Embora já testem alternativas de SAF, companhias aéreas dizem que combustível “verde” tem custos impeditivos. Elas aguardam produto ganhar escala e também decisões do governo sobre incentivos à produção.| Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo
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Aposta do setor aéreo na transição energética, o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) começa a fazer suas primeiras decolagens para se tornar o substituto para o querosene de aviação (QAV), derivado do petróleo. Os testes pelo mundo já incluem viagens internacionais.

O Brasil tem grande potencial a aproveitar como fornecedor do combustível, em suas diversas rotas tecnológicas. Com abundância de terras para produzir matérias-primas e larga experiência na produção de biocombustíveis, o país desponta como uma possível "Opep do SAF". A Embraer fez avaliações bem-sucedidas, e a Raízen planeja erguer uma planta exclusiva para produção desse combustível.

Porém, um grande obstáculo impede que a tecnologia "decole" de vez: o custo. Num setor em que o combustível representa perto de metade dos custos, isso faz toda a diferença.

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Recentemente, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu incentivos ao novo combustível. “No começo, precisa ter um incentivo”, disse Alckmin após evento da Câmara de Comércio Brasileira-Americana (Amcham), relembrando o que ocorreu com as fontes eólica e solar. “Precisa dar um estímulo para uma nova rota tecnológica. Depois ela pega escala e o preço cai” completou.

Segundo ele, isso seria feito pelo projeto de lei do Combustível do Futuro, enviado pelo governo federal ao Congresso, que inclui entre suas medidas a criação do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV).

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As metas do programa estão alinhadas aos compromissos internacionais que o Brasil firmou em 2022 na Assembleia da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) para a redução das emissões no transporte aéreo internacional.

As reduções serão graduais e acompanharão o aumento da mistura de combustíveis sustentáveis ao QAV. A partir de 2027, as companhias aéreas terão que reduzir em 1% as emissões de gases de efeito estufa, alcançando 10% em 2037.

Entre as várias alternativas adotadas pelas empresas para atingir as metas, o uso de combustíveis sustentáveis é o principal. Produzido a partir de fontes renováveis como biomassa, etanol e até mesmo algas, o SAF reduz entre 70% e 90% as emissões de gases de efeito estufa.

Acontece que o combustível menos nocivo ao meio-ambiente chega a ser até cinco vezes mais caro que o QAV fóssil. E o abastecimento dos aviões é a maior despesa de uma viagem aérea, representando até 40% de seu custo total.

A conta é difícil de fechar: o SAF precisa de escala de produção para ficar mais barato, mas não vai ganhar escala se não ficar mais acessível. Os incentivos, assim, seriam uma forma de mitigar o impacto financeiro. É o caminho que os Estados Unidos escolheram. A Europa, por sua vez, optou por tornar o uso de SAF mandatório.

Enquanto a produção de SAF não ganha escala e o governo brasileiro não decide qual será a sua estratégia, as companhias aéreas preferem esperar, seja por incentivos, seja por uma obrigatoriedade de usar o combustível sustentável.

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Primeiro voo transatlântico com SAF será no fim do mês

A produção atual de SAF é suficiente para apenas 0,15% da demanda mundial. O seu desenvolvimento ainda está muito restrito à fase de testes, contudo, alguns resultados começam a estimular o mercado. Os maiores avanços são na Europa, Japão e Estados Unidos, onde já foram realizados voos somente com o combustível "verde".

O primeiro voo transatlântico movido exclusivamente a SAF será realizado no fim do mês pela Virgin Atlantic, de Londres (Reino Unido) a Nova York (EUA). O objetivo é testar e demonstrar a viabilidade do combustível a partir de fontes renováveis.

O voo é liderado pela Virgin Atlantic e financiado conjuntamente por um consórcio que tem o Departamento de Transportes, Rolls Royce, Boeing, Universidade de Sheffield, Imperial College London e Rocky Mountain Institute.

Raízen planeja primeira usina de SAF do Brasil

A Embraer realizou recentemente voos em dois modelos de jato abastecidos somente com SAF. Segundo a fabricante de aeronaves brasileira, os testes forneceram informações “significativas sobre o desempenho dos sistemas de um motor ao utilizar misturas de até 100% SAF”.

Hoje as aeronaves da Embraer conseguem misturar até 50% de SAF ao querosene de aviação. A meta é que as operações da empresa sejam neutras em carbono até 2040. A empresa também tem uma carta de intenções para receber combustível da Raízen quando esta produzir SAF.

