Os três principais concorrentes pela vaga de prefeito de São Paulo, segundo a pesquisa mais recente do Datafolha*, têm pela frente pouco mais de um mês até o dia do primeiro turno das eleições de 2024, em 6 de outubro. Nesse período, Guilherme Boulos (Psol), Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB) terão de responder seguidamente algumas situações que os perseguem e que os adversários fazem questão de trazer à tona nos debates, nas redes sociais e nas peças de propaganda eleitoral.
Direta ou indiretamente, do passado ou do presente, suspeita de corrupção, condenações, favorecimento a aliados, ligação com facção criminosa, prisão, detenção, invasão. O cardápio de acusações é farto e vem sendo explorado à exaustão não somente nos ataques entre eles, mas também por outros postulantes ao cargo da maior cidade do Brasil.
O primeiro debate na corrida eleitoral de São Paulo, realizado pela BandTV em 8 de agosto, antes mesmo do início oficial das campanhas, deu uma prévia do que viria na sequência. Ao longo do encontro não faltaram trocas de acusações e ofensas pessoais, motivando vários pedidos de direito de resposta. Nesse cenário, as propostas para a cidade ficaram guardadas.
Quem adotou no debate um tom mais belicoso foi Marçal. Não só naquele encontro, mas na caminhada eleitoral até agora, ele não tem medido palavras contra os opositores, especialmente Boulos, inclusive com insinuações de que o psolista é usuário de cocaína. Não por acaso, a Justiça Eleitoral já determinou ao menos sete vezes a retirada de vídeos do ar com ofensas de Marçal a Boulos. A postura do candidato do PRTB, aliás, teria motivado a ausência de Boulos e Nunes no debate organizado pela Veja no último dia 19.
Boulos, que mirou em Nunes na pré-campanha e nos primeiros dias após o registro das candidaturas, agora aponta também ao ex-coach. O crescimento de Marçal na campanha fez o aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rever a estratégia de atacar apenas o atual prefeito. Nunes, por sua vez, vinha mantendo um perfil mais moderado diante de acusações, apesar de ofensas indiretas a Boulos na convenção do PL.
Boulos: de invasões e detenções a “institucionalização” da rachadinha
O candidato do Psol à prefeitura de São Paulo tem histórico de ligação com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Boulos liderou o movimento por muitos anos e coordenou invasões de terrenos. Essa atuação rendeu a ele ao menos duas detenções, em 2012 e 2017, ambas ocorridas durante processos de reintegração, em São José dos Campos e em São Paulo.
A fama de “invasor” é utilizada de forma recorrente pelos adversários, desde a tentativa dele se tornar presidente da República em 2018. No pleito deste ano, Marçal e Nunes foram por esse caminho. Ainda no período de pré-campanha, o ex-coach disse que São Paulo não precisa de um “baderneiro” e “invasor de terras” na prefeitura. Por sua vez, na convenção do PL na capital paulista, Nunes agradeceu a confiança do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para “vencer esse invasor, esse vagabundo, desse sem-vergonha.” Boulos entrou na Justiça contra o atual prefeito por danos morais, mas o caso foi arquivado.
Outro tema que está perseguindo Boulos na campanha é a atuação dele no caso de suspeita de “rachadinha” contra o deputado federal André Janones (Avante). O candidato a prefeito de São Paulo elaborou o relatório no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e recomendou o arquivamento das acusações contra Janones.
A postura de Boulos tem feito os adversários dizerem que ele é “cúmplice de corrupto”. Pablo Marçal, inclusive, esteve em uma das sessões do Conselho de Ética, quando foi chamado por Boulos de “coach picareta”. Como resposta, o candidato do PRTB afirmou que Boulos “passou o pano para a rachadinha”. No debate da Band, quem trouxe o tema foi Nunes. “Olha Boulos, eu acho que você deveria responder quem é Janones. Você instituiu a legalização da rachadinha", disse o atual prefeito.
Marçal: de prisão em Goiás a ligação do PRTB com o PCC
Estreante no jogo político, Pablo Marçal viu os adversários resgatarem episódios de seu passado, ainda quando morava em Goiânia, cidade onde nasceu e cresceu. Ele vem sofrendo reiterados ataques relacionados à operação Pegasus, que mirou em uma organização criminosa que invadia contas bancárias pela internet. Na época, com 18 anos, ele chegou a ser preso temporariamente. Em 2010, ele foi condenado a quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado, mas houve demora na análise de um recurso pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). A pena foi extinta por prescrição.
