O ano não começou muito bem para os carros elétricos – ao menos não em parte do mundo ocidental, em especial nos Estados Unidos. Enquanto as montadoras chinesas avançam sem freios, no mercado norte-americano o que se vê é desaceleração, tanto nas vendas quanto nos planos de expansão das montadoras, da Tesla às veteranas Ford e General Motors. O segmento está crescendo, mas não tanto quanto se esperava.
Mas as dificudades não param aí. O anúncio da locadora Hertz, que vai trocar um terço de sua frota de elétricos por veículos a combustão, e a dificuldade de uso e abastecimento de carros elétricos por causa do frio e da infraestrutura limitada têm levantado mais questionamentos sobre a tecnologia - que é considerada por muitos o futuro da mobilidade, mas está longe de ser uma unanimidade.
Autonomia limitada, alto custo de reparos, descarte de baterias e problemas de revenda são alguns dos desafios.
Especialistas dizem que problemas como esses são esperados em uma tecnologia relativamente nova e ainda em desenvolvimento. A questão é até que ponto tais dificuldades podem comprometer o futuro dos elétricos.
Confira a seguir alguns dos desafios enfrentados pela indústria de veículos elétricos:
Baixas temperaturas
O desempenho de carros elétricos em baixas temperaturas é inferior, pois as baterias demandam mais calor para funcionar em dias frios. Com isso, gasta-se mais energia e também leva-se mais tempo para carregar.
A autonomia de veículos elétricos caiu cerca de 25%, em média, em climas abaixo de zero, em comparação com dias com temperaturas externas mais quentes, segundo testes realizados pelo grupo de defesa do consumidor Consumer Reports.
A Noruega parece ter encontrado algumas soluções, conforme reportagem do jornal "The New York Times". A única alternativa viável para todos é pré-aquecer o carro antes de sair de casa. Outras dependem de onde se vive: os motoristas dirigem distâncias mais curtas, geralmente inferiores a 30 minutos (enquanto nos EUA a média é superior a uma hora de deslocamento), e a maioria das pessoas vive em casas e pode ter sua própria estação de carregamento.
Infraestrutura de abastecimento
Nos Estados Unidos, onde o modelo já está bem mais desenvolvido, ainda faltam postos de abastecimento e no inverno há filas enormes para carregar o carro. Isso ocorre até em cidades como Nova York, que só tem liberado novas licenças para serviço de transporte por aplicativo a quem tem carro elétrico.
Em outras economias avançadas o cenário não é muito diferente. "Moradores de subúrbios com garagens em casa podem instalar carregadores, mas a falta de carregadores públicos nas ruas da cidade ainda não se tornou um grande problema apenas porque poucas pessoas possuem carros elétricos", escreveu recentemente o jornalista britânico Simon Kuper, que mora em Paris, no "Financial Times".
Em países como o Brasil o cenário é ainda mais desafiador. Hoje há cerca de 3,8 mil eletropostos em território brasileiro, marca considerada insuficiente para dar conta da esperada expansão do mercado. Nas estradas a escassez é ainda mais notada. Empresas privadas até investem em postos nas rodovias, preocupadas com a logística de seus negócios, mas há uma grande lacuna a ser preenchida para permitir a expansão do setor no Brasil.
Tempo de recarga
O tempo para carregar a bateria de um carro elétrico é bem maior que o necessário para encher o tanque com gasolina, álcool ou diesel. Varia de meia hora a 12 horas, a depender do tipo de veículo e de sua capacidade de recarga (em geral entre 3,7kW e 22kW em corrente alternada). No frio, o tempo aumenta.
Além disso, o consumo de energia pode ser maior do que o esperado, o que reduz a autonomia do veículo, segundo explica a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) em seu site.
O SUV Tan, que a primeira-dama Janja da Silva dirigiu recentemente a convite da BYD, pode ser recarregado de 30% a 80% em 30 minutos em corrente contínua de 110 kW. O modelo elétrico foi entregue pela fabricante chinesa para uso da Presidência da República, com comodato para um ano.
Descarte das baterias
As baterias dos carros elétricos são outro ponto sensível porque, embora emitam menos gases de efeito estufa, podem trazer riscos ambientais no descarte. Elas são feitas de minerais como lítio, cobre e níquel, e no Brasil não há hoje uma logística reversa robusta para dar conta das baterias inutilizadas.
Um estudo da Universidade Veiga de Almeida, segundo a Agência Brasil, indica que enquanto uma bateria tradicional de veículo a combustão pesa, em média, 14,4 kg, uma bateria de veículo elétrico leve típica tem entre 200 kg e 300 kg, com vida útil entre 10 e 15 anos.
Preço de revenda
Ao comentar o corte de 20 mil carros elétricos de sua frota, a Hertz disse que os veículos Tesla têm prejudicado as finanças da companhia. Isso porque a marca vem praticando preços agressivos nos modelos novos, o que desestimula a procura pelos usados entre consumidores – e a venda dos usados é uma parte importante do negócio da locadora, que compra carros novos, loca por dois anos e depois revende.
Além de as estratégias comerciais das fabricantes poderem afetar os preços dos usados, a própria velocidade do avanço tecnológico dos carros elétricos apressa a desvalorização. O consumidor pode ser levado a entender que o usado é obsoleto em relação ao carro recém-lançado.
Além disso, assim como ocorre com o celular ou o notebook, com o tempo a bateria do carro elétrico perde capacidade. É outro fator que pode desencorajar a compra de um usado, pois o comprador vai se perguntar por quanto tempo a bateria vai durar e temer pelo custo de uma eventual substituição.
Custo do reparo
O custo de manutenção de um veículo elétrico costuma ser bem inferior ao de um carro a combustão. Porém, as peças de reposição, quando necessárias, tendem a ser escassas e caras. Esse ponto foi citado pela locadora Hertz quando anunciou a redução de sua frota de elétricos: segundo a empresa, as despesas de reparação de danos são mais altas que as dos modelos a combustão.
“Os reparos de colisões e danos em um carro elétrico podem muitas vezes custar cerca de duas vezes mais do que os associados a um veículo com motor de combustão comparável”, disse o CEO da Hertz, Stephen Scherr, à CNN.
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