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Em agosto, a Raízen conseguiu a certificação de seu etanol para produção de SAF atendendo às regras de sustentabilidade do Corsia, programa para redução de emissões da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao).

A Raízen é a maior produtora de etanol no país e aguarda o SAF ganhar escala industrial nos Estados Unidos, o que é uma forma de corroborar a sua eficiência, para então dar início à construção de uma planta que produzirá o novo combustível.

“A previsão é de que uma planta de escala industrial comece a funcionar ainda este ano nos EUA. Com a tecnologia internacional comprovada, estudamos desenvolver o álcool para aviação e possíveis investimentos de produzi-lo no Brasil SAF a partir de etanol", conta Raphael Nascimento, diretor de Novos Negócios em Trading da Raízen.

Segundo ele, levará de três a quatro anos para construir uma planta para produzir o combustível sustentável para aviões. Por ora, a empresa acompanha os desdobramentos no exterior, mas não está fazendo não está desenvolvendo a tecnologia de etanol para aviação.

Nascimento defende o etanol: “Naturalmente, olhamos para ele. É competitivo, tem baixa pegada de carbono e é disponível. É uma solução eficiente sob a ótica de custo e carbono. Já é muito testado e usado. Para 2030 mais ou menos, acreditamos que entre 20% e 25% da produção do SAF virá do álcool”.

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Aéreas buscam alternativas mais baratas para descarbonizar

“Temos notícias de investimentos para produção de SAF no Brasil, mas não tem volume suficiente para ganho de escala”, diz a presidente Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro.

Sem escala, o preço continua nas alturas, o que levou companhias áreas a optaram por esperar para usar o SAF em suas aeronaves, ainda que os testes prévios tenham tido êxito.

“A curto prazo são renovações de frota, otimização de rotas, entre outras. A médio prazo, a ideia é que o mercado regulado de carbono permita algum mecanismo de compensação. E a longo prazo, o SAF", avalia Jurema.

A Gol realizou seus primeiros testes com SAF há dez anos e desde então operou mais de 360 voos. Apesar dos resultados positivos, a empresa prevê usá-lo para valer somente quando for obrigatório, dado ao seu elevado custo, que afetaria a operação e o preço das passagens.

Para não descumprir as metas de descarbonização, a Gol adotou um modelo de compensação de emissão de gases chamado Book & Claim. Neste sistema, a companhia compra créditos de carbono gerado por empresas fora do país que usem o SAF.

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Eduardo Calderon, diretor do Centro de Controle de Operações e Engenharia da Gol, pontua que há outras iniciativas, tais como a troca de tecnologia e de 14% das aeronaves nos próximos anos e a otimização da eficiência energética.

“Nenhuma delas, porém, se equipara ao combustível, que é o maior custo de um voo. O SAF responde por 65% de quatro iniciativas que a Gol tem”, diz.

A Latam assumiu incorporar 5% de SAF em suas operações até 2030. Para reduzir ou compensar o equivalente a 50% das emissões domésticas até 2050 e ser uma companhia carbono neutro, anunciou um acordo com a fabricante Airbus. Vão financiar um estudo do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) sobre iniciativas para a descarbonização da aviação na América Latina.

Ligia Sato, gerente de Sustentabilidade da Latam Brasil, observa que a atual produção de SAF no Brasil é limitada, não atende às necessidades das aéreas em quantidade reforça a necessidade de incentivo e regularização.

“A produção em escala para atender integralmente às necessidades das companhias requer um marco regulatório com regras claras e coerentes, segurança jurídica para investimentos, além de incentivos e tributação adequados”, diz.

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A executiva defende que haja políticas públicas que “realmente incentivem a aviação sustentável e acessível” e ressalta que, além do uso de SAF, tem um leque de opções para superar os desafios da descarbonização. "Para alcançar a meta de ser carbono neutro em 2050, não há uma bala de prata", diz.

A Azul, por sua vez, fez o primeiro voo com SAF há 11 anos e atualmente o usa em voos que saem de Toulouse, na França, sede da Airbus, para o Brasil, quando vai receber novas aeronaves.

Diogo Bertoldi Youssef, gerente de Engenharia e Despacho de Voo da Azul, acredita que o Brasil pode ter relevância no mercado de SAF, considerando que o país é o maior produtor de cana-de açúcar, uma possível matéria-prima para o combustível sustentável.

Por outro lado, pondera, antes do uso em larga escala ainda há muitos desafios a serem superados no país, como a dificuldade de produção nacional, formas de distribuição em um país de escala continental e os altos custos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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