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Ministro acusou Guiana de "chupar" petróleo do Brasil. Saiba por que isso não faz sentido
O ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, disse que a Guiana está “chupando” petróleo do Brasil na fronteira entre os dois países. Mas a área petrolífera da Guiana não faz fronteira com o Brasil.| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Mostrando-se preocupado com a demora do Brasil em explorar petróleo na região conhecida como Margem Equatorial, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chamou atenção nesta semana ao acusar a Guiana de estar “chupando de canudinho” reservas de petróleo brasileiras, em atividades na divisa com o Brasil.

Mas há um grande porém: o Brasil não faz fronteira com a Guiana na região mencionada pelo ministro. Na verdade, na área da Margem Equatorial, a vizinha do Brasil é a Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França – e que não produz petróleo. Indo um pouco mais para oeste, está o Suriname. E só depois dele fica a Guiana.

Brasil e Guiana fazem fronteira por terra, em partes de Roraima e do Pará, onde não há atividade petrolífera.

“Nossos irmãos da Guiana estão chupando de canudinho as riquezas do Brasil, estão explorando na divisa, em um bloco adquirido no governo Dilma [Rousseff, PT]. Não podemos desrespeitar contratos. É direito do povo brasileiro conhecer suas riquezas”, disse Silveira na segunda-feira (27) durante uma reunião de trabalho do G20 em Belo Horizonte.

Ainda que o ministro estivesse se referindo à Guiana Francesa, também não faria sentido, pois ela não produz petróleo na região. Algumas reservas chegaram a ser localizadas em seu mar territorial há pouco mais de uma década, mas elas não se provaram comercialmente viáveis. Moradores do litoral do departamento francês inclusive se mostram preocupados com a possibilidade de o Brasil extrair óleo na região, por causa do risco de acidentes ambientais.

Com a Guiana "petroleira" longe e a Guiana Francesa sem óleo, é improvável que a primeira esteja "chupando de canudinho" nossas riquezas.

Após a publicação desta reportagem, a Embaixada da Guiana no Brasil informou à Gazeta do Povo que solicitou esclarecimentos ao governo brasileiro sobre as palavras de Alexandre Silveira, que definiu como "lamentáveis".

A Gazeta procurou o Ministério de Minas e Energia para saber a qual bloco Silveira se referiu, de onde o ministro tirou a informação de que a Guiana estaria se apropriando de petróleo brasileiro e também se o país foi acionado pelo Brasil. Mas a pasta não deu retorno. O Itamaraty também foi procurado e não comentou as declarações do ministro.

"Não tem como Brasil e Guiana se encontrarem", diz geólogo

O geólogo Pedro Victor Zalán, fundador da Zag Consultoria, diz que é impossível as águas da Guiana e do Brasil se encontrarem: "Não há possibilidade de águas profundas nem ultraprofundas das linhas fronteiriças se cruzarem. Entre o Brasil e Guiana existem a Guiana Francesa e o Suriname. E as linhas de território são perpendiculares, são praticamente paralelas. Não tem como Brasil e Guiana se encontrarem".

Ele acredita que o ministro se referiu a um bloco licitado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na 11.ª Rodada de Concessões, em 2013, na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa. “Esse bloco foi adquirido pela Petrobras quando a Dilma era presidente e o BID [referência ao leilão] foi muito bem guiado pela Magda Chambriard [então presidente da ANP], agora presidente da Petrobras", diz Zalán.

"Juntamente com esse bloco, vários outros foram adquiridos por outras companhias, mas todas desistiram e só a Petrobras ficou. Esse bloco é altamente promissor e a Petrobras está tentando perfurar mas o Ibama não dá a licença", prossegue o geólogo.

Petrobras quer explorar petróleo na Margem Equatorial, mas o Ibama não está autorizando

A Petrobras e praticamente todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm todo interesse em procurar petróleo na Margem Equatorial. Mas enfrentam a resistência do Ibama, que até agora negou licença ambiental para a petroleira, e do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva.

O interesse tem explicação. Na Guiana e no Suriname foram descobertas reservas de petróleo estimadas em 13 bilhões de barris. Graças a elas, a Guiana é o país que mais cresce no mundo – o que despertou a cobiça da vizinha Venezuela, que se declara dona do território de Essequibo e conduz uma mobilização "pré-guerra" na fronteira, segundo um think tank norte-americano.

A costa norte brasileira fica na continuação do litoral desses países e tem características geológicas semelhantes, o que eleva a chance de descobertas também nas águas brasileiras.

O Ministério de Minas e Energia calcula que haja algo próximo de 10 bilhões de barris de petróleo "recuperáveis" – ou seja, viáveis do ponto de vista comercial – no lado brasileiro, que poderiam render algo da ordem de R$ 1 trilhão para os cofres públicos.

O volume é pouco inferior às reservas provadas do pré-sal, hoje de 11,5 bilhões de barris, segundo a ANP. Por isso, a Margem Equatorial é tratada como um "novo pré-sal", de que o governo não quer abrir mão.

Briga pela Margem Equatorial ganha fôlego com nova presidente na Petrobras

A briga pela Margem Equatorial ganhou fôlego com a chegada da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard. Não que a exploração de petróleo na faixa marítima entre Rio Grande do Norte e Amapá já não fossem bandeira do ex-CEO, Jean Paul Prates. Mas Magda – que declarado que “é frustrante que essa região não tenha sido explorada ainda” – foi mais enfática.

Nesta semana, em sua primeira entrevista após a posse na Petrobras, Magda reforçou a posição e sublinhou que o "esforço exploratório da empresa tem que ser mantido e acelerado", referindo-se às reservas do Amapá e em Pelotas, no Rio Grande do Sul.

"Temos que tomar muito cuidado com a reposição das reservas, a menos que a gente queira aceitar o fato de que podemos voltar a ser importadores, o que para mim está fora de cogitação", afirmou.

O maior interesse da Petrobras é a exploração do bloco “FZA-M-59”, que fica na Bacia da Foz do Amazonas, em frente ao litoral do Amapá. Essa área é o ponto hoje mais sensível porque é onde também estão concentrada espécies raras e em extinção da fauna e flora, além de populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas.

A Petrobras já enviou vários estudos ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O órgão ambiental, no entanto, diz que são insuficientes para comprovar segurança ambiental e indeferiu a licença solicitada pela petroleira para perfurar um bloco na região.

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