Andrea Caldas (Psol) foi a segunda candidata mais votada pelo partido psolista na eleição de deputada federal em 2022, com 2.416 votos. Não chegou à Câmara dos Deputados em Brasília, mas o desempenho abriu caminho para que fosse candidata à prefeita de Curitiba neste ano. Aliás, não só o desempenho, mas também a trajetória dela na militância política e na formulação de planos de governo — foi nos bastidores que atuou no PT antes de migrar para o Psol.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Andrea Caldas criticou a aliança de PT e PDT com o PSB de Luciano Ducci, dizendo que não se trata de uma frente de esquerda. Com pouco tempo na TV, a candidata reconhece que é difícil expor as ideias do partido e, ainda mais, se eleger. Mesmo assim, afirma ter um plano para governar Curitiba em uma linha diferente da adotada pela atual gestão.
Nas áreas da educação, da saúde, da assistência e da segurança, ela diz que não tem mágica para melhorar Curitiba: o caminho é contratar profissionais, qualificá-los e pagar um bom salário. Além disso, Andrea Caldas aposta que o futuro do transporte coletivo na capital paranaense é com tarifa zero para todos, tornando os ônibus um instrumento vital para o consumo e a ocupação da cidade.Todos os candidatos à prefeitura de Curitiba foram convidados pela reportagem da Gazeta do Povo para entrevista.
Confira a entrevista com a candidata Andrea Caldas
A senhora tem um histórico de militância na política, inclusive dentro do PT, e também nas movimentações políticas na Universidade Federal do Paraná. Em 2022 foi candidata a deputada federal e agora concorre à prefeitura de Curitiba. Por que a senhora decidiu concorrer para prefeita de Curitiba?
Então, é um desafio né. Eu sempre atuei, como você falou, desde a militância do movimento estudantil, participei da construção do Sindicato do Magistério Municipal de Curitiba, e depois muito envolvida na questão da educação pública. Dentro do partido [PT] eu sempre atuei mais na área de formulação de programa de governo, então eu ficava mais nos bastidores. Confesso, é mais fácil fazer campanha para os outros do que fazer para a gente mesmo.
Nunca me ocorreu a possibilidade de ser candidata. Isso mudou um pouco depois que eu assumi a direção do setor de educação lá na UFPR, por oito anos, e depois também fui candidata a vice-reitora na chapa do Marcos Sunye, e aí foi uma experiência interessante. Assim eu comecei a cogitar essa possibilidade, de alguma forma o nome da gente acaba sendo projetado, e aí eu fui convidada para entrar no Psol, e já tinha um convite para ser candidata. Me aproximei em 2016, mas me filiei ao Psol em 2018. Na época falei não, falei para esperar um pouco. E em 2022 veio esse convite de ser candidata a deputada federal, para projetar o nome do partido, para debater as políticas numa outra seara, para além da academia e da militância da educação pública.
Em função disso e tal, eu acabei sendo a segunda candidata com maior número de votos, como deputada federal, ainda que num partido pequeno. Aí veio o convite de eu ser candidata a prefeita, também nessa perspectiva de projetar o partido, de mostrar que o partido está crescendo, que tem mais maturidade, tem um plano de governo, que quer discutir a cidade. E também para alavancar a nossa chapa de vereadores e vereadoras. O Psol está com a expectativa de eleger pelo menos um candidato neste ano.
A senhora criticou abertamente a composição feita entre PSB e PT para esta eleição em Curitiba, dizendo que não se trata de uma frente de esquerda, uma frente progressista. Por que o Psol decidiu não fazer parte dessa coligação e o que o partido pode oferecer para o eleitor de esquerda que seja diferente da candidatura do Luciano Ducci?
