A candidata do PSTU à prefeitura de Recife, Simone Fontana, promete romper todos os contratos de parceria público-privada (PPP) vigentes no município, acabar com as privatizações e enfrentar os mais ricos que, segundo ela, estão lucrando com os problemas da cidade.
Professora da rede pública de Recife, Simone Fontana já concorreu aos cargos de vereadora, prefeita, deputada federal e senadora, mas não foi eleita. Entrevistada pela reportagem da Gazeta do Povo, a candidata defende a legalização do aborto e a educação sexual e de gênero nas escolas.
Todos os candidatos à prefeitura de Recife foram convidados pela reportagem da Gazeta do Povo para entrevista.
Leia a entrevista com a candidata Simone Fontana
Por que a senhora decidiu se candidatar para a prefeitura de Recife?
A prefeitura apresenta o Recife que não existe na vida real, gastou mais de R$ 70 milhões em propaganda e muitas obras de fachada, o que fez com que ele [o prefeito João Campos] tivesse uma grande aprovação. Mas o Recife da vida real é uma nas cidades mais desiguais do Brasil e tem problemas crônicos na saúde e no saneamento, sofre com desemprego, problemas de fome e de miséria, enquanto existem poucos bilionários usufruindo da riqueza.
Então, nossa candidatura é para colocar em xeque isso e, embora haja candidaturas de oposição, principalmente oposição de direita, que está mais bem colocada nas pesquisas, elas não apresentam alternativas aos problemas estruturais que a cidade vive. Minha candidatura está a serviço da população, da classe trabalhadora, e para apresentar uma transformação social que a gente precisa não só no Recife, mas no Brasil e no mundo.
A prefeitura apresenta o Recife que não existe na vida real e as candidaturas de oposição da direita não apresentam alternativas aos problemas estruturais da cidade.
Simone Fontana, candidata do PSTU à prefeitura de Recife
A senhora mencionou a questão da desigualdade. Um estudo do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) mostrou Recife em segundo lugar no Mapa da Desigualdade entre as capitais brasileiras. Quais as propostas da senhora pra enfrentar esse problema?
Primeiro a gente tem que sanar o desemprego, que é uma grande praga para a população, em especial os mais pobre. A gente tem, na cidade, mais pessoas desempregadas do que pessoas com carteira assinada. E uma coisa que não aparece nas pesquisas, em relação ao desemprego, e que acaba mascarando esse desemprego, que é muito maior do que é apresentado, é porque colocam quem trabalha por conta própria. Por exemplo, colocam o advogado que trabalha por conta própria junto com o vendedor de água mineral como se fosse tudo empreendedorismo, a grande palavra que os políticos estão utilizando, mas que na verdade são pessoas que trabalham de manhã para conseguir comer à noite. Essas pessoas muitas vezes não estão na lista do desemprego, assim como os trabalhadores pejotizados, que são aqueles que abrem uma empresa jurídica e não têm nenhum direito garantido, como férias, 13º salário, licença-médica. Então, esses trabalhadores, na nossa opinião, também são trabalhores desempregados.
A gente tem, na cidade, mais pessoas desempregadas do que pessoas com carteira assinada.
Simone Fontana, candidata do PSTU à prefeitura de Recife
Então, duas posições nossas que temos demonstrado com força são: o plano de obras com empresas públicas para sanar os problemas de déficit de creche, escolas, postos de saúde, saneamento básico, moradia, contratando diretamente os trabalhadores; e redução da jornada de trabalho sem a redução de salário. Porque isso, além de deixar o trabalho mais eficiente, abriria vagas para a contratação de praticamente o dobro dos trabalhadores que estão empregados hoje. Existe uma organização chamada VAT, que significa “vida além do trabalho”, um grupo que está questionando o excesso das horas de trabalho que está deixando as pessoas sem direito a mais nada. Esse é o principal ponto em relação a enfrentar essa desigualdade. E, logicamente, a gente tem que fazer isso taxando os bilionários, com IPTU progressivo, IRPF progressivo, porque tem muitos bilionários nessa cidade que pagam, percentualmente, menos impostos do que um professor que trabalha dois horários. A nossa nossa proposta é sobretaxar as grandes fortunas da cidade.
