O dilema em torno das redes sociais de Pablo Marçal (PRTB), candidato à prefeitura de São Paulo, evidencia que o número de seguidores em plataformas digitais se tornou tão importante quanto o voto depositado na urna. Analistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo apontam que o uso das redes sociais pelos brasileiros influencia como os candidatos traçam suas estratégias.
No último dia 23, Marçal teve as redes suspensas após o Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido da candidata Tabata Amaral, impetrar uma ação alegando abuso de poder econômico por parte do influenciador nas redes sociais. Após a decisão, o empresário criou contas secundárias. Desde a suspensão até o fechamento desta reportagem, Marçal já havia acumulado 3,6 milhões de seguidores — 1,3 milhão a mais que o deputado federal e também candidato à prefeitura paulistana Guilherme Boulos (Psol).
O rápido crescimento de seguidores aponta uma mudança de comportamento no mundo político, que sempre preferiu destacar o número de votos em eleições anteriores como indicativo de sucesso eleitoral.
“Eles fecharam um canal de televisão, praticamente. Eu tenho 3,5 bilhões de marcações no TikTok. Eles encerraram minhas contas lá, encerraram as contas no Instagram. Todo o processo devido precisa de ampla defesa e contraditório”, protestou o influenciador em vídeo para as redes sociais ao comentar a suspensão pela Justiça.
O rápido crescimento de seguidores aponta uma mudança de comportamento no mundo político, que sempre preferiu destacar o número de votos em eleições anteriores como indicativo de sucesso eleitoral. No caso de Marçal, o candidato obteve 243.037 votos em 2022 para o cargo de deputado federal. No entanto, o influenciador aparenta não recorrer a esse indicador.
Apesar de ter sido eleito naquele ano, o então ministro Ricardo Lewandowski, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou o registro de candidatura do influenciador por falta de documentação.
Segmentação feita pelas redes instiga maior engajamento político
Para o professor Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o que explica essa mudança de comportamento tem relação com a profunda transformação que as redes sociais trouxeram para o cenário político contemporâneo. Segundo ele, a tecnologia da informação redefiniu tempo e espaço, afetando seriamente os custos e a especialização da atividade política.
“Os grandes elementos da comunicação contemporânea são o custo, a abrangência e a segmentação. E a segmentação é importante porque você pode criar a mensagem por faixa de renda, por faixa etária, para a população rural e urbana, para pessoas que se identificam com o espectro ideológico mais de centro-direita, de centro-esquerda, mais à direita extremada, mais à esquerda extremada.”
Gomes enfatiza que a comunicação digital, através de plataformas como WhatsApp e Telegram, reduziu significativamente os custos de engajamento e ampliou o alcance das mensagens políticas. Ele também ressalta a importância da segmentação e do fenômeno do filtro bolha, que permite que as mensagens sejam direcionadas de forma precisa, criando comunidades virtuais que compartilham valores e crenças semelhantes.
Brasil é um dos países que mais consome redes sociais
O apelo às redes sociais pelo mundo político encontra respaldo nos números. De acordo com o “Relatório Digital 2024: 5 billion social media users”, publicado em parceria entre We Are Social e Meltwater, em abril deste ano, o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo online, com média de 9h13. A África do Sul ocupa o primeiro lugar, com 9h24.
Outro dado divulgado pela pesquisa é que o Brasil está em terceiro lugar mundial no tempo gasto em redes sociais, com os usuários dedicando em média 3h37 diariamente. Além disso, os brasileiros ocupam a quinta posição no uso do Instagram, evidenciando a relevância dessa rede social como um canal de marketing digital crucial no país: há 78% dos brasileiros adultos engajando no aplicativo.
Ao comentar a influência das redes no marketing político, o engenheiro de software e influenciador digital Lucas Souza (@reidosgifs) afirma que a conversão de seguidores em redes sociais para eleitores é uma realidade no marketing político moderno. “Políticos utilizam as redes para engajar o público, criando uma relação de proximidade e lealdade que facilita essa transformação", explica Souza.
Ele destaca que, apesar da suspensão momentânea das redes de Marçal, o impacto foi minimizado pelo rápido restabelecimento de presença online do candidato, o que pode, inclusive, fortalecer ainda mais a conexão com os eleitores. O influenciador digital acrescenta, citando uma estratégia mais recente do mundo político: combinar realidade aumentada com os tradicionais santinhos de papel. Para Souza, essa abordagem traz um diferencial significativo, especialmente em tempos de redes sociais.
“O santinho com QR code em realidade aumentada oferece uma experiência interativa e moderna, que chama a atenção dos eleitores, especialmente os mais jovens, e os engaja de forma mais dinâmica do que o santinho convencional, podendo também adicionar botões interativos, que levarão para a rede social do candidato.”
Mudança na forma de consumir notícias também tem impactos eleitorais
O comportamento do eleitorado também sofreu alteração com a mudança na forma de se consumir notícias políticas. Com a chegada das redes sociais, o monopólio da produção de notícias saiu das redações de jornal e passou a ser compartilhado pelos aplicativos de mensagens e demais plataformas digitais.
O cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, destaca que a falta de programas jornalísticos locais em regiões mais distantes do país acaba sendo suplantada pelas redes, o que interfere em como o eleitor pensa a política. “Poucos municípios brasileiros têm programas de TV jornalísticos que informam sobre a situação da cidade, da política da cidade. Quando eu faço pesquisas em municípios de pequeno a médio porte, eu sempre pergunto como é que eles se informam sobre a política na cidade e quem aparece disparado em primeiro lugar é o WhatsApp, 70% a 80%”, conta ele.
Cerqueira observa que, em muitos municípios, o WhatsApp é a principal fonte de informação política, seguido por conversas com amigos e parentes. Ele também ressalta as redes sociais como ferramentas fundamentais para candidatos que conseguem engajar e produzir conteúdo relevante. Além disso, destaca que eventos tradicionais, como debates eleitorais, têm repercussão amplificada pelas redes sociais, influenciando a percepção pública sobre os candidatos.
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