A direção do partido procurou o PT, procurou o PDT na figura ali do Goura, lideranças do PT, para a gente construir o que a gente considera aí uma frente de esquerda, uma frente progressista. O PT e o próprio PDT acabaram fazendo um outro caminho, que foi a composição com o PSB. Com todo o respeito ao Luciano Ducci, não é nada pessoal, mas a gente entende, sim, que tem uma diferença. E acho, eu tenho falado muito isso, viu, Gustavo, acho que nós estamos antecipando o segundo turno, isso virou uma marca das eleições da última década. Eu sou da geração que começou a sua militância na redemocratização do país, e eu falo até hoje, a eleição de 1989 foi a eleição mais rica, a gente tinha 20 candidatos. E começa a haver uma fala de que tem partido demais, tem candidato demais, e eu acho que isso enriquece a democracia. Então sim, o primeiro turno pode ter composição, mas não é obrigatório.
Eu acho que as pessoas estão taxando isso, que tem que compor desde o primeiro turno. Eu acho que a composição faz sentido se tiver uma aproximação programática, senão vira só pragmática, no sentido de contar os votos, contar o tempo de TV. Isso vai criando uma ideia de que todo mundo é igual, que não tem muita diferença, isso vai desencantando as pessoas, especialmente os jovens. Não é uma questão de sectarismo ou de purismo, como muitas vezes nos taxam, mas é a questão de dizer que nós temos um outro programa. E vou te dizer, mesmo eu pontuando um pouquinho ali na pesquisa, a gente tem visto que muitas das propostas que a gente está trazendo já foram incorporadas pelos outros candidatos, como a tarifa zero, a criação da Secretaria de Assistência Social, entre outras. Então, sim, eu acho que esse espaço do primeiro turno é para a gente mostrar essa miríade de opções ideológicas. O primeiro turno é o voto do coração, é o voto da convicção. Aí no segundo turno a gente vê quem é. E considerando as pesquisas que mostram, na espontânea, que 60% das pessoas ainda não decidiram o seu voto, tudo pode acontecer.
Com todo o respeito ao Luciano Ducci, não é nada pessoal, mas a gente entende, sim, que tem uma diferença [para uma chapa de esquerda].
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
O Roberto Requião tentou formar com o Psol também. Por que o partido disse não?
O partido disse não porque não teve tempo. Essa proposta chegou duas semanas antes do fechamento das convenções. E aí, para tomar uma decisão que envolvesse todo o partido, não teve tempo, infelizmente. Eu tenho uma relação de admiração com o Roberto Requião, mas acabou se tornando uma decisão de seguir ali com a candidatura própria, que eu também acho que não é um problema, porque ele está fazendo o papel dele, eu estou fazendo o meu. Em algumas coisas a gente se aproxima, em outras tem diferenças, e é bem importante isso.
No segundo turno das eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu quase 65% dos votos contra o presidente Lula, evidenciando um eleitorado alinhado mais à direita. A senhora acredita que é possível a esquerda chegar ao segundo turno e mesmo vencer a eleição em Curitiba? Como fazer isso?
Mostrando que a gente tem proposta, que a gente sabe governar, desmistificando essa aura que muitas vezes se coloca em torno da esquerda e acho que nós temos tentado cumprir esse papel na eleição. Ser de esquerda é defender justiça social, igualdade social, porque isso também foi ficando muito superficializado. Agora é um bom momento da gente discutir no miúdo o que é uma proposta de esquerda para a educação, para a saúde, para a segurança pública, por exemplo. E aí a gente vai ultrapassando esses mitos em torno da esquerda, o desserviço que as redes sociais têm feito em relação a isso. Muitos mitos.
Imagina, eu participei da eleição de 1989, foi a primeira que eu votei. Diziam que o PT ia tomar a casa das pessoas, então, tinha uma coisa assim de um mito, né, e acho que, inclusive, o presidente Lula tem mostrado que não está fazendo isso. Aliás, eu, inclusive, tenho críticas que acho que o governo está até moderado demais em algumas questões.
E nesse cenário, o Psol tem um tempo muito pequeno na televisão, de 25 segundos. Qual a dificuldade de buscar especialmente o eleitor de esquerda com esse espaço?