Outro problema de Recife é a quantidade de pessoas morando em áreas de risco. Qual a sua proposta para a área de habitação?
A gente tem um plano de obras públicas para zerar o déficit habitacional que existe na cidade. Também existem vários imóveis com dívidas do IPTU que têm que ser expropriados, além de mais de 50 mil imóveis desocupados, principalmente pertencentes a famílias de alto poder aquisitivo. Nossa proposta é expropriar esses imóveis e garantir moradia para o povo. Não pode haver um imóvel desocupado e as pessoas arriscando a vida em áreas áreas de risco. A gente vê que, depois da tragédia das enchentes de 2022, pouco foi feito em relação a essas famílias, que ainda aguardam um lugar seguro para viver ou, às vezes, voltam para o mesmo lugar sem segurança. E a prefeitura se limita a fazer um exercício de fuga no momento de emergência. O que a gente quer é que essas pessoas durmam tranquilas em dias de chuva, não que elas fiquem sempre assustadas. A gente precisa garantir isso para toda a população.
A proposta da maioria dos candidatos para a segurança pública envolve o armamento da Guarda Municipal. Qual a opinião da senhora sobre esse tema e quais outras propostas tem para a área?
Nós somos contra o armamento da Guarda Municipal porque isso, na verdade, é um caminho para a militarização e a gente defende a desmilitarização, inclusive da Polícia Militar que, embora não seja da alçada da prefeitura, é uma bandeira que a gente carrega. Nessa militarização a gente vê a questão da hierarquia, os soldados que se submetem a ordens hierárquicas com as quais, muitas vezes, eles não concordam, e são punidos. A gente precisa ter uma segurança voltada para preservar a vida das pessoas, e o que a gente tem na cidade hoje não é isso. Em 2011, por exemplo, todas as pessoas que morreram pelas armas dos policiais foram pessoas negras, jovens negros. Então, essa questão da militarização traz mais violência para esse setor da população.
A senhora acha que a Guarda Municipal iria ter a mesma postura da Polícia Militar?
Simone Fontana: Não, eu estou falando que essa questão do armamento da Guarda é um passo para a militarização, e nós estamos contra a militarização, porque a gente vê o que é a Polícia Militar. Então, nós somos contrários ao armamento da Guarda. A gente vive na segunda cidade mais desigual, e logicamente essa violência é fruto dessa sociedade dividida em classes, né? Pobres e ricos.
A gente precisa sanar esses problemas em relação ao desemprego, dar perspectiva para a juventude, de empregos, estudos, lazer e acesso à cultura. Também precisamos preservar principalmente as vidas daqueles que são inocentes, que são mortos: as mulheres, as pessoas trans. Nós estamos num estado que é campeão de assassinatos de pessoas trans. Temos de enfrentar esses problemas que também têm a ver com a violência e garantir emprego para todos, além de ruas iluminadas, e não essas saídas que a maioria dos candidatos colocam de investir mais em repressão do que na solução dos problemas estruturais que a cidade e o estado vivem.
A senhora falou que o prefeito João Campos tem mostrado muita coisa na propaganda que não tem acontecido de fato na cidade. O que os programas eleitorais estão escondendo, na opinião da senhora?
O que ele está escondendo é o déficit habitacional. Inclusive, numa entrevista, perguntaram a ele sobre as 70 mil pessoas sem moradia, e ele falou que não eram 70 mil, e sim 50 mil, como se fosse um número baixo. Ele está escondendo que metade da população do Recife não tem saneamento básico. Em muitas áreas, principalmente na periferia, não chega água na torneira, são 15 dias para chegar água na torneira. Ele está escondendo também o déficit de creches, que ele está agora tentando resolver com essas creches parceiras e se envolvendo num escândalo por isso. Também a questão da saúde, os problemas dos postos de saúde são críticos. Construção de hospitais não sana os problemas da saúde, pois a gente precisa de pessoas qualificadas para atender a população.
