O Brasil precisa de um esforço imediato para conter a queda da produção de petróleo nos próximos anos. É o que aponta a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia que é encarregada de cuidar do planejamento desse setor.
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034, divulgado recentemente pela EPE, constatou que a produção nacional de petróleo começa a declinar após 2030, quando deve atingir o pico. Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, embora tenha se tornado um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o Brasil corre o risco de voltar a ser importador líquido da commodity.
As projeções do PDE 2034 são ligeiramente piores que as do plano anterior, o PDE 2032. Os volumes agora previstos são, em média, 1% inferiores aos projetados há dois anos.
Segundo o novo cálculo, o ápice da produção de petróleo no Brasil será alcançado em 2030, com 5,3 milhões de barris diários, seguido de um rápido declínio. Apenas quatro anos depois, a produção diária já estará quase 1 milhão de barris menor.
No PDE 2032, a previsão era de que o pico da produção seria alcançado em 2029, com produção de 5,4 milhões de barris por dia, recuando para 5,3 milhões em 2030. Os anos seguintes também apresentavam estimativa de redução, porém com volumes um pouco superiores aos apontados pelo PDE 2034.
De acordo com a EPE, as previsões de produção para os próximos dez anos estão em declínio desde o PDE 2031. A piora reflete a queda das atividades exploratórias nos últimos anos. Como há menos poços sendo perfurados e avaliados, também há menos descobertas de jazidas.
O PDE 2034 ressalta que "os recursos descobertos na segunda metade da década não entram em produção no horizonte decenal”. Ou seja, mesmo que o país encontre volumes significativos de petróleo em novas fronteiras, a EPE avalia que isso não terá reflexo no nível de produção nos próximos dez anos.
“Em razão de tempos que podem variar de 3 a 5 anos (onshore) ou de 7 a 10 anos (offshore) entre o início da fase de exploração e o início da produção, em áreas de novas fronteiras, há necessidade imediata do esforço exploratório para conter o declínio da produção prevista para os próximos anos”, diz o estudo. "Onshore" se refere à exploração de petróleo em terra e "offshore", em alto-mar.
Costa norte concentra apostas para futuro da produção de petróleo no Brasil
A maioria das apostas do setor está concentrada na exploração da Margem Equatorial, na costa norte do país. Nas águas profundas entre os litorais do Rio Grande do Norte e do Amapá, acredita-se que existam ao menos 10 bilhões de barris de petróleo comercialmente viáveis. O governo calcula um retorno para os cofres públicos pode passar de R$ 1 trilhão.
O setor também vê boas perspectivas na Bacia de Pelotas, no litoral sul do país, onde petroleiras se comprometeram a investir mais de R$ 1,5 bilhão na busca de petróleo. Mas o potencial dessa área é diminuto se comparado ao do litoral norte.
Embora não tenha ocorrido descoberta relevante na Margem Equatorial, uma vez que a busca de petróleo ainda está proibida em sua área mais promissora, a nova fronteira é tratada como um “novo pré-sal”. A título de comparação, as reservas provadas do pré-sal somam 15 bilhões de barris, segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de 2023.
“Temos confiança nessa nova fronteira, inclusive para patrocinar as novas fontes de energia”, disse nesta segunda-feira (23) a diretora-executiva de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, em painel no evento ROG.e, no Rio de Janeiro. O discurso é semelhante ao de membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para quem é preciso produzir mais petróleo a fim de financiar o desenvolvimento de energias renováveis e a transição energética.
A executiva disse que a Petrobras está "muito otimista" de que conseguirá as licenças ambientais. Segundo ela, a companhia vai providenciar o que seria o último pedido do Ibama: a instalação de um centro de resgate de animais em Oiapoque (AP), em vez de Belém, onde propunha inicialmente a petroleira.
No mesmo evento, o vice-presidente sênior de águas profundas da ExxonMobil, Hunter Farris, também defendeu a exploração da Margem Equatorial. “De 55% a 60% da matriz global energética é proveniente hoje de petróleo e gás, que são necessários para atender à motivação de melhoria de qualidade de vida das pessoas, o que demanda novas descobertas e novas tecnologias”, afirmou.