A dificuldade é essa que você acabou de colocar, uma desigualdade abissal de tempo, um absurdo. Por isso que daí o segundo turno iguala, porque aí fica todo mundo com o mesmo tempo e até, eventualmente, os resultados surpreendem. Teria que ter um tempo igualitário. No meu modo de entender, não faz sentido a gente dar mais tempo para os partidos que são maiores e que já têm mais estrutura. É uma lógica para manutenção dos que estão no poder. É a mesma coisa com financiamento público. Outro dia falei na Associação Comercial do Paraná quanto estou recebendo, que é público, que são R$ 200 mil, e me disseram: “nossa, professora, você está abaixo da linha da miséria”. É verdade, é muito desigual. O Psol não tem uma militância paga, todos estão fazendo trabalho voluntário. Então a gente tem, sim, mais dificuldade de chegar às pessoas.
E eu vou te dizer, quando a gente chega e consegue mostrar quais são as propostas... Eu tenho recebido muita adesão de pessoas dizendo isso. Esses espaços que vocês da imprensa estão abrindo, de forma igualitária, são muito importantes, porque (o processo) é muito desigual.
A chapa do Psol é a única em Curitiba formada por duas mulheres, uma ligada à educação e outra à saúde. Que tipo de mensagem vocês pretendem passar com essa composição?
Tem a dimensão da representatividade, que para nós é muito importante. Então, sim, ter mulheres representando as propostas, mulheres mostrando que é possível assumir esses espaços de poder para o nosso partido é muito importante. O nosso partido tem estimulado isso. Entre os eleitos, mais de 40% são mulheres, negros, LGBT, já é o perfil do partido. Então, essa composição de duas mulheres aconteceu quase que naturalmente, porque já tem muitos quadros de mulheres preparados, e a gente tem mostrado isso, mesmo eu sendo da educação, a Letícia [Faria] da saúde, a gente, obviamente, tem muita propriedade para falar nesse tema, mas a gente quer mostrar que a mulher pode falar de economia, de planejamento urbano, ela pode estar em todos os lugares. Porque às vezes também essa lógica da representação feminina acaba sendo uma lógica conservadora, no sentido assim: “você é mulher, você vai tratar desses assuntos só, dos assuntos das mulheres”. E nós queremos mostrar que não, que nós temos um programa de governo construído por homens e mulheres que pode ser representado por essas duas mulheres.
O Psol não tem uma militância paga, todos estão fazendo trabalho voluntário. Então a gente tem, sim, mais dificuldade de chegar às pessoas.
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
A senhora trabalha na educação há muitos anos e não por acaso é o assunto mais falado na sua campanha. O plano de governo do Psol fala em destinar 30% do orçamento da cidade para a educação. Mas como garantir isso se depende também da Câmara Municipal?
Isso é uma questão de cumprir a lei, porque o Plano Municipal de Educação de 2015, que vigora até 2025, já estabelecia o investimento de 30%, e foi aprovado pela Câmara de Vereadores. Portanto, é cobrar a responsabilidade. Tem uma lei aprovada pela própria Câmara de Vereadores, sancionada pela prefeitura, que não está sendo cumprida. E esses 30% não são um número cabalístico. Ele está assentado exatamente nesse plano municipal de educação que falava, lá em 2015, que tinha que se ofertar vaga para todas as crianças de 0 a 3 anos. Aí agora são mais de 10 mil na fila da creche. Não é nem o total de crianças nascidas em Curitiba. Então, sim, não tem mágica.
Eu sou da área de políticas educacionais, é planejamento, é estabelecer quais são essas demandas, e essas são demandas constitucionais. Então, acho que na educação é isso, tem que se cumprir a lei e esse investimento está calcado no cumprimento das disposições constitucionais do próprio plano municipal de educação. Eu tenho certeza que ninguém diverge de que a gente tem que ofertar vaga, sim, para todas as crianças, com qualidade, que os professores têm que ser bem remunerados, têm que ter formação. E aí a gente fala no nosso jeito de governar, a proposta de governar, é governar ouvindo a população, de fato.
