Candidato à prefeitura de Porto Alegre pelo PCO, Cesar Pontes, 67 anos, concorre pela primeira vez ao mais alto cargo da capital gaúcha. Em entrevista à Gazeta do Povo, disse que seu trabalho é “fazer com que a população governe” através de conselhos populares.
O IPTU, defende o candidato, é uma das questões em que o envolvimento da população junto à administração pode ser essencial para mudanças nas regras. Cesar Pontes propõe a isenção do imposto para os menos favorecidos. “O IPTU para as pessoas pobres, as pessoas que têm de dois a três salários mínimos de renda, simplesmente não deve existir. Quem tem que pagar isso são os grandes empresários”, reivindica.
Sobre as enchentes que devastaram a cidade de Porto Alegre em maio, Cesar Pontes entende que a prefeitura não fez a tarefa de casa e que é necessário “mobilizar a população, no sentido de pressionar as autoridades, buscando a realização de uma espécie de investigação profunda a respeito das razões que levaram esses senhores ou esse senhor (prefeito Sebastião Melo, do MDB) a não cumprir o seu dever”.
Todos os candidatos à prefeitura de Porto Alegre foram convidados pela Gazeta do Povo para entrevista.
Leia a entrevista com o candidato Cesar Pontes
Quais medidas o senhor pretende adotar, se for eleito, para evitar que Porto Alegre volte a alagar?
Essa questão é uma questão essencial, porque aconteceu o desastre recentemente e o nosso administrador municipal (Sebastião Melo, do MDB) não teve a capacidade de nem mesmo realizar a tarefa de casa que era manter esse sistema que já existia. Então nós achamos que, para resolver esse tipo de problema, temos que mobilizar a população, no sentido de pressionar as autoridades, buscando uma espécie de investigação profunda a respeito das razões que levaram esses senhores ou esse senhor a não cumprir o seu dever e o que deve ser feito a partir de agora para consertar os eventuais problemas.
O orçamento da capital, cerca de 40% dele, é comido pelos nossos credores. Esse dinheiro passa pelo governo do estado, vai para o governo federal e de lá volta um montante irrisório, que mal dá para cumprir os compromissos com o funcionalismo. Então nós não vamos conseguir sair dessa situação enquanto não resolvermos a questão do orçamento. Não adianta dizer para as pessoas que nós vamos consertar isso ou aquilo se não tivermos o dinheiro na mão, possibilidade de fazer isso. E para fazer isso, sem dar o calote na dívida interna municipal, nós vamos ter que apelar para novos empréstimos e vamos comprometer ainda mais o orçamento.
O senhor cita, no plano de governo, que “a primeira e mais primordial política do governo é não pagar mais nenhum centavo para os bancos e garantir que esse orçamento gigantesco possa ser investido no desenvolvimento do país e em programas sociais”. Falando de Porto Alegre, se o senhor for eleito e não pagar aos bancos, não pode haver um tipo de repressão e bloqueio econômico que possa prejudicar a população?
Sim, isso pode acontecer, mas vamos pegar um exemplo: a Rússia está sofrendo uma série de sanções, e todo mundo achava que a Rússia ia quebrar em função dessas sanções, aconteceu o contrário. O Brasil é um país muito grande, que tem muitas riquezas e, em momento de crise - que nós vamos gerar com essa medida - as iniciativas serão tomadas no sentido de fazer com que esses problemas, criados por uma eventual suspensão do pagamento da dívida, sejam compensados com programas que venham a trazer a curto, médio, longo prazo resultados promissores e positivos para a economia.
Nós não podemos deixar de dizer este tipo de coisa, porque a população não pode ser enganada com promessas que não vão ser cumpridas. O nosso trabalho é justamente o de fazer com que a população governe. Nós somos comunistas. No comunismo o estado deve ficar com os meios de produção. Mas quem deve administrar essas riquezas, instituições e empresas que ficam a cargo do estado é a população. Essa é a nossa receita. Não vemos possibilidade nenhuma de solucionar os principais problemas da cidade seguindo o modelo neoliberal, que foi adotado tanto pelo nosso prefeito quanto pelo nosso governador do estado.
Não vemos possibilidade nenhuma de solucionar os principais problemas da cidade seguindo o modelo neoliberal.
Cesar Pontes, candidato do PCO à prefeitura de Porto Alegre
E o senhor fala sobre a necessidade de estatização do transporte público. Mas não explica como isso seria feito na prática. Poderia explicar a viabilidade dessa proposta?
