Desde o início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu 17 ações que apontam propaganda eleitoral antecipada na disputa presidencial. Dessas, 12 foram apresentadas pelo PT para multar o presidente Jair Bolsonaro (PL) ou aliados, e 5 para punir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou apoiadores, segundo levantamento realizado pela Gazeta do Povo.
Até o momento, não houve qualquer punição efetiva. A única que havia sido inicialmente fixada – uma multa de R$ 50 mil, em março, aos organizadores do festival Lollapalooza, após uma apresentação da cantora Pabllo Vittar com uma bandeira de Lula – foi depois revista pelo ministro Raul Araújo. Por determinação de Bolsonaro, o PL desistiu da ação. Desde então, o partido não havia mais ajuizado ações contra a pré-campanha de Lula.
Nesta semana, porém, resolveu protocolar duas representações: uma por causa da participação de Lula na comemoração do Dia do Trabalhador, em 1º de maio, organizada por centrais sindicais em São Paulo; e também na convenção do Psol, em 30 de abril. Ainda não há decisões sobre essas ações.
Fora essas ações, membros do Movimento Brasil Livre (MBL) protocolaram no TSE duas ações contra Lula, por pedidos explícitos de voto – ainda assim, os processos foram para o arquivo, sob o argumento de que os autores não têm legitimidade para apontar junto ao TSE propaganda irregular de presidenciáveis.
O PT, por sua vez, tem sido muito mais ativo para acusar Bolsonaro e seus apoiadores de fazer propaganda eleitoral antecipada. Das 12 representações que o partido protocolou, cinco questionam as motociatas ou carreatas que o presidente tem feito em vários estados; outras cinco ações contestam a afixação de outdoors por apoiadores no interior do país; uma ação acusou o presidente de usar a TV Brasil para fazer propaganda negativa contra Lula; e uma outra acusa o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de distorcer uma fala do petista para prejudicá-lo.
Em relação a quase todas essas situações, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), que representa o Ministério Público no TSE, opinou pela improcedência dos pedidos de multa. Em linha com a defesa de Bolsonaro, o órgão argumentou, basicamente, que nesses atos envolvendo o presidente não houve pedido explícito de votos.
A posição da PGE reflete uma mudança da lei eleitoral em 2015, acompanhada pela jurisprudência do TSE, que deu maior liberdade para os políticos no período de pré-campanha.
Naquele ano, o Congresso estabeleceu que, a partir de então, não seria mais considerada propaganda eleitoral antecipada ilícita (antes do período oficial de campanha, que começa em 16 de agosto) “a menção à pretensa candidatura” e “a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos”. Seria passível de punição tão somente o “pedido explícito de voto”.
O insucesso das ações comprova o que vários especialistas disseram à Gazeta do Povo em março, que a Corte Eleitoral tenderia a ser mais tolerante com a pré-campanha neste ano.
PT diz que "motociatas" de Bolsonaro são "comícios"
A visão do MP Eleitoral sobre as motociatas e carreatas confirmam essa projeção. O PT acusou Bolsonaro de fazer propaganda irregular em atos promovidos em São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso. Classificou os eventos como “verdadeiros comícios”, diz que dinheiro público é usado para garantir a segurança presidencial e acrescentou que, em seus discursos, o presidente tem atacado o sistema eleitoral por questionar as urnas eletrônicas.
“A motociata realizada desequilibra a disputa eleitoral ao colocar em destaque um dos mais notórios pré-candidatos à disputa da Presidência da República, sem haver a mesma oportunidade aos demais”, disse o partido na ação sobre uma motociata realizada em abril na rodovia dos Bandeirantes que, segundo o governo paulista, reuniu mais de 12 mil motociclistas.
Para reforçar a acusação, o PT anexou prints de postagens nas redes de parlamentares que apoiam Bolsonaro comemorando a ampla adesão dos eleitores do presidente.
Falando ao público na ocasião, Bolsonaro disse que era “um passeio em defesa dos nossos valores, da democracia, luta pela liberdade, é... luta para que cada vez mais todos aqui no Brasil, né, venham para dentro das quatro linhas da Constituição”. “Algumas pessoas tiraram o Lula da cadeia, tornaram ele elegível, mas não o farão Presidente da República. A vontade popular vai prevalecer”, disse o presidente, em outro momento.
Para o PT, as falas representaram “ameaças” aos ministros do TSE e “evidente pedido para que não seja concedido voto em potencial ao candidato adversário, devendo-se interpretar como um pedido de voto para si próprio”.
Acusações semelhantes foram feitas pelo partido em relação aos atos em outros estados. Mas para o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco, declarações que representam promoção pessoal ou mesmo críticas a adversários fazem parte da atuação política e não podem ser punidas.
“Se a prática de atos característicos da atividade política do governante também pode apresentar benefício para a situação de eventual candidato a reeleição, esse fator não deve ser visto como suficiente para impedi-la. O governante deixaria, em considerável medida, de o ser, se tivesse que evitar todo ato que lhe fosse potencialmente benfazejo sob o ponto de vista eleitoral”, escreveu, num parecer relativo à carreata realizada em Goiás, em abril.
