com a ótica de "puxadores de voto". Os dois tinham prestígio local até 2018, mas acusações de corrupção os fizeram perder a disputa daquele ano e motivá-los a ver uma candidatura mais "fácil" como o caminho viável para 2022. Caso parecido é o do ex-governador Fernando Pimentel, de Minas Gerais, que fracassou na busca pela reeleição em 2018 e que, para 2022, é visto como uma aposta do PT mineiro para ampliar a bancada petista na Câmara.
Outro perfil de "puxador" é o do político que ainda não obteve mandato, mas dispõe de uma trajetória ou de conexões que o qualificam como favorito na disputa para deputado. Guilherme Boulos é um desses casos. Com o prestígio fortalecido após ter chegado no segundo turno da eleição para a prefeitura de São Paulo em 2020, expôs no anúncio de sua pré-candidatura que seu objetivo iria além da própria vaga na Câmara: “Tomei a decisão de ser candidato a deputado federal por uma razão: ajudar a construir uma grande bancada de esquerda no Congresso", escreveu em suas redes sociais.
Já o engenheiro Pedro Campos (PSB) deverá chegar à eleição de 2022 credenciado pelo sobrenome. Ele é filho do ex-governador pernambucano Eduardo Campos, que morreu em 2014 quando era candidato a presidente. Pedro também é irmão do prefeito de Recife, João Campos (PSB). E tentará repetir a trajetória do irmão hoje prefeito, que na eleição de 2018 foi o candidato a deputado federal mais votado em Pernambuco.
Há ainda os "puxadores" que eram alheios às disputas eleitorais e contarão com uma fama prévia para ajudar no sucesso nas urnas. Nesse caso se encaixam o ator José de Abreu, que é militante do PT, e o cantor Netinho, defensor do presidente Jair Bolsonaro. O jogador de vôlei Maurício Souza (PL), igualmente apoiador de Bolsonaro, é outro que pode encarar as urnas neste ano, também na expectativa de ser um "puxador de votos". Ele é pré-candidato por Minas Gerais.
Após Enéas e Tiririca, lei restringiu poder dos "puxadores"
O fenômeno dos puxadores de voto no Brasil viveu seu auge em 2002. Naquela eleição, o médico Enéas Carneiro (Prona), embalado por três disputas presidenciais, se lançou candidato a deputado federal por São Paulo e recebeu 1,5 milhão de votos. Sua votação fez com que o Prona elegesse outros cinco deputados, com um deles tendo recebido apenas 275 votos.
Oito anos depois, também em São Paulo, o humorista Tiririca foi eleito deputado federal pelo PL, com 1,3 milhão de votos. A campanha do hoje deputado foi marcada por brincadeiras e a maior parte dos seus apoios foi interpretada como exemplo do "voto de protesto", que ocorre quando o eleitor escolhe um nome externo ao cenário político.
Os episódios de Tiririca e, principalmente, Enéas, levaram a modificações na lei que diminuíram o efeito dos "puxadores de voto". Antes, as vagas eram distribuídas apenas de acordo com a votação recebida por partido (somando votos individuais e de legenda), independentemente de quantos votos um candidato tenha recebido individualmente. Já a regra atual, que começou a valer em 2015, determina que um candidato, para ser eleito, precisa ter ao menos 10% do quociente eleitoral em seu estado ou cidade, no caso das eleições para vereador. Ou seja, criou um patamar mínimo de votos para que alguém se eleja.
A aplicação da nova sistemática evitou que, em 2018, o PSL elegesse ainda mais deputados federais em São Paulo, em função da expressiva votação de Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann.
Outros possíveis puxadores de voto
- Luiz Marinho (PT-SP): após concorrer, sem sucesso, ao governo de São Paulo em 2018 e à prefeitura de São Bernardo do Campo em 2020, o ex-ministro deve disputar a eleição para deputado federal em 2022.
- Deltan Dallagnol (Podemos-PR): o ex-coordenador da Lava Jato é pré-candidato a deputado federal pelo Paraná. É visto em seu partido como um potencial "campeão de votos".
- Jean Wyllys (PT-SP): o ex-deputado mudou de partido e de domicílio eleitoral e, até o momento, nega o interesse em buscar retornar à Câmara. Mas alas do PT apostam na sua visibilidade para impulsionar o tamanho da bancada.
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