O presidente Lula em evento na terça-feira (9): medida para baixar tarifa de energia e estender subsídio a fontes renováveis será paga pelo consumidor nos próximos anos.| Foto: André Borges/EFE
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A redução de 3,5% a 5% na conta de luz, anunciada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode trazer algum alívio ao bolso dos brasileiros ainda neste ano. Mas não sairá de graça. Segundo especialistas, o pacote de "bondades" – lançado em meio à queda nos índices de aprovação do presidente – traz consigo elementos que vão onerar o consumidor no médio e longo prazo.

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Na prática, Lula e sua equipe manobraram para capturar de uma só vez um alívio tarifário que inicialmente ocorreria de forma diluída ao longo das próximas duas décadas. Isso significa que, depois desse respiro inicial, não haverá outros adiante. Pior: nos próximos anos, o consumidor ainda terá de pagar a fatura de uma prorrogação de subsídios que o governo embutiu na mesma medida provisória.

A MP 1.212 foi assinada na terça-feira (9) por Lula e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O texto da medida não traz muitos detalhes – o que já é um problema. O fato de o governo não conseguir indicar qual será a redução exata da conta de luz é indicativo da incerteza envolvida no pacote.

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A leitura de especialistas é de que as lacunas do texto levarão outros segmentos do mercado a apresentar demandas específicas – isto é, mais subsídios –, o que se traduzirá em novos custos repassados aos consumidores. A expectativa é de que nos próximos dias apareçam emendas parlamentares pleiteando benefícios.

Não será surpresa: nos últimos anos, toda e qualquer iniciativa de legislação envolvendo o setor elétrico acaba virando um "pinheirinho de Natal" no Congresso, enfeitado por "jabutis" para atender aos variados lobbies do setor. No ano passado, por exemplo, o marco regulatório da energia eólica offshore – parques geradores em alto-mar – recebeu na Câmara "contrabandos" que podem encarecer a conta de luz em R$ 40 bilhões por ano, com incentivos até para energias fósseis.

A MP assinada nesta semana tem duas iniciativas principais. Uma delas é a extensão, por 36 meses, no prazo para que usinas de geração de energia renovável – como solar e eólica – recebam subsídios. O objetivo é assegurar investimentos enquanto não ficam prontas as linhas de transmissão que vão escoar a energia. O prazo atual é de 48 meses. Os beneficiários desfrutam de desconto de até 50% nas tarifas de uso das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica.

A outra iniciativa, a manobra para baixar a conta de luz, é a antecipação de aproximadamente R$ 26 bilhões que a Eletrobras deve a um fundo do setor elétrico. Essa operação será feita para quitar a Conta Escassez Hídrica e a Conta Covid, que são empréstimos tomados nos últimos anos para socorrer o setor.

Na avaliação de especialistas, a MP para baixar a conta de luz deve ter um efeito rebote mais adiante.

O que faz lembrar a MP 579, assinada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2012 e que ficou conhecida como "11 de setembro do setor elétrico".

Na época, o governo forçou a renovação antecipada de concessões de empresas geradoras e transmissoras para baixar a tarifa em 20%. A maior vítima do pacote foi a Eletrobras, então estatal. Obrigada a aderir, a empresa passou a acumular prejuízos por receber uma remuneração inferior à necessária para bancar suas operações.

A redução artificial promovida pelo pacote acabou sendo compensada anos depois, com "tarifaços" que elevaram a conta de luz a níveis muito maiores que os de antes de 2012.

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Governo prorrogou subsídios para quem não precisa. É o consumidor quem vai pagar

Em 2021, usinas de energia renovável ganharam o direito a mais quatro anos de subsídios. Esse prazo se encerraria no ano que vem, uma vez que a área já se consolidou e consegue se viabilizar sozinha, sem necessidade de estímulos governamentais. Entretanto, houve grande pressão de estados do Nordeste, onde se concentram esses empreendimentos, para manter os benefícios por mais tempo.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo criticam a prorrogação. Defedem que incentivos devem ser dados para ajudar negócios a dar seus primeiros passos, o que já não é o caso da energia solar e eólica. Com a extensão dos subsídios, elas vão desfrutar de uma vantagem artificial sobre outras fontes de energia.

E quem paga por esses subsídios são os consumidores "cativos" de energia, por meio de um fundo chamado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Os cativos são obrigados a consumir energia no mercado regulado, fornecida pela distribuidora local – é o caso de todas as residências e pequenos negócios. A cada mês uma parte do que eles pagam na conta de luz é repassada para a CDE.

O valor total de despesas com subsídios em 2023 foi de R$ 40,3 bilhões e respondeu por 13,21% da tarifa dos consumidores residenciais. Somente os repasses referentes a “fonte incentivada” – projetos de energia renovável – somaram cerca de R$ 10 bilhões no ano passado, segundo o Subsidiômetro, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Em 2024, apenas de janeiro até este 11 de abril, o brasileiro já pagou pouco mais de R$ 8,6 bilhões em subsídios na área de energia, dos quais R$ 2,7 bilhões para fontes incentivadas.

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O "Subsidiômetro" do setor elétrico brasileiro por volta de 9h30 desta quinta-feira (11): mais de R$ 8,6 bilhões em subsídios, que equivalem a cerca de 13% da conta de luz.

“Se alguém está pagando metade de distribuição e transmissão, a outra metade está sendo paga por todos os outros consumidores”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.

