A saída de Márcio França (PSB) da disputa pelo governo de São Paulo pode acirrar ainda mais a eleição no maior estado do país. Ex-governador, França decidiu abrir mão da pré-candidatura para apoiar o pré-candidato do PT, Fernando Haddad, e deve concorrer ao Senado.
Nem todos os seus eleitores, porém, vão necessariamente migrar para o petista. Outros pré-candidatos – especialmente o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) – podem acabar atraindo quem simpatizava com França.
E a herança não é desprezível: segundo a última pesquisa eleitoral do Datafolha, divulgada no final de junho, França tinha 16% das intenções de voto para governador. O pré-candidato do PSB aparecia atrás de Haddad, que marcava 28%, e tecnicamente empatado com Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), que tinha 12%.
Maria Teresa Kerbauy, professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Araraquara (SP), afirma que os votos que iam para França podem se dividir. “Esse eleitor é mais de centro-esquerda, mas existe a possibilidade de que ele migre também para o Tarcísio. Não é garantido que todo eleitor do Márcio França vá para o Haddad ou para o Rodrigo Garcia”, afirma.
Diagnóstico semelhante é feito pela coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Maria do Socorro Braga. “Esse eleitorado pode realmente se fragmentar. Uma parte com certeza vai segui-lo e apoiar o Haddad, mas há um segmento que vai buscar outras candidaturas, de centro-direita [Garcia] ou até de direita [Tarcísio]”, diz.
Se isso de fato ocorrer, avalia a professora, os votos que antes eram de França podem ajudar a definir quem disputará o segundo turno contra Haddad. “Quanto mais o eleitor seguir para o Haddad, maior a dificuldade de se definir um segundo lugar nos próximos meses. Vai ser interessante ver esse movimento, [identificar] o quanto França consegue transferir votos”, declara.
Antipetismo e recall
Um dos fatores que contribui para essa indefinição é o antipetismo, que pode impedir a transferência de votos de França para Haddad.
Cila Schulman, vice-presidente do Ideia Instituto de Pesquisa, avalia que, se tivesse seguido com a pré-candidatura, França poderia até ter mais sucesso do que Haddad. “Há um antipetismo bastante significativo no estado, que França não carregaria”, diz.
Ao mesmo tempo, afirma Schulman, o político do PSB tem bastante “recall” – ou seja, é lembrado pelos eleitores.
França foi governador de São Paulo em 2018, depois que Geraldo Alckmin (hoje no PSB) deixou o cargo para disputar a Presidência. No mesmo ano, ele chegou ao segundo turno nas eleições para o governo, perdendo para João Doria (PSDB) por uma margem apertada: foram 51,75% dos votos para Doria e 48,25% para França.
Isso ajuda a explicar seu bom desempenho nas pesquisas e faz dele um aliado importante na chapa do PT.
“Apesar de o Márcio França hoje estar no PSB, se identificando com a esquerda, ele foi vice do Alckmin quando ainda era do PSDB. Então os votos devem se dividir, não vão [totalmente] para nenhum dos candidatos”, diz Schulman.
Além disso, o efeito do “recall” deve diminuir com o avanço da campanha eleitoral, ainda que o período de propaganda seja curto em 2022 (o horário eleitoral na TV e no rádio será veiculado apenas entre 26 de agosto e 29 de setembro).
“Por enquanto os pré-candidatos mais conhecidos são os de esquerda – França e Haddad, que foi candidato a presidente da República em 2018. Mas Tarcísio e Garcia estão rodando o estado e se fazendo conhecer. Os debates e a campanha na TV devem intensificar isso”, afirma.
E é justamente o interior do estado de São Paulo que pode ser decisivo nas eleições. Braga, da UFSCar, afirma que, enquanto a capital é mais progressista, o interior paulista “está mais para a centro-direita, é mais conservador”, o que pode ampliar a votação de Tarcísio ou Garcia.
O que mostram as pesquisas após saída de França
Segundo Kerbauy, da Unesp, ainda é cedo para entender como os eleitores de França de fato irão se comportar. “Faz pouco tempo [que ele desistiu da pré-candidatura]. Ainda não deu para as pesquisas captarem [essa mudança]”, diz.
Mesmo assim, levantamentos de intenção de voto já divulgados consideraram um cenário sem Márcio França como candidato ao governo.
Na pesquisa do Datafolha, com França de fora, Haddad de fato cresce, chegando a 34% das intenções de voto. Mas também sobe o percentual de eleitores que pretendem votar branco ou nulo – de 16% para 20%. Tarcísio Freitas oscila dentro da margem de erro de dois pontos percentuais (vai de 12% para 13%), enquanto Garcia tem um crescimento tímido (de 10% para 13%).
Outra pesquisa mais recente, divulgada na última segunda-feira (11) e realizada após o anúncio de França, mostra Haddad com 34% das intenções de voto, seguido por Tarcísio (20%) e Garcia (16%).
O levantamento é do Real Time Big Data e tem margem de erro de três pontos percentuais – o que deixa Tarcísio e Garcia tecnicamente empatados. Pesquisa anterior do mesmo instituto, de março, mostrava Haddad com 27% das intenções de voto.
Decisão de França fortalece palanque de Lula
Além de ser uma mudança importante na disputa estadual, a costura pela desistência de França também faz parte de uma estratégia nacional. Com o ex-governador concorrendo ao Senado, a esquerda fica com um palanque único em São Paulo para apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“É uma grande arquitetura organizada pelo ex-presidente Lula para dar espaço a políticos de esquerda e tentar vencer nos estados mais importantes. Isso dá ao eleitor uma ideia de frente ampla. [...] Ao invés de ocorrer fogo amigo entre os partidos de esquerda, os ataques se direcionam uniformemente à direita”, explica Paulo Ramirez, professor da Escola de Sociologia da ESPM em São Paulo.
França tem uma candidatura competitiva ao Senado. O último levantamento do Real Time Big Data mostra o ex-governador na liderança em todos os cenários, sempre com mais de 20% das intenções de voto.
No entanto, ainda há indefinição sobre quem de fato concorrerá ao Senado pelo estado de São Paulo. No início de julho, o apresentador Datena desistiu de concorrer. Com isso, o palanque de Tarcísio e Bolsonaro no estado ainda não está definido. Entre as cotadas estão a deputada federal Carla Zambelli (PL) e a deputada estadual Janaína Paschoal (PRTB).
Metodologia das pesquisas
Datafolha
O Datafolha entrevistou 1.806 pessoas por entrevista, entre os dias 28 e 30 de junho. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%, sob o registro na Justiça Eleitoral com os números SP-02523/2022.
Real Time Big Data - julho
A pesquisa encomendada pela Record TV ao Instituto Real Time Big Data entrevistou 1,5 mil pessoas, entre os dias 8 de julho e 9 de julho. A margem de erro do levantamento é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%, sob o registro na Justiça Eleitoral com o número SP-05804/2022.
Real Time Big Data - março
A pesquisa feita pela RealTime Big Data foi encomendada pela Record TV. O levantamento foi realizado entre os dias 25 e 27 de março. A empresa fez 1.500 entrevistas por telefone. A margem de erro é de três pontos percentuais, para mais ou para menos. Já o nível de confiança é de 95%. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral com o protocolo SP-09439/2022.
Relação com Lula, transição, possíveis secretários: o que se sabe sobre o futuro governo Tarcísio em SP
Tarcísio de Freitas (Republicanos) é eleito governador de São Paulo
Em SP, Haddad tenta virada sobre Tarcísio explorando caso de Paraisópolis
Quais são as propostas de Tarcísio e Haddad para a segurança pública e outros 4 temas