Bispo Edir Macedo (à esquerda) e pastor Silas Malafaia (à direita)| Foto: Montagem Gazeta do Povo (Alan Santos e Marcos Corrêa/Presidência da República)
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A disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro está no radar dos pastores Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Ambos evangélicos, os líderes estão em grupos políticos opostos e se articulam nos bastidores para apoiarem o deputado federal Alexandre Ramagem (PL) e o prefeito Eduardo Paes (PSD).

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A disputa entre os dois teve impacto decisivo na escolha do vice na chapa encabeçada por Ramagem. O nome da deputada estadual Tia Ju (Republicanos) chegou a ser cogitado para o cargo, mas foi vetado por Macedo, que controla o Republicanos. Nos bastidores da política carioca, a decisão foi vista como parte do embate que o presidente da Igreja Universal tem com Malafaia, um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e da candidatura de Ramagem. Com a negativa, o PL escolheu montar uma chapa “puro-sangue” e anunciou a deputada estadual Índia Armelau (PL) como vice.

Por outro lado, a preferência de Edir Macedo por Paes, mesmo que de forma implícita, também é vista no mundo político como estratégica. Apesar de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) ter sido adversário do atual prefeito na última eleição municipal, o favoritismo de Paes na disputa pode levar o bispo da Universal a negociar posições e cargos dentro da prefeitura do Rio.

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No último dia 28 de julho, o prefeito do Rio chegou a participar de um evento com Macedo no Templo de Salomão em comemoração aos 10 anos de existência do edifício, considerado a sede da denominação religiosa. Apesar da movimentação, a aproximação entre os dois não está sendo bem vista, já que Paes tem o apoio de Lula. Na visão de analistas, a preferência pode causar incômodo no eleitorado evangélico, que é contrário a pautas defendidas pela esquerda, como aborto e legalização de drogas.

Disputa entre pastores também afeta sucessão na Câmara

Além das eleições municipais, o embate entre Malafaia e Macedo respinga na sucessão pela presidência da Câmara dos Deputados, marcada para fevereiro de 2025. Até o início do ano, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) tentava apoio junto à oposição, encabeçada pelo PL, para a sucessão de Arthur Lira (PP-PL).

Parte da bancada do partido de Valdemar Costa Neto chegou a cogitar apoiar Pereira pela posição como pastor evangélico e por ver no parlamentar uma possibilidade de avançar com pautas mais conservadoras na Casa Baixa do Legislativo.

No entanto, outra parte mais ligada a Bolsonaro ainda tinha reservas quanto ao nome do parlamentar. Parte desse sentimento, segundo observadores da sigla, seria gerada pela desaprovação de Malafaia. Após o deputado do Republicanos apoiar publicamente a regulação das redes sociais, em maio deste ano, a cúpula do PL decidiu não apoiar a candidatura de Pereira.

Briga entre Malafaia e Macedo vem de outras eleições

O conflito entre os dois pastores também foi registrado em outros pleitos. Em 2020, Malafaia acusou Macedo de fazer um "jogo estratégico nojento" ao trocar o apoio à indicação de Kassio Nunes Marques ao STF pelo apoio de Bolsonaro a Marcelo Crivella (Republicanos) na eleição municipal do Rio de Janeiro.

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"Essa conversinha fiada da Igreja Universal é por interesse político, tá? Um jogo estratégico nojento, político, para agradar, porque Bolsonaro está apoiando Crivella e Russomanno. A Universal que é isolada. Representa 4% dos evangélicos. Isso é onda, puríssima", disse Malafaia em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na época.

Na eleição presidencial de 2010, Macedo publicou um artigo em blog pessoal defendendo a candidatura de Dilma Rousseff (PT) e criticou Malafaia por trocar o apoio de Marina Silva (PV) por José Serra (PSDB).

“Veja o que aconteceu com o pastor Silas Malafaia, que iniciou a campanha política apoiando a candidata Marina Silva e depois, usando o argumento frágil de que o partido dela, o PV, apoiava o aborto, mudou de lado e, para justificar que não apoiaria a candidata Dilma, acusou o PT de ser a favor do aborto e apoiar o casamento de homossexuais. Pronto, o caminho estava aberto para, sabe-se lá com que interesse, apoiar o candidato Serra”, disse Macedo.

