Em entrevista à Gazeta do Povo, o deputado federal Tarcísio Motta (Psol), candidato à prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições de 2024, criticou duramente a gestão de Eduardo Paes (PSD), afirmando que o atual prefeito promove "uma falsa solução" para os problemas da cidade, especialmente na área de mobilidade urbana. Segundo Motta, Paes usa "obras eleitoreiras" e se beneficia de uma campanha fria, sem propor mudanças reais para os cariocas.
O candidato Tarcísio Motta também defendeu que a candidatura dele representa a "verdadeira alternativa de esquerda na disputa", ao contrário de Eduardo Paes, que, segundo ele, "não cumpre acordos e governa para a elite". E acrescentou: "O Rio de Janeiro precisa de uma mudança real, e não de promessas vazias ou alianças com interesses escusos".
Além das críticas à gestão atual, Tarcísio Motta apresentou propostas para enfrentar questões centrais da cidade, como a segurança pública, por meio da desmilitarização da Guarda Municipal, e a redução das desigualdades com programas sociais robustos. Ele destacou que o financiamento dessas iniciativas viria de uma reorganização orçamentária, priorizando investimentos na população e cobrando grandes devedores do município. "O dinheiro existe, mas está sendo mal utilizado", afirmou.
Todos os candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro foram convidados pela reportagem da Gazeta do Povo para entrevista.
Confira a entrevista com o candidato Tarcísio Motta
Ao contrário dos seus adversários, o senhor se coloca contra o armamento da Guarda Civil Municipal e defende a desmilitarização da corporação. Por que?
Tarcísio Motta: Colocar armas de fogo na mão dos guardas municipais do Rio de Janeiro só vai aumentar o número de tiroteios, balas perdidas e mortes. O guarda, inclusive, vai virar alvo de criminosos. A Guarda Municipal pode e deve contribuir para a segurança na cidade, mas de forma preventiva, não ostensiva. Não podemos confundir o papel da Guarda com o das polícias Civil e Militar. A desmilitarização é necessária porque a formação da Guarda muitas vezes espelha a lógica militarizada da Polícia Militar, o que é um equívoco. Precisamos de uma Guarda valorizada, com ouvidoria externa independente e focada na mediação de conflitos.
Segundo os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio, só a cidade do Rio teve mais de mil homicídios dolosos em 2023, o que corresponde a um terço de todos os homicídios registrados no estado. Como a prefeitura do Rio pode contribuir para reduzir esse número?
A prefeitura precisa coordenar um Plano Municipal de Redução da Violência. Embora o comando das polícias seja do estado, a prefeitura pode agir no território de forma preventiva, baseada em evidências e metas. Um plano integrado que envolva governos federal, estadual e municipal é essencial para combater crimes nos bairros mais afetados. Por exemplo, em Bangu, onde o roubo de carros é mais frequente, devemos trabalhar em conjunto com as forças de segurança. Em outras áreas, como Bonsucesso, o foco pode ser em crimes como feminicídio, com ações educativas e patrulhamento específico.
Qual seria o principal aspecto que o senhor destacaria nesse planejamento?
O principal aspecto é a coordenação baseada em evidências e dados. Saber onde os crimes ocorrem e o tipo de crime é essencial para direcionar as ações. A prefeitura pode contribuir com medidas como iluminação pública, câmeras de segurança, melhorias no ambiente urbano e integração das políticas públicas com as forças de segurança.
No seu programa de governo, está prevista a criação de diversos programas sociais, como Rio Fome Zero, Sextou Carioca, Rio Sobre Trilhos, Habita Rio e o Funcreche. No caso deste último, o senhor apontou de onde sairiam os recursos. Mas falando como um todo, como a prefeitura do Rio pode arcar com tantos programas?
O dinheiro existe, mas hoje ele é mal investido. Parte do orçamento vai para obras eleitoreiras, cargos comissionados e publicidade. Podemos reorganizar esses recursos para a população. Além disso, vamos cobrar os grandes devedores do município, como bancos e operadoras de celular, que juntos devem cerca de R$ 800 milhões. Esse valor poderia resolver o problema da fome no Rio. A gestão eficiente do orçamento, aliada à cobrança desses devedores, garantirá o financiamento dos programas sociais.
No plano federal, o Psol é aliado do governo Lula. Mas, caso seja eleito prefeito, como irá negociar com um governo estadual antagônico ao seu?
O diálogo será republicano e democrático. Como prefeito, vou coordenar as políticas públicas nos territórios, em parceria com o governo estadual, independentemente das divergências ideológicas. Fui vereador junto com Cláudio Castro, e sempre tivemos nossas diferenças, mas isso faz parte da democracia. O importante é que ambos queremos resolver os problemas da cidade, e a integração entre governo estadual e municipal é fundamental para áreas como mobilidade e segurança.