A gente sabe que tem o Fala Curitiba, que tem uma dificuldade grande de muitas pessoas acessarem, porque é basicamente quase todo virtual. Depois, ele é feito para chancelar o plano, o planejamento que a prefeitura já fez, então as pessoas vão lá para dizer se concordam ou não concordam. Nós queremos inverter isso, para nós, essa escuta da população, pelas regionais, tem que ser para levantar o diagnóstico. A população não tem obrigação de saber qual é o caminho que vai ser feito, ela tem sim o papel de dizer que "isso" é prioritário, que "aquilo" precisa ser feito. Aí passa para os conselhos de área que existem já, conselho de educação, de saúde, de segurança, da assistência, da cultura, eles vão formular esse plano, e isso é que vai chegar à Câmara.
Tenho falado que nós vamos negociar com a Câmara de Vereadores. Não é a Andrea, mas o projeto que veio dessa construção coletiva, e se a Câmara disser não, vai estar dizendo não para todo esse processo de construção coletiva.
Para tentar diminuir o déficit de vagas em creches, a atual gestão optou por um modelo de terceirização de vagas. O seu plano de governo fala em reduzir esse modelo. Como, então, garantir acesso a 100% das crianças às creches, especialmente de forma urgente?
A prefeitura tem feito na base do improviso, porque já tinha acesso a esses dados, essas crianças não ficaram em idade escolar do dia para a noite, então você sabe quantas crianças são nascidas. Tem uma lei que diz que você tem que atender todas as crianças, então tem que planejar, e é o que nós vamos fazer, construir novas creches, ampliar as que são possíveis. A gente tem sim a opção, que também é uma opção que está no Plano Nacional de Educação, de oferta pública, mas nesse momento não é possível abrir mão da rede conveniada, que é completamente diferente de compra de vaga. A compra de vaga faz no emergencial, já a rede conveniada tem que ser autorizada pelo Conselho Municipal de Educação e cumprir uma série de exigências, ou seja, faz parte do sistema municipal de educação. E há uma demanda, inclusive, deles, de que se aumente o repasse. Nós entendemos que é o mesmo, tem o mesmo valor por aluno. Não podemos ter alunos com valores diferentes. O mesmo valor repassado para aluno da escola pública tem que ser passado para a escola conveniada. No primeiro momento, a gente defende isso.
A ampliação progressiva da oferta pública, da vaga pública, é o caminho, mas nesse momento nós não podemos abrir mão dessa parceria com as redes conveniadas que têm feito o seu papel na ausência do poder público, inclusive. Há várias possibilidades, veja, eu sou lá da universidade, a gente acabou de ter uma eleição para a reitoria, uma das demandas lá é ter creche, só que a universidade não pode contratar professor para creche, mas tem espaço. Então essa é uma possibilidade de parceria, com o Hospital do Trabalhador. Pode haver a construção de uma creche dentro do espaço da universidade, a prefeitura vai contratar os profissionais e essa creche vai ser aberta ao público, não só da universidade, mas ao público em geral. É mais do que possível, tem que ser feito, não é uma questão de escolha. Volto a falar, isso é uma decisão constitucional.
Na educação, tem que se cumprir a lei e o investimento está calcado nas disposições constitucionais do próprio plano municipal de educação.
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
Em relação aos índices de aprendizagem, o que a senhora propõe para melhorar a posição de Curitiba?
Nas séries iniciais ela continua muito bem. Tem um probleminha das séries finais, mas Curitiba tem poucas escolas de séries finais. Na rede municipal são 11 e a gente defende ampliar. Eu acho que o ensino de Curitiba é muito bom, feito por profissionais muito bons. Eu os acompanho, são meus colegas, são ex-alunos, é gente muito boa. Eu tenho certeza, todo mundo que tem um filho na escola sabe que os professores lá são muito bem formados, têm uma formação excelente. Mas estão sobrecarregados porque foram 10 anos de congelamento de salário e carreira, porque não teve concurso suficiente. Agora estão aparecendo os concursos, só que, como a carreira ficou estagnada, tem muitos municípios da região metropolitana que estão pagando mais e com uma carreira mais atrativa, então as pessoas entram e saem, e aí a gente não consegue fechar esse quadro.