MPE também não vê propaganda irregular em culto
Paulo Gonet Branco também opinou contra a multa a Bolsonaro por causa de uma carreata em Cuiabá, onde ele também visitou e discursou num culto na igreja evangélica Assembleia de Deus. Na ocasião, Bolsonaro disse frases como: “se essa for a vontade dEle [Deus], nós continuaremos nesse objetivo” e “eu só peço a Ele [Deus], enquanto Ele me der vida, que eu só entregue o comando desse País lá na frente, para uma outra pessoa que saiba dar continuidade àquilo que vocês começaram a plantar em 2018”.
Para o subprocurador, “os pronunciamentos advertem sobre a importância de escolher representante político e se agradece um presumido apoio popular – o que não se confunde com conclamação para se votar no autor do discurso”.
Ele também isentou de qualquer ilicitude declarações de apoio do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e do pastor José Wellington Costa Júnior, de apoio a Bolsonaro. “Manifestar o desejo de que alguém seja o titular do cargo, enfim, insere-se no domínio da liberdade de expressão, que, para ser atalhada pelo legislador, há de o ser de forma nítida e proporcional”, disse o representante do MP.
No TSE, as ações sobre as carreatas estão sob relatoria das ministras Cármen Lúcia, Maria Cláudia Bucchianeri e do ministro Raul Araújo. Ainda não há decisão nos processos.
Outdoors pró-Bolsonaro também são alvo de ações do PT
Assim como em 2018, o PT também se incomodou com outdoors espalhados Brasil afora por apoiadores de Bolsonaro. Neste ano, o partido ingressou com ações contra peças expostas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais.
As peças trazem mensagens como: “pela democracia, por nossas famílias, por quem produz! Copper e produtores da região juntos com Bolsonaro” ; “Produtores rurais e sindicato rural. #fechadoscombolsonaro. Acreditamos em Deus e valorizamos a família” ; “aqui esse ex-presidiário é reconhecido como traidor da pátria. Aqui não é bem-vindo” ; “nós aqui odiamos este ladrão comunista. Fora maldito!”.
Apenas um dos outdoors continha pedido explícito de voto para Bolsonaro, com o seguinte enunciado: “Uma nação, um povo. #em2022vote22 #2022bolsonaropresidente”.
Ainda assim, a Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pela rejeição das multas ao presidente.
Em primeiro lugar, argumentou que não há provas de que Bolsonaro tivesse conhecimento ou tenha dado aval à exposição dessas peças de propaganda. “A responsabilização do beneficiário por propaganda irregular, nos termos do art. 40-B da Lei 9.504/97, exige prova dessas circunstâncias. Esse pressuposto, não atendido na espécie, conduz, sem a necessidade de outras considerações, à improcedência da representação”, afirmou em parecer.
Depois, passou a usar outro argumento para rejeição da punição: a distância temporal entre a exibição da propaganda e a eleição em outubro. Os indícios no processo apontam que os outdoors foram afixados no ano passado e alguns já teriam sido retirados. Para Gonet Branco, não haveria potencial para influenciar o eleitor no dia da votação. Ele propôs que somente nos seis meses anteriores à eleição a Justiça Eleitoral fiscalize com mais rigor a propaganda eleitoral.
“Merece ser realçado que a notória polarização política que atravessou todo o mandato presidencial em curso desde há muito que vem motivando manifestações públicas tanto de endosso como, igualmente, de repulsa a métodos e metas adotados. Não se trata de fenômeno recente, iniciado no ano das eleições. Essas manifestações, em linha de princípio, enquadram-se no direito de livre expressão dos que as promovem e não podem ser, sem que se vençam ônus argumentativos de monta, equiparadas a ilícitas campanhas eleitorais prematuras”, afirmou no parecer.
As ações relacionadas aos outdoors estão com Raul Araújo, Maria Cláudia Bucchianeri e Cármen Lúcia. Numa delas, o ministro já rejeitou a acusação de abuso de poder econômico, imputada pelo PT a Bolsonaro. Uma das ações, sob relatoria de Bucchianeri, já foi rejeitada, porque foi ajuizada por um diretório municipal do PT – a jurisprudência permite que somente a direção nacional do partido ingresse com ações no TSE contra pré-candidatos à Presidência.
Há outras três ações relacionadas aos outdoors nessa mesma situação – protocoladas por dirigentes locais do PT – e que também tendem a ser arquivadas.
Outras ações contra Bolsonaro
Uma outra ação do PT contra Bolsonaro envolve um discurso de janeiro no Palácio do Planalto em que ele afirmou que Lula já estaria “loteando ministérios” e que já teria oferecido a Caixa Econômica Federal para um partido. “Querem reconduzir à cena do crime o criminoso, juntamente com Geraldo Alckmin. É isso que queremos para o nosso país?”, disse ainda.
O pronunciamento foi exibido ao vivo na TV Brasil, o que foi usado pelo PT para reforçar a acusação, uma vez que a lei proíbe a convocação de rede nacional de rádio e televisão pelo presidente para propaganda política ou ataques a adversários.