Nós temos empresas, que são poucas, dominadas por um grupo que ganha muito dinheiro com isso, mas o nosso transporte coletivo não é bom, não tem boa qualidade. E com isso a mobilidade da cidade é prejudicada, porque tem muito carro em Porto Alegre e acontece um problema semelhante ao de outras grandes cidades do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro. É uma loucura. Então, em função desse dinheiro que o município paga para as empresas e o retorno do serviço precário, isso aí não serve para nós. Nós pregamos o cancelamento dos contratos dessas empresas e a reestatização delas.
Recentemente uma empresa, a Carris, foi liquidada, está nas mãos de um grupo alemão, mas o serviço não melhorou. Nós acreditamos que a população precisa ter controle sobre todos os serviços essenciais. E o transporte público é um deles. Deveria ser, assim, posto à disposição das pessoas pelo Estado de graça, e não cobrando uma passagem. É um absurdo a passagem que a gente paga por um transporte que não é bom. Quando o transporte coletivo for bom, grande parte desse problema criado, que dificulta a mobilidade da cidade, vai ser naturalmente extinguido, porque grande parte das pessoas, quando tiverem opção de pegar um transporte coletivo público e gratuito, certamente vão deixar o carro em casa e só vão usar no final de semana para passear com a família. Durante a semana o trânsito vai fluir de maneira muito mais tranquila em função dessa opção.
E quais medidas o senhor adotaria para conseguir aplicar essa tarifa zero no transporte público, se eleito?
Bom, isso aí seria uma consequência da força política da população nos apoiando. Um partido, um movimento não consegue fazer um trabalho desses sem o apoio da população. A mobilização da população e a conscientização de que ela precisa participar mais da vida política é fundamental para que qualquer medida de um governo legitimamente eleito consiga realizar um trabalho se valendo desses instrumentos.
Por exemplo, eu me refiro ao não pagamento da dívida interna do município e a utilização dos recursos de maneira mais racional e fiscalizada pela população. A população precisa ter consciência disso, não pode entregar a delegação de poderes para um grupo restrito de pessoas que vão acabar administrando para os ricos. É isso que tem acontecido em Porto Alegre e isso acontece na maioria das cidades. As pessoas votam, voltam para casa para cuidar das suas questões privadas e entregam a responsabilidade para um grupo restrito de pessoas, sem realizar nenhum tipo de fiscalização, sem acompanhar, sem ter nenhum controle. Então isso aí favorece a corrupção, favorece medidas abusivas, desvio de verbas e promiscuidade na administração pública.
No seu plano de governo, o senhor traz o estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) que calcula que o salário mínimo hoje deveria ser de R$ 7 mil. Considerando o quadro de funcionários de Porto Alegre, que passa de 33 mil pessoas, e o orçamento da cidade, o senhor avalia ser possível ampliar o salário mínimo para esse valor, se eleito? Há uma previsão de como o senhor mexerá no orçamento para deslocar esse valor?
Nós precisamos tratar desse assunto com seriedade. O salário mínimo que nós temos é uma vergonha, nós temos aí o funcionalismo público bastante prejudicado. O funcionalismo metropolitano recebe um pouco melhor do que o funcionalismo do estado, mas de qualquer maneira isso precisa ser estudado, com participação da população, das entidades da sociedade, dos técnicos, para se discutir uma saída que seja viável dada a realidade que nós vivemos.
Agora nós afirmamos o seguinte: esses problemas que dizem respeito a salário, educação, saúde, mobilidade social, moradia e outros mais não vão ser resolvidos em quatro anos. Somos muito francos em dizer isso. Os candidatos que afirmarem que em quatro anos vão resolver essas questões estão faltando com a verdade. Eles estão fazendo demagogia, porque nós não temos condições de fazer isso. Veja que a nossa dívida municipal pública é de cerca de R$ 1,6 bilhão - esse foi o dado que me passou o meu assessor.
Em cima disso aí, a gente pode dizer o seguinte: as mudanças vão começar a acontecer se os porto-alegrenses se organizarem, se inspirarem e lutarem por conquistas que vão beneficiar diretamente as suas vidas. Sem isso, não é possível realizar nenhuma espécie de mudança. Um grupo determinado ou um partido não tem poder para isso. E vai ter que fazer o jogo do mercado para poder ter alguma governabilidade. Nós queremos ter governabilidade e, para garanti-la, nós precisamos do apoio da população.