ANP prevê investimento de mais de R$ 11 bilhões na Margem Equatorial
O Relatório Anual de Exploração 2023, divulgado recentemente pela ANP, corrobora o alerta feito pela EPE.
Segundo o documento, a perspectiva de investimentos em exploração até 2027 é de R$ 18 bilhões em todo o país, dos quais R$ 11,1 bilhões destinados apenas à Margem Equatorial.
“No entanto, para que esse investimento seja efetivamente realizado no curto prazo, é necessário que os entraves à exploração da Margem Equatorial sejam ultrapassados antes do término da fase de exploração desses contratos”, alerta o documento.
A busca de petróleo na Margem Equatorial depende de autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que até agora se negou a emitir as licenças ambientais.
A justificativa do Ibama é de que os estudos apresentados até agora pela Petrobras são insuficientes para garantir proteção à região. A área mais cobiçada fica a cerca de 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas, onde estão populações ribeirinhas e indígenas e vasta biodiversidade.
A questão causa divisão no governo, com o Ministério do Meio Ambiente de um lado e o Ministério de Minas e Energia de outro. O presidente Lula, de todo modo, já avisou que o país vai procurar petróleo na região.
Os blocos da Margem Equatorial foram leiloados ainda em 2013 e atraíram outras empresas além da Petrobras. Contudo, sem conseguir as autorizações ambientais, várias companhias foram se retirando.
Segundo o relatório da ANP, de 2022 para 2023 houve devolução de sete blocos na bacia de Barreirinhas, uma das que compõem a Margem. Com isso, o número de blocos concedidos na região caiu de 41 para 34.
No total, abrangendo todos os blocos marítimos e terrestres do país, o decréscimo no período foi de 44 blocos. A redução expressiva pode ser imputada a dois fatores, segundo a ANP: o baixo quantitativo de contratos assinados e o alto número de blocos devolvidos.
Ao fim de 2023, todos os 11 blocos sob contrato da bacia de Barreirinhas encontravam-se suspensos. A suspensão por atraso no licenciamento permaneceu sendo o maior gargalo, principalmente na Margem Equatorial, diz o relatório.
A exploração de novas reservas está aquém do esperado. Mas a agência reguladora ressalta que parte das devoluções pode ser resultante de declaração de comercialidade. Ou seja, ao final da fase de exploração, a empresa pode decidir reter apenas uma parte do bloco, transformando-a em uma área de desenvolvimento e, futuramente, em campo produtor, e devolver o restante à ANP.
“Além disso, é preciso considerar o número de contratos assinados a cada ano. A diferença entre os contratos assinados e os blocos devolvidos apresenta um ‘saldo’ da quantidade de blocos daquele ano”, ressaltou a ANP à Gazeta do Povo.
Ibama promete decisão sobre Margem Equatorial até fim do ano
Magda Chambriard, que assumiu a presidência da Petrobras em junho, chegou à estatal dizendo que a liberação da Margem Equatorial é uma das suas prioridades. Ela diz que o Brasil já perdeu dez anos nessa discussão, e a esta altura não vê espaço para uma discussão técnica.
A executiva tem o apoio do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do presidente Lula. A ideia dela é submeter a decisão de exploração ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidido pelo ministro. “E toda deliberação do CNPE sai assinada pelo presidente da República”, lembrou Chambriard.
No mês passado, a diretora de licenciamento do Ibama, Claudia Barros, disse que o licenciamento para perfuração de um poço na bacia da Foz do Amazonas deve ter uma decisão até o fim do ano.
Até a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou na jogada. O órgão se contrapôs a uma decisão do Ibama, alegando que o órgão não tem atribuição legal para reavaliar o licenciamento ambiental do Aeroporto Municipal de Oiapoque, que deve servir de base para a estatal na exploração da Margem Equatorial.
O Ibama havia indeferido uma licença solicitada pela Petrobras sob a justificativa de que o aumento de voos prejudicará aldeias próximas e a atividade pesqueira da região.
De acordo com o parecer da AGU, o aeroporto já se encontra licenciado pelo Ibama, e uma eventual reavaliação é atribuição do órgão estadual do meio ambiente competente para licenciar o aeródromo e do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), ligado à Força Aérea Brasileira (FAB).