O uso político-partidário das universidades públicas durante o período eleitoral, que esteve em alta nas eleições presidenciais de 2018 – quando instituições federais e estaduais foram alvo de investigação por suposta prática de propaganda eleitoral a favor do candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad –, pode ganhar ainda mais força no pleito deste ano.
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Isso porque, apesar de a Justiça Eleitoral ter tentado coibir tal prática nas últimas eleições federais, em 2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento que resultou na liberação da propaganda eleitoral nas instituições de ensino superior sob a justificativa de que restringi-las geraria riscos à liberdade de cátedra, à livre manifestação de ideias e à autonomia universitária.
O entendimento da Corte foi em sentido contrário a decisões de vários juízes eleitorais que naquele ano emitiram mandados de busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha em universidades e dependências de sedes de associações de docentes. A decisão dos juízes estava fundamentada principalmente nos artigos 24 e 37 da Lei Eleitoral (9.504/1997) que proíbem, entre outros itens, a propaganda eleitoral em espaços públicos, como são as instituições de ensino superior federais e estaduais.
Há, ainda, outros dispositivos que, em tese, vedariam propagandas feitas por professores e demais funcionários da universidade, como o artigo 73 da Lei Eleitoral, que lista uma série de proibições aplicadas a “agentes públicos, servidores ou não”. Já o artigo 300 do Código Eleitoral proíbe que servidores públicos se valham de sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido. A mesma norma prevê, ainda, em seu artigo 377, que o “serviço público de qualquer repartição (...), inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter público”. Mesmo assim, o entendimento firmado pelo STF é de ampla tolerância quanto às propagandas políticas realizadas nessas instituições mesmo em período eleitoral.
Nas eleições municipais de 2020, não foi possível mensurar o volume de tal prática, uma vez que as universidades estavam sem atividades presenciais. Entretanto, na retomada, no início deste ano, diversas instituições foram palco de atos políticos de movimentos de esquerda na recepção de calouros, em todas elas com críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Entre os presidenciáveis, neste ano eleitoral, o ex-presidente Lula (PT), que participará da disputa pelo Palácio do Planalto, já compareceu a universidades em diferentes oportunidades. Em maio, o petista chegou a ministrar uma “aula magna” na Unicamp, no interior de São Paulo. Nesta quinta-feira (28), Lula esteve na Universidade de Brasília (Unb) em um evento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O convite foi estendido a outros presidenciáveis – Ciro Gomes (PDT) compareceu ao evento na sexta-feira (29). Bolsonaro também foi convidado, mas não respondeu ao convite.
Mais recentemente, um ato político em favor de Lula que tinha como objetivo instituir um Comitê de Luta (estratégia eleitoral anunciada neste ano pelo PT) na Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi agendado por militantes petistas. O evento foi denunciado ao Ministério Público e a reitoria acabou desautorizando o uso político-partidário do espaço da instituição.
O que vale a partir do novo entendimento do STF
Conforme explica o juiz eleitoral Sergio Bernardinetti, diretor de tecnologia da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o entendimento anterior da Justiça Eleitoral era no sentido de que a universidade deveria ficar alheia não ao debate, mas à propaganda eleitoral. Ao mudar esse entendimento, o Supremo estabeleceu que deve ser respeitada a liberdade de expressão mesmo no âmbito político-partidário dentro dessas instituições, tanto públicas quanto privadas.
“Permitiu-se, então, ao aluno ou mesmo ao professor, que se manifeste sobre qualquer tema de conteúdo político-partido, seja enaltecendo ou não enaltecendo qualquer candidato. Reuniões ou palestras com essas temáticas também são permitidas, ainda que seja de certo modo favorecendo ou prejudicando qualquer candidato”, afirma o juiz. Como explica o magistrado, até mesmo o uso de camisetas ou botons por professores, funcionários e alunos durante o período eleitoral é permitido.
Volgane Carvalho, mestre em Direito e secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), reforça que a visão da Justiça Eleitoral após o julgamento do STF é de poucas restrições à propaganda político-partidária feita por professores dentro das instituições públicas de ensino superior.