O BRT (Bus Rapid Transit, que em português significa ônibus de trânsito rápido) tem sido um ponto de destaque durante os debates eleitorais. Como o senhor pretende resolver a questão do BRT e da mobilidade na cidade?
A solução para a mobilidade passa pela integração dos modais. Enquanto o BRT competir com o metrô e o trem, teremos problemas. Precisamos integrar tarifas e modos de transporte, e isso só será possível em parceria com o governo estadual. Nossa proposta inclui a municipalização da linha de barcas da Ilha do Governador, que será o primeiro transporte aquaviário de tarifa zero no Rio de Janeiro.
Faltou vontade política para fazer essa integração?
Sim, faltou. O que temos hoje é um cálculo oportunista, em que tanto Eduardo Paes quanto Cláudio Castro querem mostrar que cada um faz melhor que o outro, sem integrar as soluções. Isso impede que a população receba um transporte de qualidade e um sistema de segurança eficiente. Vamos garantir transparência pública e pressionar para que a integração seja realizada.
O que temos hoje é um cálculo oportunista: tanto Eduardo Paes quanto Cláudio Castro querem mostrar que cada um faz melhor que o outro, sem integrar soluções.
Tarcísio Motta, candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro
Antes da campanha começar, o senhor chegou a dizer que o PT não poderia caminhar junto com Eduardo Paes. A campanha se iniciou e o PT liberou seus membros no Rio para apoiarem candidatos. Faltou uma maior articulação do Psol para angariar um apoio integral do PT?
O presidente Lula cumpriu o acordo com Eduardo Paes, mas o Eduardo não cumprirá seu compromisso com o PT em 2026. Já alertei os petistas sobre isso. O erro do PT foi apoiar uma prefeitura que joga bombas em professores e promove remoções em massa. Parte da militância petista está comigo, mesmo que a burocracia partidária tenha escolhido o caminho errado. Eu aposto no eleitor do Lula, que sabe que a saída para o Rio é pela esquerda, não em acordos de gabinete.
O presidente Lula cumpriu o acordo com Eduardo Paes, mas o Eduardo não cumprirá seu compromisso com o PT em 2026.
Tarcísio Motta, candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro
Hoje, o Eduardo Paes conta com apoio do Palácio do Planalto, mas também com integrantes do PL, como é o caso do senador Romário. Juntando esse fator com as recentes pesquisas, que mostram Paes muito à frente, como o senhor avalia a sua candidatura nesse contexto?
Paes é o candidato mais conhecido e tem a máquina nas mãos. Ele trabalhou para esfriar a eleição, mas a decisão acontece nas últimas semanas. Em 2018, quando fui candidato a governador, as pesquisas me davam 1% uma semana antes da eleição, e terminei com 10% no estado e 15% na capital. A nossa campanha cresce nas últimas semanas, e estou confiante que isso acontecerá novamente. Estamos com tudo na rua e nas redes sociais para recuperar o voto da esquerda.
Paes trabalhou para esfriar a eleição, mas a decisão acontece nas últimas semanas.
Tarcísio Motta, candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro
A última pesquisa Quaest* apontou que o senhor é desconhecido por 37% do eleitorado. Acha que isso explica os números dos recentes levantamentos?
Sim, há um desconhecimento do meu nome por parte do eleitorado, o que influencia nos números. Mas estamos trabalhando para mudar isso nas últimas semanas, com mais presença nas ruas e nas redes sociais. Acredito que, quando as pessoas conhecerem nossas propostas, veremos uma virada nas urnas.
Polarização não colou no caso do Rio de Janeiro?
A polarização não se materializou no Rio porque o eleitor está com medo da mudança. O Rio de Janeiro já tentou mudar antes, com Crivella e Witzel, e deu errado. Esse medo fortaleceu Eduardo Paes, que está aproveitando para dizer que representa a solução. O nosso desafio é mostrar que podemos ter uma mudança para melhor, sem repetir os erros do passado, e que a cidade merece mais do que apenas uma gestão que mantém as coisas como estão.
*Metodologia: 1.140 entrevistados pela Quaest entre os dias 8 e 10 de setembro de 2024. A pesquisa foi contratada pela Globo Comunicação e Participações SA/TV/Rede/Canais/G2C+Globo Globo.com Globoplay. Confiança: 95%. Margem de erro: 3 pontos percentuais. Registro no TSE nº RJ-05862/2024.