Desde o início da campanha eleitoral, Pablo Marçal (PRTB) cresce em popularidade nas redes sociais, em polêmica e em conversas entre apoiadores de Bolsonaro. De acordo com pesquisa divulgada nesta quinta-feira (22) pelo Instituto Datafolha*, esse crescimento se reflete nas intenções de voto: Marçal passou o prefeito e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), entre eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Marçal vem adotando um estilo combativo e inspirado em Bolsonaro, que na campanha para a presidência em 2018 se colocou como um candidato "antissistema" e assim ganhou votos principalmente de eleitores insatisfeitos com a política e com o escândalo de corrupção encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
A versão de "Bolsonaro 2018" incorporada por Marçal está agradando bolsonaristas que ficaram órfãos de liderança após Jair Bolsonaro adotar um estilo mais discreto, especialmente quando a escalada do Judiciário contra os interesses dele atingiu níveis que o levaram a recuar na postura aguerrida que tanto agradava sua base.
Na avaliação do cientista político Antonio Lavareda, o eleitor quer o "Bolsonaro original". Ele complementa: "e o Marçal é o bolsonarismo original. Está vendendo a ideia de que Nunes, candidato oficial de Bolsonaro à prefeitura de São Paulo, é uma versão falsificada". Segundo Lavareda, "o Bolsonaro mais recente, polido e que faz alianças, não tem a ver com o bolsonarismo original".
"As pessoas querem o Bolsonaro 'original', aquele que ia para a avenida Paulista e xingava todo mundo"
Antonio Lavareda, cientista político
Lavareda lembra, ainda, das falas brandas de Bolsonaro na manifestação realizada na avenida Paulista, em fevereiro. "É nessas circunstâncias que o líder se descola da sua base. Esse Pablo Marçal é fruto de posturas como essa", diz ele.
Pablo Marçal conta com uma robusta equipe de marketing que lhe garante milhões de seguidores nas redes sociais e perceberam essa ausência de liderança. Dessa maneira, trabalham pelo fortalecimento do candidato justamente sobre as mesmas premissas a partir das quais Bolsonaro cresceu.
"Estamos vendo a história se repetir de alguma forma", diz o cientista político e professor do Insper Leandro Cosentino. "Marçal cresce como um candidato que busca representar um sentimento antissistema, contra tudo o que a política e as suas figuras clássicas representam. Estamos vendo a reedição do bolsonarismo", complementa ele.
Assim como Bolsonaro, a popularidade de Marçal cresce principalmente nas redes sociais. A utilização de cortes com falas marcantes e agressivas contra opositores nos debates eleitorais impulsionam o engajamento dos seguidores, especialmente entre os eleitores de direita.
Durante os debates eleitorais que deram a largada nessa campanha 2024, Marçal protagonizou confrontos diretos com opositores como Ricardo Nunes (MDB), Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB). O embate com Guilherme Boulos (Psol), durante o qual utilizou uma carteira de trabalho para gerar memes, foi o que mais viralizou nas redes.
Esses vídeos, muitas vezes editados para destacar os momentos mais polêmicos e incisivos, têm atraído uma audiência crescente e engajada. Entre o debate da Band, no último dia 8, e o debate do Estadão, no último dia 14, Marçal ganhou cerca de 200 mil seguidores. Além disso, uma edição da cena com a carteira de trabalho contra Boulos chegou a 1,3 milhão de curtidas.
Opositores de Marçal protestam e deixam de ir ao debate para pressionar emissoras
O impacto dessa estratégia foi tão significativo que os candidatos Boulos, Datena e Nunes optaram por não participar do debate que ocorreu na última segunda-feira (19), promovido pela revista Veja. Além disso, eles pensam em seguir da mesma forma nos próximos que estão previstos.
A decisão reflete a preocupação com a exposição negativa e a dificuldade em enfrentar o estilo incontrolável de Marçal sem sofrer danos à própria imagem. “Como é que você vai passar proposta de campanha com gente saindo na porrada e o baixo nível terrível do debate? Então, isso vai ser escolhido pela campanha. E acumulou agenda, eu preferi vir aqui”, disse Datena durante uma caminhada na zona leste da capital paulista, realizada no mesmo horário do evento. De outro lado, Datena foi muito criticado pela participação em debates e fez o PSDB correr para treiná-lo para novos confrontos.