Não tem mágica, você atrai o bom profissional pagando bons salários e tendo uma carreira atrativa, e é o que a gente vai fazer, tem esse compromisso. É um absurdo, não sei se todo mundo sabe, mas hoje tem uma cota do quanto os profissionais da educação podem avançar, que é 40%. Então eles vão, fazem o curso para avançar na carreira, mas se ele não entrar nessa cota de 40%, não vai avançar de nível. Isso desestimula. Se vai chegar lá na hora e não vai ser valorizado, né?
Às vezes tem esse mito de que a máquina pública está inchada, não está, em Curitiba não está inchado. O que nós temos de inchaço é cargo comissionado. Esse sim a gente tem o compromisso de reduzir. Aliás, a atual gestão falou que ia reduzir, não reduziu nada, mas o funcionário público de carreira concursado, eu tenho certeza que toda a população de Curitiba quer ser atendido por um bom profissional, né? Isso vale para a educação, para a saúde, para a área de assistência social, para a área de segurança, que também está sufocada. A gente tem conversado também com os agentes de segurança, o sindicato da Guarda Municipal. É investir em gente, pagar bem os salários e dar condições de trabalho adequadas.
Uma reclamação comum da população é a demora no atendimento nas UPAs e UBSs. A senhora fala em reabrir a UPA da regional Matriz e mais leitos no município. É suficiente?
Eu acho que é uma primeira medida. Nós vamos ter que fazer esse levantamento, que é outra coisa que não tem em Curitiba. Não tem diagnóstico, não tem levantamento de quase nada. Então, a gente sabe já que onde teve o maior estrangulamento é na UPA do Cajuru, na UPA Boa Vista, exatamente pelo fechamento da UPA Matriz. Então, é o compromisso primeiro de reabertura dessa UPA. Mas, sim, vai ter que ampliar o número de UBS, eu não tenho agora para te dizer assim, vai ser tal e tal, isso vai saber fazendo um levantamento.
E mais do que aumentar o número de unidade básica, é mudar também a estratégia. Hoje, somente 50% dessas unidades básicas de saúde trabalham com a estratégia de saúde da família, que é aquela equipe multidisciplinar que trabalha com a prevenção. E a maior parte, 50% é só atenção básica, que é o paliativo. A gente acredita que, trabalhando na prevenção, a gente reduz uma série de questões. Por exemplo, uma das questões que estourou aí o atendimento tem a ver com o diabetes. Diabetes é tratamento preventivo e tem que, sim, contratar mais médico, a gente sabe que a fila de especialidades é imensa. No caso do oftalmológico fica mais de dois anos para ser atendido. E de novo: dá para fazer parcerias com as universidades. Temos também proposta de criação de um hospital infantil em parceria com a Universidade Federal do Paraná.
Então, o fato é que Curitiba tem quase 2 milhões de habitantes, tem uma região metropolitana de quase 4 milhões e, portanto, pensar a solução para Curitiba é também pensar nessa lógica da grande metrópole. Por isso o nosso slogan tem sido "Curitiba para quem vive a cidade", não é só para quem nasceu aqui, mas a pessoa que eventualmente trabalha aqui, mesmo morando em outro lugar. Tem que pensar isso, não dá mais para a gente botar uma viseira. Eu tenho a sensação, Gustavo, às vezes, que a atual gestão trabalha como se a gente tivesse ainda 1 milhão de habitantes, sabe aquela Curitiba pequenininha que todo mundo se conhecia pelo nome? Ela não existe mais, então a gente tem que pensar soluções em escala. Um exemplo é o problema da moradia. Tem 50 mil na fila da Cohab, a prefeitura vai lá e entrega 300 casas, 60 agora na última vez e acha, meu Deus, que está fazendo o máximo. É uma gota no meio do oceano. Tem que pensar em solução em escala. E dinheiro tem, porque nós somos o maior orçamento do estado, com R$ 14 bilhões.
