A vitória de Ricardo Nunes (MDB) sobre Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo (SP), neste segundo turno das eleições municipais, representa mais uma derrota para a esquerda na tentativa de controlar a maior cidade do país. A eleição municipal em São Paulo é considerada estratégica para as eleições de 2026, tanto do governo do estado quanto da presidência da República.
Para enfrentar os sucessivos governos do PSDB e aliados, o PT tinha a expectativa de que a ex-prefeita da cidade, Marta Suplicy, vice na chapa de Boulos, pudesse angariar votos devido a seu legado à frente do Executivo municipal (2001-2005). No entanto, o peso da rejeição petista na cidade é avaliado como decisivo para o resultado deste domingo (27). Esta foi a segunda derrota de Boulos em uma eleição municipal. Em 2020, ele perdeu a disputa para Bruno Covas (PSDB), falecido em 2021, que tinha Ricardo Nunes como seu vice.
Os números podem fornecer alguns indícios sobre a avaliação que o eleitor faz da esquerda na capital paulista. Apesar de serem de partidos diferentes, a associação entre Boulos e o PT, mesmo tendo como cabo eleitoral o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode ter colhido o ônus da última gestão petista.
No término de seu mandato, em 2016, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) teve a pior avaliação de gestão na capital desde o mandato de Celso Pitta, que comandou a cidade de 1997 a 2001. De acordo com um levantamento feito pelo Datafolha em 2016, a gestão de Haddad foi avaliada como ótima ou boa por apenas 14% do eleitorado.
Os eleitores que consideravam o governo de Haddad ruim ou péssimo somaram 48%. Outros 35% classificaram como regular. Com três anos e sete meses de mandato, Pitta, segundo o Datafolha, tinha aprovação de apenas 7% da população.
O antipetismo, entretanto, não é suficiente para explicar a decisão do eleitorado paulistano, visto que Haddad venceu na cidade de São Paulo na disputa pelo governo do estado, em 2022, e Lula também venceu na capital no mesmo ano, na disputa presidencial. No caso de Boulos, a associação com o MST pode ser um fator que explica a rejeição ao psolista.
Segundo levantamento feito pelo Datafolha, Boulos somou 43% de menções negativas. As positivas foram citadas por 36%. São 9% as menções neutras ao candidato do PSOL, além de 6% que não lembraram de "nada" em específico e 6% que não souberam responder. Entre as imagens negativas relacionadas ao deputado federal, sobressai a menção de que o parlamentar é um "invasor" de propriedades (5%).
Derrota da esquerda em São Paulo expõe fragilidade da transferência de votos de Lula
Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, a derrota de Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela Prefeitura de São Paulo será um duro golpe para a esquerda e para o próprio Lula. Cerqueira destaca que a esquerda historicamente encontra dificuldades para vencer em São Paulo, sendo a única exceção a eleição de Luiza Erundina nos anos 90. "Depois de Erundina, as candidaturas de Marta Suplicy e Fernando Haddad foram experiências mal-sucedidas, sem capacidade de gerar frutos duradouros", explica.
Cerqueira acredita que a rejeição a Boulos está fortemente atrelada à sua trajetória e ao antipetismo na capital paulista. "Boulos é visto como um extremista de esquerda, o que dificulta sua aceitação em São Paulo, uma cidade onde a propriedade privada é muito valorizada. Além disso, o antipetismo é muito forte na cidade, e a tentativa de associá-lo ao lulismo não é suficiente para superar isso", comenta.
O apoio de Lula, que foi decisivo em outras eleições, não parece ter o mesmo efeito agora. "A tentativa de Lula de transformar essa eleição em um embate entre lulismo e bolsonarismo fracassou. A derrota de Boulos mostra que Lula não é mais um grande transferidor de votos, como foi no passado. O cenário atual revela que Lula se garante, mas dificilmente consegue eleger outro candidato, especialmente alguém como Boulos, que não é tão vinculado a ele", avalia Cerqueira.
Para o cientista político, a perda de São Paulo será uma prova concreta dessa limitação de Lula em influenciar o eleitorado. "A vitória de Ricardo Nunes, apoiado por Tarcísio e Bolsonaro, será uma grande derrota para a esquerda e um sinal claro de que Lula não tem o mesmo poder de antes", conclui.
Baixa participação de Lula pode ter afetado desempenho de Boulos em São Paulo
Além da transferência de votos, a baixa participação de Lula na campanha de Boulos também é vista como um fator importante para a derrota do deputado federal. No primeiro turno, a campanha de Boulos previa ao menos cinco agendas com o chefe do Executivo: duas em agosto, duas em setembro e mais uma no dia 5 de outubro, um dia antes da votação.
As duas primeiras chegaram a ocorrer, com comícios no Campo Limpo, na Zona Sul, e em São Mateus, na Zona Leste paulistana. As outras acabaram sendo canceladas pela viagem de Lula ao México para participar da posse da presidente Claudia Sheinbaum.
Já para o segundo turno, esperava-se um engajamento maior por parte de Lula, principalmente na reta final da disputa. No entanto, o acidente doméstico sofrido pelo presidente o afastou de eventos oficiais externos, bem como de campanhas eleitorais. Lula acabou não votando em São Paulo.
Por outro lado, o Palácio do Planalto escalou ministros do governo para auxiliar o candidato do PSOL. Entre eles, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, que atuou fortemente na campanha de Tabata Amaral (PSB) no primeiro turno. O socialista participou de agendas com Boulos na região central de São Paulo nos dias 22 e 24 de outubro.
Além de Alckmin, os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Márcio França (Empreendedorismo) participaram de uma carreata no sábado (26), em prol de Boulos.
Fragmentação do eleitorado prejudicou Boulos em São Paulo
A fragmentação eleitoral registrada no primeiro turno das eleições também é vista como um fator decisivo para a vitória de Nunes e a derrota de Boulos. De acordo com o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a presença de Pablo Marçal como um “candidato outsider” e disruptivo à direita complicou ainda mais o cenário para Boulos, que precisava dos eleitores de Marçal para vencer no segundo turno.
"Boulos precisaria que os eleitores de Pablo Marçal não votassem em Nunes", diz Gomes. Segundo o cientista político, o percentual dos votos dos outros candidatos {a esquerda, como Tabata Amaral e José Luiz Datena, seria muito incipiente para virar o jogo a favor de Boulos. “A rejeição a Boulos pode ser atribuída a uma combinação de fatores, como sua associação ao PSOL e o antipetismo que permeia a política brasileira, especialmente em São Paulo”, explica o professor.
*Metodologia: O Datafolha entrevistou 1.204 eleitores de São Paulo entre os dias 15 e 17 de outubro. A margem de erro do levantamento é de três pontos porcentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número SP-05561/2024.
Conanda aprova aborto em meninas sem autorização dos pais e exclui orientação sobre adoção
Piorou geral: mercado eleva projeções para juros, dólar e inflação em 2025
Brasil dificulta atuação de multinacionais com a segunda pior burocracia do mundo
Dino suspende pagamento de R$ 4,2 bi em emendas e manda PF investigar liberação de recursos