No debate da Band, a candidata Tabata Amaral (PSB) foi a primeira a levantar a questão. “O candidato ao meu lado [Marçal] foi condenado por formação de quadrilha no esquema de fraudes bancárias”, lançou. Marçal respondeu que não havia condenação e que, se houvesse, deixaria a disputa. Quem aproveitou a deixa foi Boulos, que citou trechos da condenação e desafiou: “Espero que ele cumpra a palavra e saia da disputa.”
Quem vem sendo mais incisivo contra Marçal é Tabata Amaral. Na propaganda eleitoral gratuita, ela tem divulgado vídeos específicos sobre o candidato do PRTB. Além da condenação pelo caso em Goiás, ela tem investido nas supostas ligações do presidente nacional do PRTB, Leonardo Avalanche, com o Primeiro Comando da Capital (PCC) — Avalanche foi quem lançou Marçal na disputa.
De acordo com uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, um áudio de fevereiro de 2024 atribuído a Avalanche revela uma conversa com Thiago Brunello, filho de um dos fundadores do PRTB, na qual afirmava ter contatos dentro do PCC e se gabava de ter influenciado a soltura de André do Rap, um dos líderes da facção criminosa. Na conversa também há menção a Antônio Cesário da Silva, o “Piauí”, ex-chefe do PCC. Avalanche nega as acusações e diz que o áudio é fake news.
Em um vídeo da propaganda eleitoral, Tabata menciona que “o maior aliado do Pablo Marçal é o Leonardo Avalanche” e que o presidente do PRTB “foi gravado confessando que foi ele que soltou André do Rap”. No vídeo ela também resgata uma foto de Marçal com Valquitto, irmão de “Piauí”, e cita outros integrantes do PCC. No fim, lança que “tem uma figura que liga todos esses elementos” e mostra uma foto de Marçal.
Em entrevista à Globonews, Marçal disse que a situação é "constrangedora" e pediu a Avalanche que se afastasse do PRTB. "Se o partido fosse meu, ele já estava afastado até a apuração."
Nunes: da máfia das creches aos ônibus do PCC em São Paulo
A Polícia Federal (PF) está investigando suspeita de desvio de dinheiro público de creches conveniadas com a prefeitura de São Paulo e mais de 100 pessoas já foram indiciadas. Nesse esquema da “máfia das creches”, a PF decidiu abrir neste ano um inquérito para apurar uma eventual participação do prefeito Ricardo Nunes — na época ele ainda era vereador da cidade. Há, segundo a PF, vídeo de uma investigada que afirma que Nunes recebeu repasses desviados de creches. Em sabatina do site G1, o prefeito disse que “não existe indiciamento meu, não existe acusação contra mim”.
Mesmo assim, adversários vêm usando essa história, aindaque de forma mais discreta. Boulos falou em “rachadinha própria” de Nunes no debate da Band. Além disso, publicou nas redes sociais matérias sobre a máfia das creches com o comentário: “Estarrecedor”.
Outro assunto que está acompanhando Nunes na campanha é a operação Fim da Linha, que revelou indícios de envolvimento com o PCC de duas empresas de ônibus que operam em São Paulo. Juntas, a Transwolff e a Upbus receberam mais de R$ 800 milhões da prefeitura em 2023. A investigação é por lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas não envolve Nunes diretamente.
Quem trouxe à tona o assunto foi Datena (PSDB). No debate da Band, ele afirmou que as licitações com as empresas “têm que ser passadas a limpo” e que “no meu governo, ninguém sentará a bunda em ônibus do PCC”. Pablo Marçal disse no mesmo encontro que “tem algo muito errado” com os contratos de ônibus da capital paulista e que precisam ser revisados.
Em entrevista à Globonews, Nunes disse que não conhece as pessoas investigadas e que é o "maior interessado" na resolução do assunto, inclusive indicando a possibilidade de rompimento de contratos caso as irregularidades sejam comprovadas.
*Metodologia da pesquisa citada: A margem de erro da pesquisa, realizada na terça (20) e na quarta (21), é de três pontos percentuais. Contratado pela Folha e pela Rede Globo, o levantamento ouviu 1.204 eleitores na capital, e está registrado na Justiça Eleitoral sob o número SP-08344/2024.
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