A segurança pública é apontada em pesquisas como o maior problema da cidade de Curitiba, fazendo com que as pessoas peçam uma atuação mais ostensiva da Guarda Municipal, mais próxima de uma corporação policial. Há a discussão sobre a transformação, de fato, das guardas em polícias. O plano de governo da senhora, porém, vai em outro sentido, na "desmilitarização" da Guarda Municipal. Em um eventual mandato, o que faria diferente do que ocorre hoje e qual seria o papel da Guarda Municipal?
Então, é bom até a gente poder explicar o que a gente chama de desmilitarização. Não é tirar a arma do guarda. Desmilitarizar é mudar a lógica de atuação. A Guarda Municipal não é militar. Só tem uma polícia, que é a Polícia Militar. Nós temos a Polícia Civil, a Polícia Federal. E a Guarda Municipal, que tem, como você falou, um projeto em tramitação no Congresso para transformá-la em polícia. Mas isso não é, quem está prometendo aí, está prometendo o que não pode cumprir. Isso não cabe ao prefeito. Isto é, se for aprovado no Congresso Nacional, vai acontecer. Se não for aprovado, não vai.
O prefeito não pode criar polícia, não tem esse poder constitucional. Então, quando a gente fala em desmilitarização, é mudar a lógica. A lógica militar é aquela da guerra, do exército, do vencer o inimigo. Nós entendemos - e não sou eu que estou falando isso, porque a gente tem conversado com o pessoal da área de segurança, com os policiais, com o grupo de policiais antifascistas - que a polícia, a boa polícia, a polícia urbana, é aquela que atua na prevenção e mais próxima de uma lógica de guarda comunitária, que é o que a gente defende.
De verdade, Gustavo, essa mudança de Guarda Municipal para polícia vai mudar muito pouca coisa. A única coisa, a gente não sabe como vai ser esse projeto, porque a Guarda Municipal já tem arma, já atua tanto no patrimônio como na proteção do cidadão. A única coisa que pode eventualmente mudar é passar a ter um papel investigativo. E eu, sinceramente, acho que aí o problema é mais complicado ainda, porque nós temos um problema de falta de integração das polícias. A gente precisa construir essa lógica de conversa entre as polícias, o que não acontece. A gente quer valorizar a Guarda Municipal. E valorizar, de novo, passa por fazer concurso. Eles estão com a metade do contingente. A atual gestão tem falado muito da Muralha Digital. Nem precisa ser da área de segurança para saber que o que dá segurança para gente não é a câmera. A câmera é um instrumento auxiliar, mas (precisa ter) ali o policial, agente de segurança em quantidade necessária para poder fazer esse patrulhamento, essa prevenção, atuar de forma intersetorial com as outras áreas, como o pessoal da área de assistência social, para que eles saibam como atuar com a população em situação de rua.
Desmilitarização não é tirar a arma do guarda. Desmilitarizar é mudar a lógica de atuação. A lógica militar é aquela da guerra, do exército, do vencer o inimigo.
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
Estamos com um contingente muito abaixo, é quase metade do que deveria ter, e está acontecendo que tenham que dobrar a jornada de trabalho, que já é extensiva: 40 horas é uma jornada muito grande para uma atividade que demanda atenção emocional. Tem pesquisas mostrando que a partir da sexta hora trabalhada cai a atenção, então tem que combinar condições de trabalho, têm que ser bem pagos, eles querem isso, e têm que ter formação, porque eles fazem o concurso, eles não sabem se vão trabalhar no museu, se vão atender a população em situação de rua, ou se vão atuar em praças e parques.
