Curitiba, Rua João Negrão, manhã de 1º de dezembro de 1936. Ainda um tanto sonolento, um garoto observa a cidade produzir um novo dia. Donas de casa abrem janelas, comerciantes ajeitam as mercadorias em seus empórios. A atenção com que deambula pelo terreiro situado no local onde hoje funciona o terminal rodoviário é repentinamente quebrada por uma visão surpreendente. No céu, vinda da direção do Tarumã, uma bola monumental se aproxima e se agiganta em silêncio. Todos param para ver. "É um balão", decreta a portuguesa da mercearia. A aeronave gira lentamente, revelando às abismadas testemunhas contornos titânicos. Curitiba era apresentada, oficialmente, ao maior dirigível da época, o alemão Hindenburg e também à grandeza e ao horror do século 20.
Essa narrativa, que pertence a um curitibano de 78 anos, serve como exemplo do fantástico contexto das décadas iniciais do século passado. Repleta de sotaques, a capital paranaense tinha de lidar tanto com os problemas do seu próprio "quintal" quanto dialogar com o resto do mundo. Nesse processo, a Gazeta do Povo desempenhou um papel relevante. Hoje, é possível enxergar suas antigas edições como "cápsulas do tempo" que conseguem a façanha de abrigar notícias aparentemente tão distantes e humanamente tão próximas quanto os "ataques de cabras" aos jardins do Batel, de abril de 1925, e a repercussão da bomba lançada sobre Hiroshima, de agosto de 1945.
Já nas primeiras décadas do século passado, durante a República Velha, marcada por governos oligárquicos, a Gazeta do Povo demonstrou sua importância, como ressalta Hélio de Freitas Puglielli, jornalista e professor aposentado de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pesquisou detidamente os primeiros anos do jornal. "O jornalismo era uma voz de liberdade. E a Gazeta, embora tenha surgido proclamando a imparcialidade, canalizava uma série de reivindicações locais", observa. Uma delas foi a luta dos madeireiros paranaenses pelo barateamento do frete ferroviário.
Durante toda a primeira metade do século 20 os jornais refletem uma ambivalência histórica, como explica Dennison de Oliveira, professor do Departamento de História da UFPR. Por um lado, o Brasil se inseria em um contexto político-econômico periférico, de exportação de bens primários (o Paraná ainda mais, por produzir os chamados "bens de sobremesa" como café e erva-mate). Por outro, Curitiba era a capital e, nessa condição, precisava se destacar o que determinou, relativamente cedo, uma série de iniciativas públicas como a reforma urbana desencadeada por Cândido de Abreu, no início do século 20. "A condição de capital sempre fez diferença: na década de 1950, por exemplo, metade dos serviços médicos ofertados no Paraná estava em Curitiba. Em outras palavras, ainda éramos provincianos, mas bem menos do que outras regiões", avalia Oliveira.
Prepare o olhar
Neste primeiro caderno especial de aniversário da Gazeta do Povo, você tem a oportunidade de conhecer um pouco mais a cidade e o mundo no período que vai da fundação do jornal, em 1919, até o início da década de 1960, quando ainda estava nas mãos do advogado De Plácido e Silva, atuante desde a fundação do periódico. Selecionar o material mais representativo desse período não foi tarefa fácil, dada a assombrosa magnitude dos fatos. Nossa sugestão, para os leitores, é de que se aproximem de cada notícia como se estivessem diante de um fato inédito. Que percebam, nos textos e fotos, a atmosfera, o olhar e até as idiossincrasias do jornalismo em um outro (e heroico) tempo. Boa leitura!