O senhor diz no plano de governo que “a prefeitura deve lançar um programa gigantesco de obras públicas e, com ele, deve focar na criação de muitos empregos”. Como funcionará esse programa? Seriam obras para que área? Qual o valor que será investido? E quantos empregos deve gerar?
Eu não tenho uma ideia exata ainda disso. Nós precisaríamos fazer um estudo mais pormenorizado, setorial, para ver quais são os bairros que foram mais atingidos, por exemplo, por essa enchente de maio, e outros tantos problemas em comunidades da periferia e também incluir na resolução desses problemas a utilização de prédios que estão vazios, para especulação imobiliária. Temos que nos reunir com todos os movimentos que querem resolver o problema e que estão se movimentando para ocupar esses prédios que não estão cumprindo a função social deles. Esse é um trabalho muito complexo, não dá para a gente fazer promessas em cima disso aí, muito menos ainda afirmando que vai resolver isso aí em poucos anos, porque que isso não é possível.
Mas a gente pode começar a resolver esses problemas a partir das diretivas que nós temos e que estamos apresentando aos porto-alegrenses, para que eles reflitam com profundidade e escolham um plano, um projeto apresentado pelos candidatos, que não tenha o viés do que normalmente os candidatos dos grandes partidos costumam apresentar, que são promessas vazias, que acabam não sendo concretizadas, por interesses de outros. Interesses dos grandes capitalistas, dos bancos, enfim, os interesses econômicos poderosos da cidade acabam se impondo, porque os parlamentos acabam sendo bombardeados pelo lobby das grandes empresas e é uma maneira sutil de corromper esses parlamentares, porque eles acabam traindo os segmentos que deveriam representar. E passam a não representar, porque, vou utilizar uma palavra meio forte, entre aspas: eles são "comprados" pelo mercado para atender os interesses do mercado e não os interesses da cidade, ou seja das pessoas.
O plano de governo diz ainda que “não faz parte de nosso programa governar com a Câmara de Vereadores composta de mafiosos e bandidos”. Mas a existência e participação da Câmara de Vereadores está na Constituição e tem o papel de legislar, criando leis que melhorem a cidade e beneficiem os cidadãos. De que forma o senhor pretende governar sem a Câmara Municipal? A ideia é extingui-la?
O poder legislativo da Câmara Municipal é um poder que deve ser utilizado sob o controle da população, é isso que nós imaginamos. Como funciona nas atuais condições, consegue realizar muito pouca coisa, são verdadeiras migalhas. Por quê? Porque o mesmo tipo de chantagem, de expediente e de pressão exercida pelo poder econômico nas Assembleias Legislativas ocorre também na Câmara Municipal. Nós vivemos o mesmo problema e não temos que vender ilusões, a sociedade porto-alegrense precisa se conscientizar que seus problemas fundamentais só vão ser resolvidos com a participação dela.
Participação e poder decisório da população. Cada bairro deve se organizar a partir de conselhos populares, realizar reuniões, chamar técnicos - se for necessário consultar esses técnicos, mas quem tem que decidir a resolução dos problemas que dizem respeito a cada bairro e à cidade em geral deve ser a população, através desses conselhos. Sem isso, nós vamos perpetuar ad eternum o sistema viciado que nós temos, que é esse sistema representativo que, na realidade, não nos representa há muito tempo.
Em relação à realidade de camelôs e ambulantes, o senhor diz que a “questão do excesso de vendedores de rua se resolve com a geração de novos empregos”. O senhor poderia explicar melhor essa proposta? Como pretende gerar empregos e garantir que sejam ocupados por essa parcela da população?
Nós temos esse problema, que é de todas as grandes cidades. O modelo que está sendo utilizado na nossa política econômica está esgotado. É um modelo neoliberal, que coloca o nosso país em situação de subserviência a interesses poderosos externos. E isso se reflete na administração municipal de uma maneira muito contundente, porque é um município que recebe uma quantia menor do repasse que o governo federal faz de toda a receita, de todo o mundo fiscal que é direcionado para o governo federal e volta sempre grandemente desidratado. Então nós podemos começar a resolver esse problema utilizando esses vendedores ambulantes, como centrais, aliás existe mais de um, mas o principal camelódromo fica no Centro Histórico, espaço em que pequenos empreendedores, pessoas que têm um negócio próprio e tentam viver disso, podem realizar o seu trabalho em melhores condições.