Quando a gente fala da desmilitarização, é dar mais esse perfil de guarda comunitária, atender aquela pessoa ali que você conhece, como era antigamente. A gente saía de casa e a mãe falava assim: “qualquer coisa, você procura o guarda tal lá para falar com ele”. É um pouco nessa perspectiva.
[A Curitiba de 1 milhão de habitantes] não existe mais, então a gente tem que pensar soluções em escala.
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
A senhora falou da Guarda atuando também na assistência social. A população em situação de rua em Curitiba é estimada em mais de 3 mil pessoas, sendo que a FAS é a responsável pelo assunto. O seu plano de governo fala em criar a Secretaria Municipal de Assistência Social de Curitiba. O que na prática mudaria em relação ao que é feito hoje em relação às pessoas em situação de rua?
Nós não vamos extinguir a FAS. A nossa ideia é que a FAS continue dentro da estrutura de uma Secretaria de Assistência Social, com dotação orçamentária, com pessoal qualificado. Nós entendemos que quem tem que atuar na Secretaria de Assistência Social é quem é formado para isso. O pessoal formado em serviço social, o psicólogo, o educador social. A assistência social tem uma dimensão caritativa, mas isso é um pedacinho da ação dela. Então, conversando muito com o pessoal da área mesmo, os funcionários que atuam lá na FAS estão sobrecarregados. Também tem falta de concurso.
A FAS está acumulando funções de secretarias que foram extintas. A Secretaria do Trabalho, que nós entendemos que é importante recriar, a Secretaria de Direitos Humanos, que hoje não tem, a Secretaria da Mulher… Então, a FAS virou um guarda-chuva, tem que atender tudo, desde a população em situação de rua até a vulnerabilidade social, os casos de violência, então é muito. A questão da qualificação está muito sobrecarregada. A ideia da criação da secretaria, que é uma demanda do pessoal da área, é ter um corpo qualificado com dotação orçamentária específica. E aí a FAS, como é fundação, atuaria mais nessa questão mesmo de arrecadação, de doação, dessa ação mais caritativa.
Nós defendemos que tem que ter uma política de assistência social. Por exemplo, o Suas - equivalente ao SUS - que é o Sistema Único de Assistência Social nunca foi implantado em Curitiba. E ele prevê os equipamentos, essas ações, ação preventiva. Aí tem muita coisa para ser feita. Nós temos que ampliar o número de Cras (Centro de Referência de Assistência Social). Nós temos, hoje, por exemplo, o atendimento ao idoso; a cidade não está se dando conta que nós estamos envelhecendo. Ela é feita só por um equipamento e por parcerias privadas. Tem uma demanda aí de centro de convivência mesmo, até de repúblicas dos idosos que nós precisamos pensar.
Enfim, é uma área bem importante pra gente olhar com cuidado e valorização. Você falou que a minha área é a da educação, da Letícia a da saúde, mas eu vou te falar que essa área da assistência, a gente tem reunido tanto com o pessoal que virou a minha menina dos olhos. É tanta coisa para fazer, e tem um potencial de intersetorialidade, junto com a saúde, com a educação, com a segurança. Você vai conversar com esse pessoal que atua na área da assistência, seja o formado em serviço social, psicólogo, eles são muito apaixonados, são muito vocacionados. Ninguém vai trabalhar nessa área se não for vocacionado. E eles estão se sentindo muito sobrecarregados, por isso acontecem os problemas que a gente tem e que a imprensa tem noticiado. Mas tem boa vontade de fazer.
O seu plano de governo fala em um processo gradual para zerar a tarifa do transporte coletivo. Mas como fazer isso, do ponto de vista orçamentário, com uma nova licitação do transporte prevista para 2025?
