Prefeituras têm feito parcerias com instituições privadas para diminuir filas de espera por vagas em creches; no Brasil, 2,3 milhões estariam a espera de uma vaga| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
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A questão das vagas em instituições públicas que atendem crianças de 0 a 3 anos foi um tema constante durante as eleições municipais de 2024, nas diferentes regiões do país. As promessas de abertura de milhares de vagas para zerar o déficit apareceram com frequência nos planos de governo dos candidatos, que prometem parcerias com o setor privado para solucionar o descompasso entre oferta e demanda.

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Pouco antes do início da campanha à reeleição, o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), anunciou um aumento nos valores repassados às creches parceiras do município: R$ 80 milhões iriam para Centros de Educação Infantil privados o que, segundo a prefeitura, devem garantir mais 1.000 vagas na capital mineira.

De acordo com a prefeitura belo-horizontina , a compra de vagas em creches possibilita o atendimento de cerca de 30 mil crianças, em 244 instituições particulares. No plano de governo para o segundo mandato, Noman promete "zerar a fila" de crianças cadastradas no aguardo pelo serviço até o final de 2025. Para isso, a prefeitura da capital mineira calcula um investimento de R$ 403 milhões por ano, repassado às instituições parceiras para atendmento dos alunos pelo setor privado.

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As parcerias com instituições fora da rede pública para sanar ou minimizar o déficit por vagas em creches não são uma novidade. Cidades como São Paulo também usam o método, por meio dos convênios com as chamada OSCs, as Organizações da Sociedade Civil.

Com o apoio privado, a prefeitura paulistana justifica que é possível zerar a fila de espera por uma vaga na rede pública, assunto presente no plano de governo de Ricardo Nunes (MDB), prefeito reeleito nas eleições deste ano. “Há 4 anos, toda a criança paulistana tem vaga garantida na creche. E terá vaga também nos próximos 4 anos”, promete Nunes.

Curitiba e Porto Alegre também compram vagas em creches privadas

Em Curitiba, o tema foi motivo de embate entre os candidatos à prefeitura tanto no primeiro quanto no segundo turno. O prefeito eleito Eduardo Pimentel promete números ousados no plano de governo, também na dependência das parcerias privadas. O documento protocolado na Justiça Eleitoral promete a "ampliação de Unidades Educacionais - Educação Infantil Ampliação no modelo de Parceria Público Privada (PPP) com o suporte do BNDES/MEC ofertando 30 novas unidades educacionais e 9 mil vagas”.

A administração municipal da capital paranaense já atende crianças em Centros de Educação Infantil (CEIs) contratados pelo poder público. Em nota, a prefeitura informou que adotou diversas estratégias nos últimos oito anos. Foram colocados em funcionamento 32 Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) e o município ampliou o número de CEIs contratados: de 74 para 167, atualmente.

Um novo edital foi aberto neste ano para contratar mais 10 mil vagas na rede privada. Ainda segundo a nota, 57 mil crianças são atendidas na etapa da Educação Infantil em Curitiba e há uma capacidade para 14,8 mil vagas nos CEIs contratados. Questionada sobre a fila de espera, a gestão Rafael Greca (PSD) respondeu que o número de cadastros de solicitação de vagas é cerca de 10 mil, em média, distribuídas ao longo de todo ano. Durante o recesso escolar, cai para cerca 1,5 mil cadastros no início de cada ano letivo, voltando a subir com os novos registros de solicitação.

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Já em Porto Alegre, a prefeitura anunciou, em junho deste ano, que iria fazer o credenciamento de mais instituições privadas para atendimento de crianças de 0 a 3 com abertura de 1,5 mil vagas. Segundo a prefeitura, atualmente, 3.466 vagas em escolas privadas atendem aos alunos na capital, por meio dos convênios. A aquisição de vagas na rede particular já é uma prática da prefeitura de Porto Alegre desde 2021. De acordo com o edital, o valor repassado mensalmente pela prefeitura por aluno atendido será de R$ 1.300,12.

Em Maringá, compra de vagas em creches ocorre desde 2019

A Prefeitura de Maringá, localizada no noroeste paranaense, foi uma das primeiras a adotar a estratégia para reduzir a fila de espera pelo serviço público, adquirindo as vagas em instituições privadas.

Desde 2019, a cidade realiza uma seleção de unidades privadas por meio de um edital, no qual as creches interessadas devem atender a critérios como estrutura física adequada e qualificação da equipe. "A seleção é feita com base no georreferenciamento, buscando sempre encaminhar as famílias para as unidades mais próximas", explica Nayara Caruzzo, secretária municipal de Educação. Em 2024, aproximadamente 3.500 crianças estão sendo atendidas por meio do programa, com um investimento anual de R$ 60 milhões.

Conforme a secretária, a fiscalização das creches conveniadas é realizada mensalmente para garantir que os padrões de qualidade sejam cumpridos. "A cada mês, fazemos visitas para verificar se as condições estabelecidas no edital estão sendo atendidas, como o número de crianças matriculadas, a frequência escolar e a qualidade da alimentação", afirma. As unidades também passam por acompanhamento nutricional e devem apresentar relatórios periódicos à prefeitura. O custo por vaga é de R$ 1.394,00 mensais, valor pago diretamente às instituições privadas.

Em paralelo à compra de vagas, a prefeitura segue com a ampliação da rede pública de educação infantil. Até o final de 2024, duas novas unidades de educação infantil devem ser entregues, com 365 vagas em cada uma, somando 730 no total. Além disso, três novas unidades estão previstas para 2025. "A ideia é que, à medida que novas creches públicas sejam construídas, a dependência das vagas privadas seja reduzida."

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No entanto, Caruzzo ressalta que a ampliação da rede pública enfrenta desafios, especialmente na contratação de pessoal. "Para atender a demanda de forma plena, precisaríamos de mais unidades e mais profissionais, mas isso depende das limitações orçamentárias da prefeitura", explica.

Compra de vagas em creches pode mascarar dados e não trazer benefícios a longo prazo

Para a mestre em Serviço Social e Políticas Sociais Relly Amaral Ribeiro, a compra de vagas para atendimento em creches municipais é "paliativa", pois o poder público deixa de investir na construção de novas unidades escolares, o que pode agravar o problema.

"Quando o município compra vagas privadas, o recurso público é utilizado, mas não há a construção de novas escolas, o que significa que o problema permanece para o próximo governo", analisa Ribeiro, que alerta para o risco do déficit ser "mascarado", sem a resolução de forma estrutural.

A educação infantil, embora não seja uma etapa obrigatória, deve ser garantida pelo poder público com fornecimento das vagas para as famílias que necessitam. Em 2022, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou ainda mais clara essa responsabilidade, ao estender a obrigatoriedade da oferta de educação para as creches. Antes dessa decisão, os municípios podiam justificar a recusa de matrícula com a alegação de falta de vagas. As eleições municipais de 2024 foram as primeiras a ocorrer após a implementação dessa mudança, que reforçou a exigência do atendimento à demanda por vagas na educação infantil.

De acordo com dados do IBGE, cerca de 2,3 milhões de crianças entre 0 e 3 anos em todo o Brasil ainda estão fora das creches, seja pela falta de unidades de ensino, pela inexistência de vagas ou por não serem aceitas nas instituições devido à idade.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]