A prorrogação dos incentivos significa que o brasileiro passará três anos a mais bancando essa fatura e auxiliando segmentos que já conseguem caminhar pelas próprias pernas. A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) estima um impacto de R$ 4,5 bilhões ao ano, além da sobreoferta de energia – uma vez que o subsídio incentiva a instalação de parques geradores que não são necessários por ora.

Nos cálculos de Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, o efeito dessa prorrogação é maior e mais alto que o atual desconto e pode chegar a 9% ao ano até 2029. Considerando os projetos renováveis aptos para reivindicar o subsídio, o adicional varia de R$ 17 bilhões a R$ 19 bilhões.

"Até vão conseguir agora uma redução pequena com as medidas, mas eu fico chateado porque estão contratando um aumento, e é logo ali, em 2029", afirmou Santana à "Folha de S.Paulo".

O ministro Silveira afirmou no evento de assinatura da MP que a prorrogação vai permitir R$ 165 bilhões em investimentos privados e a geração de 400 mil empregos. Há pelo menos dois problemas nessa afirmação.

O primeiro é que parte desses investimentos poderia ser feita de qualquer forma, pois as fontes eólica e solar já são bastante competitivas. O segundo é que o incentivo pode estimular a construção de mais parques que o necessário para abastecer o país – o que significa usar dinheiro do consumidor para gerar um excesso de oferta.

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"Poupança" será gasta de uma vez para baixar conta de luz. E não se sabe a que custo

A Eletrobras foi privatizada em 2022 com o compromisso de aportar R$ 32 bilhões na CDE, gradualmente, ao longo de 25 anos. Esse dinheiro permitiria reduzir a conta de luz ou ao menos reduzir os reajustes anuais nesse período.

Uma pequena parte do valor já foi paga. O que o governo Lula quer é pegar todo o restante – cerca de R$ 26 bilhões – de uma vez. A ideia é usar o dinheiro para quitar dois empréstimos feitos para socorrer o setor elétrico nos últimos quatro anos, a Conta Escassez Hídrica e a Conta Covid.

Isso não significa que a Eletrobras vai pagar adiantado o que deve; o cronograma de repasses da empresa seguirá o mesmo. Na verdade, a tal antecipação será feita em uma operação financeira.

A MP estabelece que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) poderá negociar a antecipação dos recebíveis da Eletrobras na CDE, desde que “caracterizado o benefício para o consumidor”. Em termos técnicos, ela vai “securitizar os recebíveis” até 2047.

Na prática, é como se o governo recebesse créditos de energia na CDE. Esses créditos servirão de garantia para tomar empréstimos – com juros mais baixos que os pagos hoje nas contas Covid e Escassez Hídrica.

O problema é que o custo dessa operação de crédito se tornará um passivo para os próximos anos. E ninguém faz ideia do tamanho do passivo. Não se sabe quais serão os juros e outras taxas envolvidos na operação, mas eles certamente vão existir. Tal como na antecipação do 13.º salário que os bancos oferecem aos trabalhadores, trazer para o presente um ganho que ocorreria apenas no futuro tem um custo.

O governo não abre detalhes, de forma que não há como saber com certeza se o consumidor se beneficiaria mais ao usar de uma só vez todos os recursos a que têm direito da Eletrobras ou se o ideal seria fazer isso gradualmente, ao longo de 25 anos.

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Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ceri), sublinha que, além disso, os recursos desviam o direcionamento para outros investimentos estruturais e importantes.

“Toda vez que não gera melhora no setor, o consumidor paga uma conta mais cara. Não há ganhos de eficiência nessa medida provisória. O governo está fazendo transferência do futuro. É como se pegasse a poupança do futuro. Ninguém está dizendo que as reduções não são importantes. O problema é que não estão sendo geradas condições estruturais para reduzir essas tarifas no longo prazo", explica Joisa, que também é ex-diretora da Aneel.

Sales, do Acende Brasil, entende que nesse caso da antecipação de recebíveis da Eletrobras a destinação de recursos se mantém, independentemente de ser agora ou depois. “A lei [da privatização] tinha uma provisão da destinação desse recuros. O que a MP faz é dar uma outra destinação, mas vai para o fundo da CDE com esse objetivo de baratear a conta de luz para consumidor da mesma forma”, avalia.

Lula quer grupo para discutir novo programa. Reforma prometida desde 2023 ainda não saiu

Um dia após a assinatura da MP, o presidente Lula se reuniu com representantes do setor elétrico para acalmar os ânimos. Segundo relatos de bastidores, no encontro o presidente pediu que seja apresentado ainda este ano um novo programa energético para reduzir a tarifa de forma estrutural.

Segundo o site Poder360, quatro dos 11 convidados para a reunião integraram a área de energia do governo Dilma Rousseff: Mauricio Tolmasquim, Luiz Barroso, Luiz Eduardo Barata e Thiago Barral. De acordo com a "Folha", o presidente pediu aos ministros Silveira, de Minas e Energia, e Rui Costa, da Casa Civil, que organizem um grupo com representantes do setor e também congressistas.

Silveira promete desde o ano passado uma ampla reestruturação na área de energia. Segundo ele, a reforma servirá para organizar a "colcha de retalhos" do setor e "equalizar a questão tarifária" a fim proteger os "consumidores mais frágeis".

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O ministro chegou a afirmar, ainda em outubro, que o texto estava pronto. Mas, apesar das promessas e especulações alimentadas por Silveira e Lula, nada de oficial foi anunciado até agora, o que aumenta a insegurança e o risco de investimento no setor.

A julgar pela reunião desta quarta-feira (10), o governo retornou à fase de formar grupos de trabalho para discutir o futuro do setor.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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