A pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada em 18 de agosto, mostrou que, em 20 dias, Jair Bolsonaro ampliou significativamente sua vantagem entre os eleitores evangélicos. O candidato do PL passou de 43% para 49%, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva oscilou de 33% para 32% (veja abaixo a metodologia da pesquisa). A tendência é confirmada por outros levantamentos, e repete o que houve nas eleições de 2018: o candidato petista, Fernando Haddad, foi amplamente superado por Jair Bolsonaro entre os eleitores que se identificam como evangélicos. Lula, que aparece à frente na maior parte das pesquisas, sabe que o eleitorado evangélico é um dos públicos menos favoráveis à sua plataforma de governo. Agora, a campanha petista tenta reduzir a resistência deste grupo ao candidato. Mas a forma é questionável.
A equipe de Lula mobilizou pastores aliados e influenciadores para desmentir “boatos” e reduzir sua rejeição entre os membros das igrejas evangélicas. O tom condescendente adotado pela comunicação petista revela a crença de que os evangélicos (e, de forma geral, os cristãos mais conservadores) são mal-informados e intolerantes. Some-se a isso o uso de alegorias descabidas (figurões petistas chegaram a divulgar uma arte com os dizeres “Bolsonaro usa Deus; Deus usa Lula”) e o resultado não é dos mais convincentes.
Além disso, o próprio Lula tem um histórico problemático no campo da religião. Ao mesmo tempo em que afirma defender a liberdade religiosa, o petista demonstra solidariedade a regimes que perseguem igrejas cristãs. O caso mais recente é o da Nicarágua, onde o ditador socialista Daniel Ortega tem fechado organizações católicas e chegou a prender um bispo.
Pior: por mais de uma vez, Lula se comparou a Jesus Cristo — uma metáfora que ele usa sem critério, e que repetiu, em março deste ano, ao falar da Petrobras: “Eu fico imaginando Jesus Cristo carregando aquela cruz. Quando você pergunta para o povo o que fazer com ele: ‘Manda crucificar’. Qual foi o mal que ele tinha feito? Ele defendia que as pessoas fossem tratadas com decência e com dignidade. E crucificaram. O que fizeram com a Petrobras foi isso.”
Recentemente, em um comício na capital paulista, o petista também apresentou sua versão particular de cristianismo, que aparentemente prescinde de sacerdotes: “Quando quero conversar com Deus, eu não preciso de padres ou de pastores. Eu posso me trancar no quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser sem precisar pedir favor a ninguém”, disse ele.
Visão distorcida
Para Thiago Vieira, professor de Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, a associação entre cristianismo e intolerância é descabida. “Quem construiu o conceito de tolerância foram os cristãos. É uma ideia do Cristianismo. Quem trouxe essa expressão à tona foi John Locke com a Carta Sobre a Tolerância, na qual ele afirma que tolerar é não interferir nos valores e na religião dos outros”, explica.
Vieira também afirma que o discurso do PT e outros grupos de esquerda é inadequada em um estado laico, já que a intenção parece convencer os evangélicos de que a doutrina adotada por eles em alguns temas, como o aborto e o homossexualismo, é inadequada. “Essa aproximação do Lula na verdade não é uma aproximação, é uma interferência na separação entre igreja e Estado. É uma ofensa ao estado laico”, afirma.
Na avaliação de Vieira, boa parte da esquerda parece desconhecer os elementos básicos da crença religiosa, que não podem ser desvinculados daquilo que dizem os livros sagrados e, no caso dos católicos, a tradição formada ao longo dos séculos.
Professor de Ciência Política na Universidade Mackenzie, Rodrigo Prando tem dúvidas quanto ao sucesso da estratégia petista. “Lula é politicamente habilidoso e isso conta muito; todavia, as pautas do PT e dos evangélicos se afastam em muitos pontos por questões de valores. A aproximação é mais complicada neste momento, embora não impossível”, diz ele.
Nem sempre foi assim. Em 2006 e 2010, em especial (e em menor escala em 2002 e 2014), os candidatos presidenciais do PT obtiveram apoio de grandes lideranças evangélicas (incluindo, em momentos diferentes, figuras como Edir Macedo, Silas Malafaia, Marco Feliciano, Eduardo Cunha e Manoel Ferreira, então presidente da principal convenção das Assembleias de Deus). Mas, de lá para cá, com o avanço da pauta progressistas em temas como o movimento LGBT, a divisão ficou mais clara.
Prando afirma que a ascensão de Bolsonaro (no lugar das figuras mais ao centro lançadas pelo PSDB à Presidência) acelerou o afastamento entre os evangélicos e o PT: “O Presidente Bolsonaro, por exemplo, em 2018 apresentou-se como um candidato antissistema e, além disso, com uma proposta de governo assentada em, de um lado, o liberalismo e, do outro, pautas conservadoras nos costumes. O PT não teve essa comunicação tão efetiva com os setores evangélicos como teve Bolsonaro”, afirma.
Outros candidatos
Justiça seja feita, a guinada circunstancial para tentar obter o voto dos cristãos, católicos e evangélicos, não foi feita apenas por Lula.
Agora no PSB depois de ter feito sua carreira política em meio à esquerda radical no PSOL, Marcelo Freixo (que disputa o governo do Rio) iniciou a campanha visitando a Igreja da Penha, na capital fluminense. Lá, ele se deixou ser fotografado enquanto rezava, com os olhos fechados e as mãos unidas. Em 2018, a comunista Manuela D’Ávila e o petista Fernando Haddad, companheiros na chapa à Presidência, participaram de uma missa na capital paulista em celebração ao Dia de Nossa Senhora Aparecida. Passada a eleição, nunca mais a dupla foi vista em um templo cristão.
Disputando a presidência nestas eleições, Ciro Gomes (PDT), que nunca demonstrou uma predileção especial pelo cristianismo, tenta trilhar o mesmo caminho de Lula. Já no ano passado, quando se preparava para a candidatura presidencial, ele gravou um vídeo em que tece elogios às raízes cristãs do Brasil. Com a Bíblia em uma das mãos e a Constituição na outra, o ex-governador do Ceará afirma que os livros “não são conflitantes”. Ciro afirma que “O Brasil se formou no berço do cristianismo", é “uma realidade histórica, com consequências sempre atuais".
Para Thiago Vieira, boa parte da esquerda adota uma postura dúbia quanto aos valores caros aos cristãos. Ao mesmo tempo em que reconhecem a liberdade de culto e até elogiam alguns valores universais propostos pela religião cristã (como a solidariedade), não admitem que doutrinas tradicionais (como a visão de que o homossexualismo é reprovável) sejam ditas publicamente. Vieira afirma que, na prática, isso equivale a negar o direito pleno ao exercício da religião: “Interferir nos valores morais é necessariamente interferir no culto e na relação com a divindade”.
* Metodologia da pesquisa Datafolha: o Datafolha entrevistou 5.744 eleitores entre os dias 16 e 18 de agosto em 281 cidades. O levantamento foi contratado pelo jornal Folha de S. Paulo e pela TV Globo e está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o protocolo BR-09404/2022. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
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