E o desemprego. Qual é a alternativa que ele apresenta ao desemprego? É só empreendedorismo, empreendedorismo? A gente sabe que o empreendedorismo é viração, né, não é emprego. A gente tem que ter emprego digno, salário justo. E a questão da educação, porque o prefeito durante dois anos não pagou o percentual do piso salarial dos professores, só no início da carreira, o plano de cargos e carreira não foi respeitado. São inúmeros os problemas que a cidade vive, mas que ele está fazendo muitas obras que mascaram essa realidade.
Qual a opinião da senhora sobre as parcerias com empresas privadas que têm sido feitas, as concessões de equipamentos públicos, como creches, praças, hospitais?
Simone Fontana: Ele está colocando Recife à venda. O ginásio Geraldão passou anos em reforma, e está na parceria público-privada. As creches, beneficiando apadrinhados políticos do prefeito. Além disso, a gente vê nessas parcerias que o dinheiro, em vez de ir diretamente para as creches, vai para as empresas privadas, que logicamente tira a parte delas. Então, isso é diminuição do montante de dinheiro para as creches e também para os postos de saúde.
Fora as organizações sociais que gerenciam o hospital da mulher, o hospital do idoso. Essas empresas levaram nos últimos cinco anos mais de R$ 1,5 bilhão de verba da saúde. Nós somos contra isso. A gente acha que o orçamento da cidade deve ser investido diretamente nessas obrigações que a prefeitura tem, e que ele está, de certa forma, privatizando através dessas parcerias. Nós propomos romper todos esses contratos.
Durante a sua campanha, a senhora tem conversado com a população e tem recebido essa opinião também? A senhora acredita que a população é contra essas parcerias com o setor privado?
Eu vou dar um exemplo do que acontece: há um déficit de creches que acaba prejudicando principalmente as mulheres que utilizam esse serviço para poder trabalhar e garantir a alimentação do filho no momento em que está trabalhando. As pessoas, quando chegam na creche ou nos postos de saúde, acham que ali é a prefeitura. Não é exposto o outro lado da moeda dessas parcerias, que é a quantidade de dinheiro que está enriquecendo as empresas que estão gerenciando esses postos de saúde, creches, praças.
Essa conta quem está pagando é a gente, são os inúmeros impostos que os trabalhadores pagam. A empresa privada sempre vai tirar o bolo dela para garantir o lucro, não é à toa que muitas dessas empresas estão ricas, né? Se está gerenciando um hospital, ela vai tirar a parte do lucro, não vai ter um trabalho de graça, a conta vai sair. Por isso que a nossa campanha tem tentado dialogar muito e abrir esse debate sobre o significado dessas parcerias.
A senhora falou que pretende revogar todos esses contratos. A prefeitura consegue resolver e pegar para si tudo o que precisa ser feito?
Consegue, sim. O que está acontecendo é que a prefeitura está esvaziando as suas obrigações para dar para terceiros. Eu sou professora da rede municipal do Recife, me aposentei recentemente, e quando eu comecei, todos eram trabalhadores da prefeitura. A merendeira, o vigia, a pessoa que varria, todo mundo era funcionário da prefeitura. Hoje, são empresas terceirizadas. A prefeitura paga essas empresas, que vão repassar para os funcionários e, muitas vezes, atrasam salários, atrasam o vale-refeição, é um escândalo.
A merenda era feita dentro da escola, na cozinha, e hoje em dia, a empresa terceirizada Nutri Alimentação levou R$ 100 milhões só em 2023. Então, os custos eram bem mais baixos, e a gente tem como organizar. O negócio é que a prefeitura prefere trazer essas empresas péssimas que acabam levando uma grande fatia do orçamento. Foram R$ 670 milhões só da pasta da Educação em terceirizações em 2023. É muito dinheiro.
E o trânsito de Recife, como se resolve?
Simone Fontana: O problema é que a maioria das cidades quer resolver o problema do trânsito abrindo ruas, alargando, muitas vezes desalojando pessoas, desapropriando casas para poder passar uma ponte. Recentemente, aqui na ponte do Monteiro foi feito isso, toda a Vila Esperança foi desalojada para passar uma ponte que o prefeito fez. Aí você abre uma rua, o trânsito desafoga um pouco e daqui a pouco volta a ficar congestionado.