Então, hoje o subsídio que se dá para a tarifa, uma das mais caras do Brasil, é R$ 220 milhões. Desse total, R$ 60 milhões é o que a prefeitura arca. Tem o governo do estado e uma pequena parte do governo federal, mas o governo do estado subsidia fortemente. Isso continuaria. O que muda para a implantação da tarifa zero, que já é uma realidade em mais de 100 cidades? Tem um projeto tramitando, da deputada Luiza Erundina, do Psol, a partir de uma mudança que aconteceu já na Constituição, que diz que o transporte é direito social, assim como educação, saúde, assistência. Esse projeto dá, digamos, materialidade para isso. Se é um direito social, tem que ser garantido pelo poder público. Então a gente passa a entender o transporte de uma outra forma, não como custo, mas como investimento social.
Eu tenho certeza que isso é uma coisa que vai acontecer mais cedo ou mais tarde, porque isso resolve o problema da mobilidade urbana. isso vai abrir um espaço, inclusive, para incentivar o consumo. Falei lá com a Associação Comercial, eles concordam com isso, porque hoje a tarifa está consumindo de 15% a 20% da renda das famílias, isso é dinheiro que poderia estar sendo investido no consumo. Muita gente está deixando de usar o transporte porque não tem condição de pagar. Eu tenho esse caso lá, inclusive, de alunos da universidade, que chegam nas últimas semanas e não vão para a aula até receberem a sua bolsa, o salário de assistência, porque é muito caro. Eu tenho três filhos em idade escolar, eu sei o quanto pesa isso no orçamento de uma família.
Por isso que a nossa primeira proposta é o passe livre estudantil para todos os estudantes, tanto escola pública como escola particular. Basta ser estudante. Já é uma proposta que foi implantada em Fortaleza, que é um pouco maior que Curitiba e tem um orçamento menor que Curitiba, e é possível fazer. Nós já fizemos esse cálculo, é um custo de R$ 600 milhões. Curitiba tem R$ 14 bilhões de orçamento, ou seja, isso dá menos que 10%, portanto, menos do que as famílias estão gastando. Eu acho que sim, é razoável que o poder público invista, e sim, não precisaria ser a prefeitura subsidiar inteiramente, aí é uma parceria com o governo do estado que poderia acontecer. Mas mesmo que fosse para ela subsidiar, esse passe livre estudantil é possível, cabe no orçamento. É uma parcela pequena.
Com a aprovação desse projeto que está tramitando no Congresso Nacional, e eu acredito que pode vir a ser aprovado, porque tem muitas experiências ali, e até nem tem muito corte ideológico. De modo geral, as prefeituras estão percebendo que isso é um bom investimento. A gente vai depender da contrapartida do governo federal também. A Urbs estima que se passaria para R$ 1 bilhão, que também não é um absurdo num orçamento de R$ 14 bilhões. Mas esse 1 bilhão, eu acho que seria mais, porque eu entendo que mais gente ia usar o transporte, que é o que a gente quer, que as pessoas voltem a usar o transporte coletivo.
Nas grandes cidades do mundo é isso. Mesmo quem tem carro, geralmente usa o carro só no final de semana para passeio. E isso resolve uma série de problemas. A sensação que eu tenho, Gustavo, é que o pessoal fica sempre dando uma mão de tinta num problema que é estrutural. A gente está com uma cidade que tem quase dois carros por habitante, sobrecarregada. E aí quais são as propostas dos candidatos? Fazer mais obra, mais obra, mais obra. Mas nós temos um sistema de transporte que tem uma lógica muito inteligente e que não está sendo usado. Vamos investir primeiro, fazer funcionar esse transporte, e sim, nós temos que reduzir essa tarifa. Então nosso compromisso é o passe livre estudantil a partir do primeiro ano e a implantação progressiva da tarifa zero. E aí o próprio vale transporte deixaria de ser pago pelo empresário, isso comporia um fundo. Seria mudar o perfil da cidade. E é claro que aí também temos que revitalizar a frota, acabar com as baratas nos terminais. Essas coisas básicas também.
Eu tenho certeza que a tarifa zero é uma coisa que vai acontecer mais cedo ou mais tarde, porque isso resolve o problema da mobilidade urbana.
Andrea Caldas, candidata do Psol à prefeitura de Curitiba
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