O aumento da carga tributária sobre os mais ricos parece inevitável no próximo governo, no que depender da intenção dos candidatos à presidência da República. Seja por meio da criação de um imposto sobre grandes fortunas, da tributação de lucros e dividendos ou de mudanças no Imposto de Renda (IR), quase todos os presidenciáveis mencionam em seus programas alguma medida que impactaria diretamente aqueles que dispõem de alto rendimento ou patrimônio elevado.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende em seu programa de governo um sistema de tributação progressivo, em que “os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”. Ele define essa mudança como uma reforma “solidária, justa e sustentável”, em que a tributação sobre consumo seria reduzida.
No fim de julho, em entrevista ao portal UOL, o ex-presidente defendeu retomar a taxação de lucros e dividendos, isentos de imposto desde 1996. Dados da Receita Federal referentes a 2021 mostram que de cada R$ 100 declarados como lucros e dividendos, R$ 70 estavam nas mãos do 1% mais rico dos contribuintes.
No último dia 17, em entrevista à rádio Super Notícia FM, de Belo Horizonte, ele prometeu atualizar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), elevando a faixa de isenção, atualmente para quem ganha até R$ 1.903,98 mensais, para desonerar quem tem menos renda. “Penso que por volta de R$ 5 mil. Vamos ter que estudar e discutir sobre isso”, declarou.
Lula e Bolsonaro concordam sobre IRPF, imposto sobre lucros e dividendos e grandes fortunas
Algumas das propostas de Jair Bolsonaro (PL) para a área tributária convergem com as de Lula. Uma delas é a atualização da tabela do IRPF com elevação significativa da faixa de isenção, retomando promessa de 2018.
“Sem a pandemia e com o crescimento econômico, com responsabilidade fiscal, será possível perseguir o objetivo de isentar os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos durante a gestão 2023-2026”, diz trecho do plano de governo do candidato à reeleição pelo PL.
A tributação de lucros e dividendos consta de projeto de lei enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso ainda em 2021. O ministro da Economia, Paulo Guedes, queria uma alíquota de 20%, com isenção apenas para rendimentos de até R$ 20 mil mensais de acionistas de micro e pequenas empresas.
Na Câmara, uma emenda reduziu a alíquota para 15%, além de ampliar a isenção para acionistas de empresas optantes pelo lucro presumido, do Simples Nacional e de micro e pequeno porte. A matéria foi aprovada na Casa, mas está travada no Senado há quase um ano.
No começo de agosto, em uma palestra em São Paulo, Guedes voltou a defender a tributação de lucros e dividendos como forma de financiar a manutenção do piso de R$ 600 para o Auxílio Brasil.
A declaração se assemelha ao que diz Lula. “Vamos fazer os muito ricos pagarem imposto de renda, utilizando os recursos arrecadados para investir de maneira inteligente em programas e projetos com alta capacidade de induzir o crescimento, promover a igualdade e gerar ganhos de produtividade”, afirma trecho do programa do candidato do PT apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Por outro lado, a criação de um imposto sobre grandes fortunas, historicamente defendido pela esquerda e pelo próprio Lula em campanhas anteriores, está descartada tanto pelo petista quanto por Bolsonaro.
“O problema não é taxar as grandes fortunas, porque você pode taxar as grandes fortunas e elas voarem para outro país”, diz Lula em um vídeo divulgado em suas redes sociais em 28 de julho do ano passado. “Eu lembro que a França taxou as grandes fortunas e muitos empresários foram embora”, afirma. Para ele, a solução é “uma política de imposto de renda que seja justa, que as pessoas paguem de acordo com o que ganham”.
Alguns dias depois da publicação do vídeo, em 2 de agosto do ano passado, Bolsonaro usou o mesmo exemplo para criticar a medida. “Alguns querem que eu taxe grandes fortunas. É um crime agora ser rico no Brasil? A França há poucas décadas fez isso. O capital foi para a Rússia”, disse, em evento de lançamento do programa Água nas Escolas, em Brasília.
A defesa da taxação de grandes fortunas era uma das condições colocadas pelo PSOL para integrar uma federação com o PT, o que acabou não ocorrendo. O partido acabou aderindo à coligação de Lula na campanha presidencial, mas o imposto não consta do plano de governo.
Desde 1988, a Constituição prevê um imposto sobre grandes fortunas, mas o dispositivo nunca foi regulamentado. Uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) protocolada pelo PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda sem data para ser julgada pede “tramitação com prioridade” de projeto de lei complementar que institua o tributo.
Ciro Gomes quer imposto sobre grandes fortunas
Quem promete introduzir o imposto sobre grandes fortunas caso eleito presidente é o candidato Ciro Gomes (PDT). Sua proposta é recolher 0,5% sobre patrimônio acima de R$ 20 milhões, o que alcançaria cerca de 60 mil contribuintes e geraria aproximadamente R$ 60 bilhões em receitas, segundo seu plano de governo.
Os recursos seriam utilizados para financiar um programa de renda mínima que unificaria benefícios como aposentadoria rural, seguro desemprego, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Auxílio Brasil. Carro-chefe da campanha do pedetista, o programa pagaria R$ 1 mil por mês a 60 milhões de pessoas.