Em resposta, Malafaia acusou Macedo de “falso profeta”, afirmando que o adversário mentiu contra ele. O pastor da ADVEC afirmou que nunca disse que Marina apoiava o aborto, mas que mudou de ideia sobre seu apoio porque a candidata do PV não teria tido uma posição firme sobre o tema. “Ela ficou em cima do muro”, disse.

Avaliando o cenário político, o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, aponta que figuras como Edir Macedo adotam uma postura mais pragmática, enquanto líderes como Silas Malafaia, mais alinhados ao conservadorismo clássico, assumem uma postura agressiva e combativa, especialmente em defesa de valores morais e na aproximação com o liberalismo econômico. "Malafaia é aquele evangélico raiz, mais ligado aos valores tradicionais, o que o coloca em uma posição de proximidade com figuras como Bolsonaro", comenta Cerqueira.

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Ele também disse que, apesar da aproximação de Eduardo Paes com Edir Macedo e o Republicanos, a tendência é que o conservadorismo tradicional, representado por figuras como Malafaia, tenha maior influência na mobilização desse eleitorado. "Não creio que o movimento ligado a Edir Macedo tenda a prosperar como força política dominante. Acredito que o discurso do conservadorismo clássico agregue mais as diversas denominações evangélicas", pontuou.

Igrejas evangélicas se tornaram palco de disputas políticas

O conflito entre lideranças evangélicas no campo político é visto por analistas ouvidos pela Gazeta do Povo como consequência do crescimento das denominações evangélicas no Brasil - e no ambiente do Rio de Janeiro. De acordo com dados do Censo 2022 apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui, em média, 286 igrejas para cada 100 mil habitantes.

Só no estado do Rio de Janeiro, são 334 igrejas por 100 mil habitantes. Na capital fluminense, a Universal conta com mais de 150 templos espalhados pelos 165 bairros. Já a Assembleia de Deus Vitória em Cristo soma mais de 80 igrejas.

Comentando a situação, o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), afirma que há uma estratégia coordenada pela Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab) com foco na eleição de vereadores de diferentes denominações evangélicas nas principais cidades do país, evitando a fragmentação dos votos. "Isso vai ter um impacto significativo no Rio de Janeiro, onde pastores com grande influência têm capacidade de mobilizar muitos votos", observa o professor.

Apesar da força do voto evangélico, Gomes alerta que ele não é monolítico. Há uma diversidade significativa entre as diferentes denominações e entre os próprios eleitores evangélicos, que consideram uma variedade de fatores ao escolherem seus candidatos.

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"É um erro pensar que o voto evangélico é sempre conservador no sentido burkeano do termo", observa. Ele enfatiza que questões socioeconômicas, como transporte, infraestrutura e segurança pública, também são decisivas na hora do voto, e que a influência dos líderes religiosos, embora forte, não garante resultados automáticos nas urnas.

Primeiro culto protestante foi realizado no Rio de Janeiro

O primeiro culto protestante no Brasil ocorreu em 10 de março de 1557, na Ilha de Villegaignon, Rio de Janeiro, conduzido pelos pastores franceses Pierre Richier e Guillaume Chartier. Este evento, marcado pela leitura do Salmo 27.4, foi significativo não apenas para a história do Brasil, mas também para a das Américas, representando a introdução do cristianismo reformado em terras predominantemente católicas. Desde 2005, essa data é celebrada pelos cristãos brasileiros.

A expedição missionária francesa começou em 1555, liderada por Nicolas Durand de Villegaignon, com apoio do almirante Gaspard de Coligny. Inicialmente, Villegaignon demonstrou apoio à fé protestante e solicitou missionários a João Calvino.

Em 1557, um grupo de reformadores protestantes, incluindo os pastores Richier e Chartier, chegou ao Brasil e celebrou o primeiro culto protestante. No entanto, diferenças teológicas levaram a conflitos entre Villegaignon e os missionários, resultando no retorno de Chartier à França e na expulsão dos colonos restantes.

Cinco colonos que permaneceram no Brasil escreveram a "Confissão de fé de Guanabara" em 1558, um documento teológico que abordava temas como a Trindade e o livre-arbítrio. A discordância com Villegaignon culminou na execução de três dos autores por heresia.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]