Na eleição municipal de 2012, Celso Russomanno, na época no PRB, propôs a cobrança proporcional por quilômetro rodado no transporte público de São Paulo. Líder nas pesquisas de intenção de voto no primeiro turno, ele viu então o adversário Fernando Haddad (PT), que vinha em terceiro nas pesquisas, criticar fortemente a proposta, alegando que os paulistanos mais pobres pagariam mais caro porque precisam vencer distâncias maiores para trabalhar. O assunto dominou as falas do petista nos debates, entrevistas e propaganda eleitoral. Sem conseguir explicar direito a proposta, Russomanno foi perdendo a preferência do eleitorado e ficou pelo caminho, sequer avançando ao segundo turno — Haddad ganharia a disputa contra José Serra.
Doze anos depois a história se repetiu. Não em São Paulo, mas em Curitiba. De forma surpreendente, em um partido nanico, o PMB, e sem tempo de televisão e dinheiro vindo apenas de doações, a jornalista Cristina Graeml cresceu na reta final do primeiro turno para avançar à disputa decisiva pouco atrás de Eduardo Pimentel (PSD), atual vice-prefeito e que contava com a máquina da prefeitura e também a do governo do estado liderado por Ratinho Junior (PSD) — a votação foi de 33,51% contra 31,17% dos votos válidos. O crescimento, porém, parou logo no início do segundo turno, assim que, no primeiro debate na televisão, na Band, ela defendeu a proposta de cobrar a passagem de ônibus por quilômetro rodado — Graeml perderia a disputa em 27 de outubro por 57,64% a 42,36% para Pimentel.
O tema não havia sido explorado no primeiro turno. Mas no primeiro confronto direto entre os candidatos, Pimentel apontou para o plano de governo dela e disse: “Você que mora no Tatuquara, no Sítio Cercado, na CIC, no Boqueirão, no Cajuru, no Atuba, no Bairro Alto, no Santa Cândida: pela proposta dela, que está escrita, vai pagar mais passagem de ônibus para chegar no Centro da cidade do que quem está no Batel e vai para o Centro da cidade. Isso é grave”. E prosseguiu, fazendo o questionamento para o eleitor: “Acha justo com o trabalhador e a trabalhadora que sai todos os dias de casa para trabalhar pagar mais do que quem vai do Batel, Cabral ou Jardim Social até o Centro?”
Na resposta, Graeml confirmou a intenção de implantar esse sistema e disse que seria mais justo. “Esse morador do Alto da Glória, do Cristo Rei, paga a mesma passagem de um morador que vem da Região Metropolitana para usar o nosso sistema de saúde, inclusive. Não é justo. Nós vamos implantar a passagem por quilômetro rodado. Isso é simples, já existe no exterior, é eficaz e mais honesto”, declarou. Como parte da solução, ela propôs que “esses moradores [da periferia] serão estimulados a empreender e trabalhar mais próximos de suas casas.”
Antes mesmo do debate terminar, o trecho com essa fala de Graeml circulava nas redes sociais, acusando a candidata de querer cobrar mais caro de quem mora mais longe do Centro da cidade. Não só mais caro, mas que aumentaria o preço da tarifa, que hoje bate os R$ 6 — a mais alta entre todas as capitais do Brasil. Nos dias seguintes, o candidato do PSD criticou reiteradamente a proposta da adversária durante entrevistas e evidenciou o assunto nos dois debates seguintes. A propaganda eleitoral de Pimentel na televisão se voltou para esse tema até os últimos dias de campanha, quase como um mantra.
Por sua vez, Graeml passou a acusar o adversário de espalhar fake news e desinformação, além de criticar a imprensa por reverberar o assunto, e garantiu que não aumentaria o preço da passagem e que a proposta era para estudar a implantação do sistema proporcional. Nas entrevistas e debates, rebateu a campanha adversária para dizer que diminuiria o preço da passagem, mas manteve a proposta.
Ela, inclusive, fez comparações com viagens feitas por Uber. À Gazeta do Povo, disse: “Vou fazer uma analogia de um exemplo que já temos no Brasil, todo mundo usa e ninguém acha injusto: o Uber e o táxi.”
Transporte público é um tema sensível para a população
Especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo analisam que o transporte público é um dos assuntos mais sensíveis à população no dia a dia e, por isso, tem peso na decisão do voto nas eleições municipais. Apesar de discussões sobre ideologia e mesmo uma polarização nacional contaminando os pleitos locais, os temas que afetam a população seguem sendo preponderantes para o resultado nas urnas.
Uma pesquisa do instituto AtlasIntel*, por exemplo, divulgada em 21 de outubro e com coleta de entrevistas entre 14 e 19 de outubro — o debate da Band foi transmitido no dia 14 —, mostrava que o transporte público estava na sexta posição entre os maiores problemas que afetam Curitiba, com 21,4% na escolha dos entrevistados. No recorte por renda familiar de até R$ 2 mil, esse assunto assume a quarta posição, com 34,8% das escolhas — saúde, criminalidade e educação estão na frente.
Transporte público tem peso na decisão de voto em eleições municipais, apontam especialistas.
O professor de Ciência Política do Centro Universitário Internacional Uninter Luiz Domingos Costa classifica o tema do transporte público como uma “pauta tóxica” nas eleições, especialmente porque é um assunto discricionário da atuação do prefeito. “Quem cuida do transporte é o prefeito”, aponta. No caso da eleição em Curitiba, ele diz que isso “não foi o fator decisivo, mas é possível dizer que foi muito importante para o resultado.”
Mesmo que o tema da cobrança proporcional não tenha sido o único a definir a disputa, o professor da Uninter acredita que foi a partir dele que a campanha de Pimentel passou a usar um exemplo prático para a estratégia de contrapor a experiência de quase oito anos de vice-prefeito com a estreia de Graeml no jogo político. “Ele pega esse deslize dela e estende para outros temas, como o orçamento da cidade, e na narrativa vai multiplicando, tentando colar que ela não tem propostas aprofundadas”, analisa.
O professor do curso de graduação em Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas (Mestrado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cezar Bueno Lima acrescenta que lançar uma proposta que impacta mais a população demonstra “inabilidade política” de Graeml, ainda mais em uma disputa contra um grupo político forte.
“Os candidatos, em especial quando dispõem de poder da máquina pública e recursos financeiros abundantes, podem sangrar a candidata concorrente, emparedando-na contra a maioria dos eleitores que, no caso da proposta, são quem precisam se deslocar longas distância até o ambiente de trabalho”, explica.
Além disso, a forma como a campanha de Pimentel usou esse assunto do transporte público deixa claro, segundo Lima, que “o objetivo é vencer e vai usar todos os meios para debilitar e desacreditar o oponente” e que a experiência de um grupo político “poderoso e habilidoso” sabe “temperar e medir a temperatura política do adversário”, complementa.
- *Metodologia da pesquisa citada: 1.199 entrevistados pela AtlasIntel entre os dias 14 e 19 de outubro de 2024. A pesquisa em Curitiba foi contratada pela própria AtlasIntel Tecnologia de Dados Ltda Confiança: 95%. Margem de erro: 3 pontos percentuais. Registro no TSE nº PR-00791/2024.
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