As ausências dos candidatos foram então motivo de munição para os candidatos que participaram do debate da Veja: Marina Helena (Novo), Tabata Amaral e Marçal, ele que aproveitou para mais ataques: "São desertores. Se este país estivesse em guerra, eles teriam abandonado a população", disparou.
Apesar das críticas, a estratégia de não ir ao debate parece ter dado certo e a participação de Marçal no encontro da Veja não repercutiu tanto nas redes do candidato do PRTB quanto os eventos anteriores promovidos pela Band e pelo Estadão, que tiveram a participação de Nunes, Boulos e Datena.
As equipes dos partidos têm pressionado as emissoras para que adotem uma cláusula de barreira e não convidem Pablo Marçal aos próximos debates, tendo em vista que na última eleição o partido dele, PRTB, não atingiu um número mínimo de votos e não elegeu nenhum deputado federal.
Aliança de Bolsonaro com Nunes "não cola" e Marçal cresce em popularidade
A ascensão de Marçal nas redes sociais expõe uma divisão da direita que, em parte, deixou de seguir, prioritariamente, os comandos do líder e ex-presidente Bolsonaro. Enquanto Marçal cresce e se fortalece entre os eleitores conservadores, Ricardo Nunes, que deveria ser o principal nome da direita, vê a candidatura enfraquecer com o crescimento do opositor.
Diante desse quadro, na noite da última segunda-feira (19), Bolsonaro gravou um vídeo reafirmando o apoio e a aliança firmada com Ricardo Nunes. O vídeo surgiu após o ex-presidente ter afirmado que Nunes não era o "candidato dos sonhos" e elogiar Pablo Marçal como "uma pessoa inteligente, com virtudes".
Apesar do vídeo de Bolsonaro tentando consertar a escorregada inicial, inúmeros seguidores apontam que a fidelidade ao ex-presidente não é suficiente para convencer todos os bolsonaristas a votarem em Nunes. "Te amo meu amor, mas vou votar no Marçal! Eu entendo que você tem um compromisso com o partido e se pudesse votaria no Marçal também", escreveu uma seguidora em um comentário no vídeo postado no perfil Bolsonaro TV. "Sou Bolsonaro roxo....mas São Paulo é Marçal", disse outro.
Na manhã da terça-feira (20), foi a vez de Marçal gravar um vídeo pegando carona no conteúdo dos comentários e se dirigindo ao ex-presidente. "Me desculpa, sua palavra vai ser mantida com o partido, mas a palavra que eu tenho no coração eu não consigo afinar. Eu me curvo diante de Deus, eu não vou retroceder nisso", escreveu ele, enfatizando a candidatura própria e afirmando que "o povo de São Paulo não vai prestar continência" nem para o Boulos e nem para o Nunes.
Já na quinta-feira (22), as tensões entre Marçal e a família Bolsonaro aumentaram quando o candidato à prefeitura de São Paulo intensificou os esforços para se associar politicamente ao ex-presidente e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL). No entanto, Eduardo Bolsonaro respondeu acusando Marçal de "estelionato eleitoral" por manipular vídeos para insinuar que o apoia. Marçal, apesar de elogiar Eduardo e tentar demonstrar união, enfrenta dificuldades em obter apoio público da família Bolsonaro devido ao acordo político estabelecido entre o PL e outros partidos em São Paulo.
Força sobre marca pessoal de Bolsonaro dificulta transferência de votos a indicado por PL
Especialistas analisam ainda que a dificuldade de Jair Bolsonaro em transferir votos para um aliado de seu partido como Ricardo Nunes está no modelo em que ele construiu a sua força política, erguida muito mais sobre uma figura política pessoal do que sobre a fidelidade partidária - Bolsonaro já pertenceu ao Progressistas (PP), ao PSL e ao PL.
