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A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o marco zero da energia éolica offshore, ou seja, em alto-mar. A regulamentação da oferta e outorga de exploração nestas áreas é bastante esperada pelo mercado, que está de olho no potencial marítimo.
O que não se esperava era que o projeto de lei viesse cheio de “jabutis”, como são chamadas os acréscimos sem relação com o texto original. Privilégios para certos geradores, contrabandeados para dentro do projeto das eólicas offshore, vão custar caro. E, como sempre ocorre no setor elétrico, serão bancados pelo consumidor. O impacto na conta de luz pode chegar a R$ 40 bilhões por ano.
Além da cortesia com o chapéu alheio, parte dos jabutis aprovados pela Câmara tem o requinte de beneficiar geração de energia a partir de fontes fósseis – e isso dentro de um projeto que originalmente regulamentava a exploração da fonte eólica, tida como renovável.
Um dos contrabandos prorroga para 2050 a contração de térmicas a carvão cujos contratos terminariam até dezembro de 2028. O texto fixa ainda critérios para definir o preço de venda dessa energia.
Outro jabuti deve encarecer a contratação de energia de termelétricas a gás natural vinculadas à privatização da Eletrobras. Quando o Congresso autorizou a venda da estatal, embutiu na lei a obrigação do governo de contratar térmicas onde hoje não existe suprimento de gás natural.
Os penduricalhos de última hora, que não têm nada a ver com energia movida pelo vento em alto-mar, foram incluídos pelo relator, o deputado Zé Vitor (PL-MG).
Ele negou que a proposta incentive novas térmicas ou energia com uso de carvão: “São contratos já existentes, térmicas em operação que teriam contratos vencidos”.
O texto foi aprovado pela Câmara e agora será analisado pelo Senado.
A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) considerou a decisão da Câmara dos Deputados “inexplicável” e disse que, assim, o setor elétrico se afasta cada vez mais do seu potencial de oferecer energia limpa, barata e segura no país.
“Mais uma vez perdem os consumidores que vai arcar com uma conta amarga: R$ 40 bilhões por ano para gerar usinas a carvão, prorrogar subsídios para fontes que não precisam e obrigar a compra de geração térmica cara, poluente e desnecessária ao sistema”, disse a entidade em nota.
Nos cálculos da Abrace, a prorrogação de contração de térmicas a carvão vai custar em torno de R$ 5 bilhões e o fim do preço-teto para térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, na casa dos R$ 16 bilhões.
O movimento União pela Energia, que reúne 70 associações da indústria brasileira, enviou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma carta aberta, pedindo que sejam evitadas intervenções pontuais que promovem privilégios e distorções como as que marcam o setor elétrico brasileiro.
“Emendas a projetos de lei sem relação direta com o tema principal das propostas buscam atender a interesses específicos e muito pessoais, nas mais variadas formas de subsídios, reservas de mercado, cotas, repasses de ineficiências e políticas de compra compulsória, sem, de maneira transparente, considerar o coletivo e o benefício para toda sociedade”, diz o texto.