No confronto com os partidos de esquerda, a direita brasileira termina as eleições de 2024 como a vencedora nas urnas e com a missão de entender o novo cenário de diferentes correntes dentro do espectro político.
Apesar de inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mostrou força ao alavancar candidaturas encabeçadas pelo PL nas principais capitais do país e teve participação na reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), principalmente no segundo turno, após se manter distante da coligação com partidos de centro.
A ausência de um candidato da “direita raiz” com o apoio explícito de Bolsonaro em São Paulo também criou espaço para o outsider Pablo Marçal (PRTB), que confirmou a identificação de parte do eleitorado da direita conservadora com o movimento antissistema, o que pode voltar a se repetir nas eleições majoritárias dos próximos anos.
Quem também saiu vencedor na capital paulista, que reflete o cenário macro da direita brasileira, foi o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que assumiu o protagonismo da vitória sobre Guilherme Boulos (Psol) em São Paulo. Com tom conciliador, Tarcísio se tornou o principal padrinho de Nunes durante a campanha e saiu das eleições credenciado a concorrer à presidência da República, seja pela direita ou pela centro-direita.
Entre os governadores, Ronaldo Caiado (União Brasil) venceu em Goiás em Goiânia e Aparecida de Goiânia e também ganha tração para chegar às eleições de 2026 como um dos presidenciáveis do campo da direita moderada. O governador do estado de Goiás apadrinhou o novo prefeito eleito Sandro Mabel (União Brasil), que bateu nas urnas Fred Rodrigues (PL), indicado por Bolsonaro, em uma campanha acirrada.
De acordo com o sociólogo e cientista político Aryell Calmon, coordenador de Estados e Municípios da BMJ Consultores Associados, a aparição da direita em diferentes correntes mostra que não há um quadro fechado para enfrentar a candidatura à reeleição de Lula em 2026.
“Existe uma direita que está muito mais associada à imagem de Jair Bolsonaro, que portanto deve tê-lo como grande líder. Também existe uma outra direita caracterizada por Marçal nessa eleição, que está ligada às ideias. Além disso, a centro-direita pode lançar um nome mais de centro, como o governador Tarcísio de Freitas. Mas, a tendência da disputa majoritária nacional sempre é acabar em uma polarização”, analisa.
Maior cabo eleitoral da direita, Bolsonaro conta com anistia para eleições 2026
Segundo Calmon, além de ter a maior bancada na Câmara dos Deputados, o PL também deve usar os bons resultados do partido nas eleições deste ano para pressionar a aprovação do projeto de anistia de Jair Bolsonaro. O ex-presidente foi cassado por uma reunião com embaixadores em que criticou a segurança das urnas eletrônicas. “Se ele se tornar o nome mais viável [para 2026] é provável que as forças políticas se agrupem em torno dele novamente”, projeta o cientista político.
Na avaliação do colunista da Gazeta do Povo Rodrigo Constantino, Bolsonaro mostrou que tem mais força política nas ruas durante as campanhas municipais do que o presidente Lula (PT). “Bolsonaro conseguiu virar o jogo, mas não faz milagres, apesar de ser o maior cabo eleitoral do país e estar vivo politicamente”, declarou durante a cobertura ao vivo das eleições deste domingo (27) no programa Entrelinhas, da Gazeta do Povo.
O líder do PL na Câmara dos Deputados, Altineu Côrtes, minimizou os atritos dentro da direita brasileira durante a campanha e classificou a divisão como “natural" nas disputas eleitorais, ressaltando a necessidade de diálogo entre as diferentes forças políticas após os resultados nas urnas.
“O mais importante é a gente conseguir dialogar com o centro, com a centro-direita e buscar uma união. Deixar as diferenças e as divergências pontuais de lado para o projeto de construir a candidatura do ex-presidente Bolsonaro para retomar a presidência em 2026”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo.
Constantino pondera que o ex-presidente teria força política para indicar um candidato de direita para uma chapa do PL em São Paulo, ao invés de apoiar a reeleição do prefeito paulistano. “Junto com Tarcísio, que foi o grande cabo eleitoral de Ricardo Nunes, Bolsonaro apoiou um candidato do sistema, uma espécie de tucano em uma coligação com grandes partidos que representam o sistema. Se o Bolsonaro tivesse apostado as fichas pesadas em um cavalo de direita em São Paulo, acho que ele teria vencido”.
Direita antissistema mostra fôlego nas eleições municipais
No balanço das vitórias da direita brasileira, Constantino ressaltou que as urnas apontam que o fenômeno do “antissistema ainda está vivo”, apesar de não ser um movimento majoritário. No segundo turno, o grande expoente do espectro político foi a candidata a prefeita de Curitiba Cristina Graeml (PMB), que obteve 42,36% dos votos válidos e foi derrotada pelo atual vice-prefeito da cidade, Eduardo Pimentel (PSD).
“Essa é a boa notícia, independente do resultado. Em uma disputa apertada, Graeml conseguiu furar a bolha sem partido, sem verba, sozinha, apenas com uma mensagem. Isso prova que as pessoas estão cansadas do sistema de cartas marcadas, podre e carcomido. Não vamos manter as ilusões, o sistema foi o grande vencedor do primeiro turno porque o PSD de Gilberto Kassab foi o partido que fez mais prefeituras”, comentou.
Por outro lado, o colunista criticou as posturas de Marçal na campanha antissistema e disse que as "desconfianças" foram confirmadas após a live do influenciador com Guilherme Boulos. “Existe uma avenida para quem se coloca como antissistema, de preferência com coerência e com o apoio de Bolsonaro, isso faz toda a diferença do mundo.”
Na avaliação do cientista político Aryell Calmon, o “fator Marçal” revela que a direita não tem uma liderança “muito personificada” como Lula é para a esquerda. “A liderança do ex-presidente Bolsonaro está muito mais envolvida em um conjunto de ideias que pode ser incorporada por outros candidatos, como vimos nessas eleições”, compara.
Tarcísio de Freitas pode optar por assumir liderança da centro-direita
Para Calmon, o governador Tarcísio de Freitas tem um estilo mais moderado de se fazer política e pode assumir o papel de líder da centro-direita para concorrer às eleições de 2026.
“Tarcísio está entre os dois pólos: se vai para a centro-direita moderada precisa do aval de Kassab. Se vai para a direita de fato, precisa do aval de Bolsonaro”
Aryell Calmon, cientista político
O desafio é a articulação com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, desafeto de Bolsonaro. “A liderança de centro-direita passa pela tutela de Gilberto Kassab. Ele precisa do aval do presidente do PSD para ter uma propulsão, se ele for para o campo da direita mais moderada. Se ele for para o outro lado, terá que superar o próprio Bolsonaro, pois não há possibilidade de migrar para esse campo sem o aval do ex-presidente”, avalia.
Segundo o cientista político, o pleito paulistano mostra o potencial de Tarcísio e como ele conseguiu reunir forças dentro da política pragmática entre os partidos nos dois primeiros anos de mandato no governo do estado. “A eleição em São Paulo aponta, justamente, para essa força e o Ricardo Nunes deve muito ao governador. Apesar da vitória, o prefeito de São Paulo sai muito menor pelo protagonismo dessas outras forças coordenadas por Tarcísio de Freitas”.
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