Uma exceção – neste caso, válida a toda a comunidade universitária – é a inserção de materiais de campanha em salas de aula, corredores e demais áreas que compõem a estrutura das instituições. “Só que isso é difícil de controlar e de provar quem fez, e no final uma coisa ou outra acaba ficando grudada nas paredes, às vezes até dentro das salas de aula. Essa é uma propaganda que é proibida, mas muito mal controlada”, afirma Carvalho.
Quanto à atuação de estudantes e movimentos sociais, a liberdade é ainda maior. Para o secretário-geral da Abradep, fora a colagem de materiais de campanha, apenas casos pontuais, como por exemplo a realização de comícios sem a autorização da reitoria, podem ter restrições. Ele aponta, entretanto, que deve haver um comportamento igualitário por parte das instituições. “Não se pode permitir apenas para candidatos que estão de acordo com um tipo de pensamento. Tem que permitir para todos”, ressalta.
Já os candidatos aos diferentes cargos eletivos têm liberdade para entrar nas instituições de ensino superior, participar de reuniões e palestras, conversar com a comunidade acadêmica e até mesmo fazer panfletagem.
Risco do “pensamento único” nas universidades durante o período eleitoral
Historicamente, de forma mais específica a partir da década de 1960, há uma maior predominância de manifestações e atos político-partidários ligados à esquerda nas universidades, normalmente encabeçados por professores, coordenadores de cursos, sindicatos e movimentos estudantis. Por outro lado, visões dissonantes tendem a encontrar ampla resistência nesses espaços.
Desentendimentos mais acentuados e até mesmo atos de violência a partir de divergências políticas passaram a ser mais comuns desde 2018. Em outubro daquele ano, um professor de 70 anos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) foi agredido por manifestantes em ato contra a campanha do então candidato Jair Bolsonaro.
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No mesmo mês, um professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foi encurralado e ameaçado por estudantes de esquerda ao tentar, em uma atividade acadêmica, exibir um filme que analisa a personalidade de José Bonifácio a partir de uma tese do filósofo conservador Olavo de Carvalho.
Dias antes, na mesma instituição, estudantes invadiram o Centro de Filosofia para tentar impedir a exibição do documentário “O Jardim das Aflições”, também de viés conservador. Nesse episódio, alunos e militantes ligados, principalmente, ao Partido da Causa Operária (PCO) e ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), destruíram mais de 200 cartazes de divulgação do evento.
Mais recentemente, com a retomada das atividades presenciais, os casos vieram à tona novamente. Em março, uma mobilização de professores e estudantes tentou impedir a exibição do documentário "O Fim da Beleza", da empresa de mídia Brasil Paralelo, que segue linha conservadora, em um salão UFPR. O evento acabou acontecendo mesmo diante de um barulhento protesto que tentava prejudicar a exibição do vídeo.
No início de julho, um grupo de ativistas da União da Juventude Comunista (UJC), vinculada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), impediu a realização de um evento que trataria de cotas raciais e financiamento nas universidades públicas na Unicamp. Além de gritos de ordem, os palestrantes – todos eles vinculados ao partido Novo, de viés liberal – relataram que houve empurrões e até agressões durante o tumulto.
Para Gabriel Giannattasio, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), há cerca de 60 anos as universidades têm sido dominadas por um pensamento hegemônico de esquerda, o que acaba impactando em maior prevalência de atos políticos durante o período eleitoral.
Ele explica que a esquerda brasileira adotou duas estratégias de poder: a marxista ortodoxa, que correspondia à tomada do poder por meio de uma revolução, e a via de um marxismo renovado, também conhecido como marxismo cultural, que foi a estratégia de ocupar os meios culturais, com especial atenção às universidades. “Enquanto a tentativa de ruptura institucional foi duramente combatida, para esse outro fenômeno não houve grande oposição”, explica o professor.
Giannattasio lançou, no início deste ano, a obra “O livro proibido – Totalitarismo, intolerância e pensamento único na Universidade”. O livro reúne relatos que demonstram a crescente intolerância e a consolidação de um pensamento hegemônico de esquerda no ambiente acadêmico, que o autor chama de “ditadura do pensamento único”.
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