"Fica difícil de acreditar que Bolsonaro tem uma identidade forte com os políticos e as lideranças do PL. Muitos líderes do PL, em âmbito local, buscaram se distanciar um pouco de Bolsonaro justamente porque acreditavam que isso não traria grandes dividendos políticos para eles", diz o cientista político Leandro Cosentino.
"Alguns voltaram atrás e hoje se aliam ao Bolsonaro, outros ainda pendem um pouco à ideia de ser mais independente do bolsonarismo, porque acham que isso também tem prazo de validade", complementa ele.
Para o especialista em marcas Eduardo Chaves, candidatos com uma figura pessoal muito conhecida - como é o caso de Marçal e foi o caso de Bolsonaro na campanha em 2018 - conseguem moldar o discurso político e estão em posição de definir a agenda e os termos do debate público. Porém, o uso de polêmicas e enfrentamento na estratégia de comunicação pode também representar um risco considerável.
"Dependendo do tom e da frequência, essas polêmicas podem prejudicar a credibilidade de Marçal como candidato sério e preparado para lidar com os desafios complexos de uma cidade como São Paulo, pois os eleitores podem começar a se questionar se ele tem a seriedade necessária para governar", afirma ele. "O equilíbrio será crucial para que ele aproveite os benefícios dessas táticas sem cair nas armadilhas associadas a ela", complementa.
Aliados de Bolsonaro querem mais território na prefeitura de Nunes
Apesar de os integrantes do PL mais fiéis a Jair Bolsonaro (PL) concordarem em apoiar a reeleição de Nunes, como é o caso do deputado estadual e amigo da família, Gil Diniz (PL), eles não deixam de manifestar o desejo por um segundo mandato mais conservador.
"Eu voto em quem Bolsonaro indicar porque eu confio no meu líder", diz Diniz. "Se ele queria ou não queria [o Nunes]? O ótimo é o inimigo do bom, nem sempre o que eu quero é o que acontece. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem um cargo de destaque na política nacional, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, querem o Nunes", pontua Diniz.
O parlamentar é enfático ao dizer que desejaria ver na gestão de Nunes um posicionamento mais à direita. "Ele não tem uma ligação próxima ao bolsonarismo e, poxa, é do MDB, um partido que já fala muito sobre ele. Além disso, o próprio secretariado vai do centro à esquerda. O presidente Bolsonaro conseguiu colocar o vice, a gente espera conseguir espaço de pessoas do nosso perfil de direita nos quadros dele. É um trabalho de conquista de território", complementa.
O vereador Isac Félix, por sua vez, diretor do PL municipal em São Paulo e um dos principais responsáveis pelo apoio do partido à candidatura de Nunes, é enfático ao descartar Marçal como um representante do bolsonarismo em São Paulo. "Quem vota no Marçal tem que ser internado igual a ele, é um louco. Como você vai querer um prefeito para São Paulo como o Marçal, um cara que não tem educação, não tem índole e é ficha suja?", questiona Félix.
Ao ser perguntado sobre a discrição do apoio de Bolsonaro a Nunes e como isso pode deixar bolsonaristas incrédulos sobre o apreço do ex-presidente ao candidato do MDB, o vereador afirmou que isso ocorre porque a campanha começou agora. "Ele vai sair para a rua com o Nunes, Bolsonaro já garantiu que vai entrar na campanha", disse ele.
Sobre a opinião do PL a respeito dos posicionamentos pouco contundentes de Nunes em pautas conservadoras, como é o caso do aborto, Isac Félix afirmou que "está 100% satisfeito com Nunes" e que não se "pode administrar a cidade de São Paulo em cima de uma proposta de apoio ou rejeição ao aborto".
"Tem muita coisa para discutir na cidade de São Paulo, tem muito progresso ainda para fazer", disse ele. "Nunes é conservador, família e um cara honesto", defendeu o diretor do PL municipal.
Ainda que representantes do PL estejam convictos sobre o apoio a Ricardo Nunes, candidato indicado por Bolsonaro, a fragmentação dos bolsonaristas mais fiéis beneficia diretamente Marçal, que cresce e, ao que tudo indica, continuará se capitalizando entre os seguidores de Bolsonaro.
Procurada, a equipe de Marçal não respondeu a Gazeta do Povo até a publicação desta reportagem.
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