“Com apenas R$ 0,50 para cada R$ 100 que tiver, cada super-rico vai financiar a renda mínima de 82 brasileiros mais pobres”, afirmou o candidato em entrevista ao Jornal Nacional.
A ideia de reforma tributária de Ciro Gomes também inclui a recriação do imposto sobre lucros e dividendos distribuídos, além de uma redução de subsídios e incentivos fiscais em 20% no primeiro ano de governo, medidas que, somadas, renderiam mais R$ 140 bilhões em receitas.
“Vamos alterar a composição da carga tributária no país, o que significa, em termos proporcionais, uma redução da tributação sobre a produção/consumo e a elevação da tributação sobre a renda”, explica o candidato em sua proposta de governo.
Simone Tebet é favorável à tributação de lucros e dividendos
Candidata do MDB, a senadora Simone Tebet diz, em seu plano, ter “DNA reformista” e compromisso com a reforma tributária, que promete realizar nos seis primeiros meses de gestão.
Em abril, ela foi questionada se é a favor da taxação de grandes fortunas durante uma sabatina promovida pelo UOL. “Eu sou mais favorável, neste momento, a taxar lucros e dividendos, porque você ataca as grandes fortunas”, respondeu, sem entrar em detalhes.
Entre suas propostas para a economia está “reformar tributos sobre o consumo, com a criação do IVA [imposto sobre valor agregado], trazendo mais justiça social, simplificação, progressividade e neutralidade ao sistema tributário brasileiro.”
O documento também cita especificamente uma reforma no IR “para eliminar a regressividade do nosso sistema”.
Outros candidatos também defendem imposto sobre lucros e dividendos e grandes fortunas
Todos os demais presidenciáveis também mencionam em algum momento de seu plano de governo alterações no modelo tributário brasileiro. Felipe D’Ávlia (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) pregam uma simplificação nos impostos de modo a tornar o sistema mais justo, porém sem aumento de carga.
O candidato do Novo propõe a criação do IVA, a uniformização de regras de tributação da renda e a alteração das regras de tributação de folha de pagamento. A postulante do União Brasil traz o conceito de Imposto Único Federal (IUF), que fundiria todos os tributos e contribuições da União. “O IUF irá distribuir a carga tributária com maior justiça social, aliviando a excessiva incidência sobre os assalariados, a classe média e as empresas formais”, afirma.
Entre os representantes mais à esquerda, as mudanças propostas são mais drásticas. Leonardo Péricles (UP) promete criar o imposto sobre grandes fortunas, reduzir a carga de impostos indiretos, criar ou ampliar tributos sobre grandes propriedades e lucros e dividendos e rever a política de ICMS, que segundo ele "taxa por igual ricos e pobres". Também defende reestruturar as alíquotas do IR, “aumentando a faixa de isenção da maior parte das famílias pobres da imposição do imposto de renda, com elevação do piso, e aumentar a alíquota de milionários e bilionários”.
Vera Lúcia (PSTU) defende a isenção do IR para quem ganha até 10 salários mínimos, o que equivaleria hoje a uma renda mensal de R$ 12,1 mil. “A partir daí se instituiria uma alíquota crescente de acordo com a renda individual, com uma alíquota de 50% para os mais ricos”, diz sua proposta de governo. A candidata também propõe o fim imediato de isenções para grandes empresas.
Sofia Manzano (PCB) fala em isentar a cobrança do IRPF para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos, ampliar as faixas de alíquota do imposto até o porcentual de 40% para quem recebe acima de 60 salários mínimos e recriar o Adicional de Imposto de Renda Estadual (Aire), como compensação pela perda de receita com ICMS. Também diz que pretende reduzir a tributação sobre consumo, com cobrança progressiva de impostos de acordo com o rendimento de cada contribuinte, e criar tributos sobre “patrimônio, lucros, dividendos, transações financeiras e participação acionária, grandes fortunas, bens de luxo e herança”.
Em meio a um impasse com o registro de sua candidatura, o candidato do Pros, Pablo Marçal, diz que, caso eleito, criará o “imposto inteligente único” em substituição a 11 tributos federais. O objetivo, segundo ele, é reduzir a burocracia e a sonegação, e aumentar a justiça social e a empregabilidade. “O brasileiro vai querer pagar imposto”, disse Marçal à Gazeta do Povo.
Eymael (DC) propõe uma reforma tributária que vise simplificar o sistema e reduzir a carga, respeitando a capacidade contributiva. “Fazer do tributo instrumento de desenvolvimento e justiça social”, cita.
Já Roberto Jefferson (PTB), que lançou candidatura como linha auxiliar de Bolsonaro, como ele mesmo já afirmou, é o único que não fala em promover progressividade ou justiça social em uma eventual reforma do sistema tributário. Ele menciona, em sua proposta de governo, apenas a “eliminação significativa do número de impostos, contribuições, taxas e outras formas de tributação e sua divisão em partes iguais entre União, estados e municípios”. Também fala na “simplificação extrema de regras, dispositivos e regulamentos, de forma que seja possível a sua compreensão ao cidadão comum”.
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