Também neste caso, o MP Eleitoral não viu motivos para multar Bolsonaro. Reconheceu que houve alusão negativa a Lula, mas, em seguida, passou a expor outro tipo de argumento, segundo o qual é esperado que políticos que busquem a reeleição produzam "entre os concorrentes situações irreprimíveis de diferenciação”.
“O administrador não está tolhido de apresentar os seus feitos ao público e mesmo de enfatizar o que lhe parece ser uma melhoria na qualidade da prestação dos serviços, mediante comparações com gestões anteriores”, escreveu no parecer Paulo Gonet Branco.
Depois, afirmou que as frases relacionadas às eleições foram isoladas dentro do discurso. “Essas palavras se mostram episódicas e avulsas. Mais ainda, o discurso se deu nos primeiros dias deste ano eleitoral, em momento consideravelmente distanciado do período eleitoral propriamente dito e num ambiente de prorrogação de refregas político-partidárias entre personagens do governo e a oposição, iniciado muito antes do instante em que o discurso foi articulado”, argumentou o vice-procurador-geral eleitoral.
Essa ação tem como relator Alexandre de Moraes, considerado o maior inimigo político de Bolsonaro no STF e no TSE. Ainda não há decisão no processo.
Há ainda uma outra ação do PT, mas contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), acusado de fazer propaganda negativa contra Lula por meio da divulgação, nas redes sociais, de um vídeo editado. A gravação, repleta de cortes, passa a impressão de que Lula teria dito que estaria “falando com o demônio e o demônio está tomando conta de mim” – na verdade, no contexto da fala, o petista estava justamente desmentindo essa ilação.
No Facebook, Flávio Bolsonaro postou o vídeo que deturpa a fala e postou a seguinte mensagem: “envie este vídeo a sua liderança religiosa e pergunte o que ele pensa disso. A guerra também é espiritual”.
A PGE também pediu a rejeição da ação. “De novo, aqui, não há pedido expresso de não voto. Não há referência a eleições. Há, sem dúvida, relação com disputas ideológicas que há muito estremam os personagens dos autos; não está evidenciado, todavia, o conteúdo eleitoral relevante para o bem jurídico tutelado pela norma de direito eleitoral”.
As ações contra Lula
Na primeira das novas ações do PL contra Lula, o partido diz que na comemoração do Dia do Trabalhador, em São Paulo, a cantora Daniela Mercury disse, no palco, que era a primeira vez que fazia "campanha política" para um candidato. "Quem não votar para Lula vai estar votando contra os trabalhadores, contra os artistas, contra o país, contra a Amazônia, contra tudo que a gente acredita e vem construindo democraticamente para esse país", afirmou.
A ação do PL, assinada pelo ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira Neto, diz que houve um "pedido clarividente de voto que transcende muito a mera simpatia ou apoio", acrescentando que logo após a fala, a cantora entoou o jingle de Lula e balançou bandeira com seu rosto. Pediu multa máxima, de R$ 25 mil. A decisão caberá ao ministro Raul Araújo.
O mesmo valor foi pedido na ação em que o PL apontou propaganda antecipada no ato do Psol, durante o qual o petista discursou sob uma imagem com a inscrição "Psol com Lula 2022", na qual a letra "a" era substituída pelo desenho de uma estrela, símbolo do PT. "Denota inegável ocorrência do ilícito", diz o PL. A relatora desse caso no TSE é Maria Cláudia Bucchianeri.
Fora essas novas ações e a que foi apresentada contra o Lollapalooza no início do ano, há apenas mais duas ações contra a pré-campanha de Lula. As duas foram protocoladas por dirigentes do MBL e já foram rejeitadas por Maria Cláudia Bucchianeri.
O motivo é processual: como a ação não é assinada por um partido em âmbito nacional, não pode ser admitida para contestar propaganda antecipada de um presidenciável.
Nas ações, o MBL apontava dois casos explícitos de pedido de voto. Um deles, do próprio Lula, durante discurso no início de maio na cidade de Sumaré (SP), em que ele disse:
“Nós vamos fazer uma campanha limpa, a nossa campanha não será agressiva, a nossa campanha não terá fake news. O que vai acontecer nesse país é que nós vamos ser agressivos de votar no 13 no dia 2 de outubro, para que a gente possa tirar ele e colocar alguém mais democrático pra governar esse país.”
O discurso foi transmitido nas redes socais e até hoje está disponível na conta oficial de Lula no Facebook.
A outra ação do MBL também mira Lula e o perfil “Choquei” no Twitter, que divulga notícias sobre artistas. No início de maio, o perfil postou a seguinte mensagem: “AGORA: Está encerrando o prazo para tirar o título de eleitor para votar no Lula este ano! Vocês conseguiram tirar?”
Assim como no primeiro caso, Maria Cláudia Bucchianeri não analisou o mérito da questão, rejeitando a ação por ilegitimidade dos autores para apresentar a ação ao TSE.
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