O posicionamento digital de Pablo Marçal (PRTB), candidato à prefeitura de São Paulo, ganhou notoriedade por sintetizar declarações e espalhar rapidamente pelas redes sociais. Por trás dessa estratégia, a figura controversa de Andrew Tate aparece como um guia para as ações no âmbito virtual do influenciador brasileiro.
Em entrevista ao programa Pânico, da Jovem Pan, Marçal mencionou o influenciador britânico como uma figura inspiradora para seu posicionamento digital. A estratégia se baseia em incentivar seguidores a realizarem "cortes" de conteúdos dele para gerar engajamento do candidato e vantagens financeiras para quem realiza o serviço.
“Tem 4 mil pessoas que estão num campeonato de corte e eu pago um dinheiro até relevante por visualizações. Eu falei, vamos fazer isso aqui, porque eu modelei um americano que fez isso e explodiu na internet”, disse Marçal em entrevista concedida antes do início do período eleitoral - em março - ao Pânico.
Meses depois, a estratégia foi alvo de questionamentos por parte do Partido Socialista Brasileiro (PSB), da também candidata à prefeitura paulistana Tabata Amaral, à Justiça Eleitoral de São Paulo. Segundo a representação, o candidato do PRTB desenvolveu uma estratégia de cooptação de colaboradores para disseminar nas redes conteúdos e serviços de streaming de caráter eleitoral, o que seria “ilícito e abusivo”.
No último dia 23, Marçal teve suas redes sociais suspensas pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Apesar do recurso impetrado pela defesa, a corte confirmou a suspensão no dia 28 de agosto.
Quem é Andrew Tate?
Ex-kickboxer, Andrew Tate se tornou conhecido mundialmente como influenciador digital por declarações polêmicas em entrevistas. Com uma presença marcante nas redes sociais, ele ganhou notoriedade promovendo um estilo de vida extravagante ao mostrar sucesso financeiro e pessoal.
Suas postagens e vídeos frequentemente abordam temas como riqueza, sucesso pessoal e comportamento masculino. Tate se apresenta como um defensor do "masculinismo", encorajando homens a adotarem uma postura mais incisiva e autossuficiente na vida pessoal e profissional. Andrew Tate também ganhou destaque ao participar da edição britânica do Big Brother em 2016, da qual foi expulso após a divulgação de um vídeo em que aparentemente agredia uma mulher.
Em 2022, o lutador teve seu canal de YouTube eliminado. A própria plataforma fez questão de fazer um comunicado e deixar avisos aos canais que fizessem reuploads dos vídeos de Tate — os conteúdos seriam automaticamente eliminados. Além da plataforma de vídeos, o ex-lutador foi banido de Facebook, Instagram e TikTok. A decisão foi vista pelos apoiadores dele como perseguição, já que Tate questionava pautas identitárias.
Em dezembro do mesmo ano, Andrew Tate foi preso, acusado de tráfico humano, exploração sexual de mulheres e formação de organização criminosa. Ele e o irmão foram acusados de recrutar mulheres sob falsas promessas de relacionamentos amorosos e carreiras lucrativas, mas que as levavam a produzir conteúdo adulto em condições de exploração.
No mês passado, Tate foi condenado pelas autoridades romenas por esses crimes. A decisão judicial destacou a gravidade dos atos cometidos e a manipulação psicológica usada para controlar as vítimas, resultando em uma sentença de prisão que ainda está em vigor. O tribunal determinou que Tate seja mantido em prisão domiciliar pelos próximos 30 dias, enquanto o irmão dele permanece sob custódia judicial pelo mesmo período.
Em resposta, o influenciador criticou a decisão judicial e afirmou que não existem provas consistentes contra ele e o irmão. "Isso é uma armação. É absolutamente repugnante. Trinta dessas garotas dizem que não fizemos nada de errado. Duas são as mães dos nossos filhos, duas nunca estiveram aqui na Romênia", disse Tate.
Comunicação de Marçal representa o fim dos discursos eloquentes na política
As semelhanças entre os discursos de Tate e Marçal apontam que a comunicação de Pablo Marçal reflete o fim de uma era de discursos políticos eloquentes e formais no Brasil, segundo o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Ele pondera que essa transformação não é recente, tendo começado a ganhar força na segunda metade dos anos 1990 e se consolidado a partir dos anos 2000. Com a televisão e os guias eleitorais mais coloquiais, o eleitorado começou a preferir uma linguagem mais direta e acessível, distanciando-se dos discursos repletos de floreios e termos eruditos.
“Com a chegada das redes sociais e dos aplicativos de mensagem instantânea, essa tendência foi amplificada. A partir de 2013, os líderes políticos passaram a adotar uma comunicação mais ágil e dinâmica, cheia de humor, sátira e ironia", disse o cientista político. Para Gomes, essa abordagem substituiu os antigos discursos pomposos por uma linguagem mais próxima do cotidiano do eleitor, que valoriza a espontaneidade e a transparência.
Gomes destaca que Marçal, sendo uma figura das redes sociais, compreende profundamente os meandros da comunicação digital. “Em um debate recente, Marçal afirmou que as pessoas não estão mais interessadas em programas de governo, mas em um espetáculo que se assemelha ao de reality shows, em que o confronto e a personalidade dos candidatos são o foco principal. Essa postura evidencia a nova lógica da política contemporânea, na qual a comunicação deve gerar engajamento e impacto imediato”, acrescentou o professor da UFPI.
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