Nós temos muitas pessoas que vieram inclusive de outros países - do Senegal, por exemplo - eu já tive oportunidade de conversar com alguns deles. E a grande preocupação deles não é a polícia. O que incomoda faz com que eles estejam sempre em situação de alerta, de prontidão, é a fiscalização da cidade, a fiscalização metropolitana que vive multando, prendendo, recolhendo seu material, impedindo que eles sobrevivam.
Nós temos que encontrar uma saída também discutida com a sociedade porto-alegrense, com técnicos e com as próprias pessoas que fazem esse tipo de negócio, que não venha a prejudicar a cidade e que traga possibilidade para que vivam do negócio deles de maneira sustentável. O que não pode é haver uma preocupação do poder público em simplesmente reprimir essas pessoas, e nós não vamos resolver o problema assim. Nós temos que resolver o problema na base do diálogo, envolvendo os porto-alegrenses, e oferendo alternativa mais viável para curto, médio e longo prazo de resolver esse problema. Devemos ter a consciência de que isso deve ser realizado de uma maneira muito democrática.
No seu plano de governo está escrito que “assim como todos os impostos, os trabalhadores devem ter o seu IPTU reduzido. Quem deve sustentar o orçamento do Estado são os ricos, e não a classe trabalhadora”. Há um estudo de como ficaria o IPTU para os trabalhadores? E um levantamento que mostre quem são os trabalhadores, onde eles estão e quem são os ricos?
Primeiro quero esclarecer o seguinte: a minha candidatura não é propriamente uma candidatura individual. A eleição para nós é um meio, não é um fim. Nós não acreditamos no sistema vigente, não acreditamos em reformas, não acreditamos que o parlamento vai resolver os problemas da sociedade. O estado, que é um conjunto de instituições, é um estado burguês e existe justamente para manter o status quo. Não temos ilusões de que através das instituições nós vamos resolver os problemas da cidade e do país, nós temos muita consciência disso. Então é justamente por isso que nós afirmamos que o nosso trabalho é fazer com que a população governe.
A questão do IPTU pode ser resolvida através de uma administração que contemple justamente esse programa de envolvimento da população junto com aqueles que vão receber a atribuição de comandar. Sem isso, nós não vamos resolver esse problema. O IPTU para as pessoas pobres, que têm de dois a três salários mínimos de renda, simplesmente não deve existir. Quem tem que pagar isso são os grandes empresários, as pessoas que ganham um salário que representa muito mais do que cinco salários mínimos, que ganham R$ 10 mil, R$ 15 mil, R$ 20 mil e por aí afora.
Nós entendemos que é dessa forma que vamos corrigir gradativamente esse abuso, porque é uma barbaridade o que a gente paga de imposto. E é a população mais desfavorecida que paga mais imposto. Os grandes ricos driblam as regras, eles têm os seus acertos com as administrações públicas e acabam se safando disso. E é isso que faz deles justamente o que eles são: ricos.
Candidato, a palavra educação só aparece duas vezes no seu plano de governo e na parte introdutória, onde o senhor explica sua visão sobre a cidade. Dessa forma, não há uma parte destinada a propostas para essa área. O que o senhor fará pela educação do porto-alegrense se for eleito?
Assim, a atribuição do prefeito diz respeito apenas à nossa cidade. A situação dos professores do município é melhor do que a dos professores do estado. Mas de qualquer maneira existe uma discordância com relação, por exemplo, à base salarial de 20 horas, que diz respeito a essa função de professor. Nós temos, por exemplo, um professor da rede municipal recebendo cerca de R$ 2.474 por 20 horas, isso é contestado. É um dado no Tribunal de Contas do Estado, mas existe outro órgão aí do Inep que contesta isso, diz que os professores ganham R$ 10,9 mil. Existe uma diferença muito grande do que é defendido pelo Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) e os dados que são fornecidos por esse instituto do Inep. Isso precisa ser resolvido de uma maneira bastante transparente, com audiências, mobilizando professores, técnicos e população através de seus representantes escolhidos pelos conselhos populares.
As nossas escolas apresentam muitos problemas: goteiras, falta de porta, de banheiros, de material. Tem muitas crianças que frequentam as escolas do município simplesmente para se alimentar, que não têm alimentação em casa. Então nós temos que desdobrar isso também e precisamos dar uma resposta a essas carências. A gente só terá condições de dar uma resposta tocando naquele assunto que inicialmente eu falei, que diz respeito à suspensão do pagamento da dívida pública municipal.