A gente precisa investir em transporte público de qualidade. Os ônibus são sucateados, demoram pra chegar, as pessoas passam muito tempo na parada de ônibus, são poucas as faixas exclusivas de ônibus, então as pessoas acabam utilizando o carro particular que polui a cidade e congestiona as ruas. Se a gente tivesse um transporte público, um metrô - que apesar de não ser da alçada da prefeitura, a gente pode estimular e lutar para que tenha qualidade - se a gente tivesse transporte sobre trilhos de qualidade... Estimular as pessoas a usarem o transporte público, e isso só pode ser feito se for de qualidade.
Para isso, é necessário estatizar o transporte público, que está nas mãos também nas empresas privadas. Estão lucrando cada vez mais com o sofrimento das pessoas, porque elas ficam nas paradas de ônibus sozinhas, demora, é quente, é caro. Principalmente para a população mais pobre, o transporte público é muito caro. Eu defendo tarifa zero, estimular as pessoas ao transporte público e também o uso da bicicleta, investir em ciclovias. As ciclovias que a prefeitura faz não são interligadas e são utilizadas mais para lazer do que para transporte, mas se você for a uma fábrica, a um shopping, vai ver a quantidade de bicicleta estacionada, porque o pessoal usa mesmo. É um transporte barato, mas não é seguro, né? Não é seguro porque não tem ciclovias bem feitas.
Como mulher e professora, quais as suas propostas para essas áreas?
Na sexta-feira (27), nós participamos de uma atividade muito importante na Praça da Base, pois no sábado foi o dia latino-americano da justiça reprodutiva e legalização do aborto. Nós defendemos essa bandeira da descriminalização e legalização do aborto porque essa criminalização condena as mulheres, principalmente as trabalhadoras e as mais pobres, e as pessoas que geram, porque não têm acesso a um serviço seguro e, muitas vezes, ficam com sequelas ou morrem vítimas de aborto mal feito. Isso é um problema de saúde pública, não é um problema moral nem de polícia.
Não debater isso leva os setores conservadores a querer avançar, inclusive, onde o aborto já é legal, quando as mulheres são vítimas de estupro. É uma bandeira de luta da gente acabar com essa hipocrisia, pois sabemos que nos países onde o aborto foi legalizado tem menos abortos e menos mortes. E aqui no Brasil, mesmo os lugares que realizam abortos legais são sucateados. E sobre a educação, a gente quer construir uma educação que aborde educação sexual e educação de gênero, para acabar com o machismo, com a LGBTfobia. A gente quer uma sociedade mais humana, uma educação humanizadora, e não do jeito que se vê hoje em dia.
O que só a senhora pode oferecer para a cidade do Recife?
Simone Fontana: Nós estamos nessa campanha dialogando. A gente participou da greve dos motoristas de ônibus, fomos na assembleia dos Correios, assembleia de professores, fomos também conversar com os trabalhadores do metrô, andamos em algumas comunidades. Então, a gente está dialogando, apresentando as nossas propostas, levando as pessoas a refletirem sobre essa situação que a gente vive, em relação ao desemprego, à moradia, à educação. E a gente está conseguindo. É importante que as pessoas entendam que existem saídas e que os problemas podem ser resolvidos se a gente colocar o orçamento da cidade a serviço da população, e não dos grandes empresários, que são os que se beneficiam do orçamento da cidade.
Nós temos propostas e estamos apresentando, mas são propostas de enfrentamento aos mais poderosos que estão usufruindo do orçamento público, que estão se beneficiando dos problemas que a cidade tem. Eu preciso enfrentar esses bilionários para colocar a cidade a serviço da população.
Qual é a principal bandeira da sua campanha?
A minha principal bandeira é enfrentar os bilionários da cidade e colocar o orçamento a serviço da população do Recife, a serviço dos problemas mais importantes que a cidade enfrenta hoje. A gente coloca como forma de governar os conselhos populares, que são conselhos que a gente defende eleitos nos locais de moradia, nos locais de estudo, de trabalho, nos sindicatos. E, nesses conselhos populares, decidir sobre os principais problemas que a gente deve enfrentar e, junto com os conselhos, a gente governar.