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Terezinha com Francisco, em dois eventos sociais na década de 70: “Nunca tive dúvidas de que ele era um grande homem” | Arquivo pessoal
Terezinha com Francisco, em dois eventos sociais na década de 70: “Nunca tive dúvidas de que ele era um grande homem”| Foto: Arquivo pessoal

Dezembro foi um mês agitado na Curitiba de 1963. Tinha-se de preparar o Natal, a noite do réveillon, mas também de acompanhar o que saía nos jornais e revistas sobre o casamento do ano, o "enlace" de Terezinha Döring e Francisco Cunha Pereira Filho. Foi dia 28 de dezembro, na Igreja São Francisco de Paula, às 11h30. Mas o burburinho começou muito antes e acabou muito tempo depois. Não houve assunto mais falado naqueles dias e, de certo modo, nos anos que se seguiram. Qualquer [rara] aparição do casal, dali em diante, seria cercada de atenções e cabeça esticada para enxergar melhor. A bordo do incrível Studebaker Farina 1954 de Francisco, ou num evento social – não importava – os dois confirmavam ser a tradução local do estilo e a elegância de Grace Kelly e Rainier de Mônaco ou de Jacqueline e John Kennedy, ícones da década de 60.

Havia motivos a rodo para tanta curiosidade em torno do casal. Segundo registrou o colunista Dino Almeida, em texto no jornal Diário do Paraná, de 1963 – Terezinha vinha de raras, porém marcantes aparições na vida social da época. Quando botava a cabeça para fora da porta, arrancava dos olheiros do jet set elogios rasgados a seus modos de garota de fino-trato. Sem falar na beleza. Já Cunha Pereira – então advogado de sucesso e oriundo de uma dinastia da Lapa – era, sem concorrência, o que as meninas chamavam de "o melhor partido da cidade." Bem-apessoado, bem-nascido, bem-sucedido e de inteligência notável.

Durante um baile de Natal do Clube Curitibano, em 1956, ele confidenciou a um amigo que estava prestes a se decidir. "É com uma moça assim que eu gostaria de me casar...", disse, depois de trocar uns passos no salão com a candidata. A moça se chamava Terezinha Döring, uma gaúcha de Porto Alegre, mas criada em Curitiba. O comentário se espalhou como rastilho de pólvora, até chegar ao seu destino – os ouvidos de Terezinha. Ela, porém, tinha apenas 15 anos. Francisco, 31. Seria preciso esperar. "Ele dançava muito bem. E eu também. Nos entendemos imediatamente. De minha parte, foi amor à primeira vista. Da parte dele não sei dizer", comentou – numa das poucas entrevistas que deu.

Mas não foi daquela vez que o namoro deslanchou. Depois do baile, Terezinha seguiu sua rotina de aluna bem-comportada do Colégio Sion, ensaios de balé no Curso Morozowski, e os estudos de piano. Sonhava ser concertista e girar mundo. A beleza, que viria a se tornar lendária, contudo, volta e meia atropelava seus planos. Em dezembro de 1957 – exatos 12 meses depois de conhecer Francisco no Curitibano – foi eleita o "Broto do Ano" pela revista Alta Sociedade. A matéria, de capa, confirmava que ali estava não só uma das mulheres mais deslumbrantes de seu tempo, mas também uma figura de opinião.

Na matéria assinada por J. Régis, com fotos de Chiquinho, não faltam salamaleques e rapapés do estilo magazine de então. "Loira, olhos claros e suaves (olhos 'cor do tempo', segundo expressão dela mesma), sobrancelhas arcadas, levemente irônicas e provocadoras, é uma menina meiga e bonita que mora em uma agradável vivenda, no aristocrático bairro do Batel", diz o texto.

A adolescente de colégio de freiras confessou na reportagem que detestava concurso de misses, vestidos armados – tão cultuados nos anos dourados – e hipocrisia. Preferia salto 7, calça comprida – um tabu que custou a ser vencido na Curitiba dos paralelepípedos – e, em vez de folhetins açucarados, devorava bons livros.

No melhor estilo "meu trono por um amor", também deu a entender que era uma romântica, sim, porém moderna, e declarou que não se casaria antes dos 25 anos. J. Regis duvidou. E Terezinha bem que tentou.

Em 1960, entrou para a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), integrando uma das ge-rações mais originais já passadas pelo curso de Pintura da faculdade. Seus contemporâneos eram ninguém menos do que João Osório Brzezinski e Fernando Calderari, para citar dois. O mundo estava em ebulição e a Embap era uma chaleira de água fervendo – o único espaço cultural da cidade que não cheirava a mofo. Foi nos tempos de escola que a discreta Terezinha amadureceu muitas idéias que a acompanhariam dali em diante. Mas nenhuma contracultura, revolução formal, performance ou happening dos anos rebeldes seria capaz de interromper uma dança iniciada nos salões do Curitibano, em 1956.

O namoro com Francisco tomou rumo e poucos anos depois ela já estava com data marcada para subir ao altar. "Francisco tinha muito charme, como todo mundo sabe. Era um encanto. Mas minhas amigas duvidavam que ele se casasse comigo", brinca. As amigas erraram. E erraram tão feio que Cunha Pereira não só casou, como o fez em grande estilo.

Um belo dia, o desembargador Francisco Cunha Pereira, o pai, foi pessoalmente à Rua Saldanha Marinho, na altura da Praça Espanha, onde viviam os Döring, para pedir a moça em casamento para o filho. O Francisco foi aquele a quem Terezinha deu a mão. Ela aceitou – movida pela paixão, como conta, e por uma certeza. "Eu sempre soube que se tratava de um grande homem."

Francisco reservou para a noiva um casamento que ela chama emocionada de "conto de fadas", "um filme lindo", "a primavera da vida". Foram dois dias de festa – a primeira, para o civil, em 27 de dezembro, ocorreu no Salão de Honra do Curitibano, o lugar onde tudo começou, seguido de recepção na Boate Mignon. A jornalista Juril Carnasciali, colunista da Gazeta do Povo ainda hoje, descreveu a cerimônia em minúcias e sem economizar adjetivos para a noiva. A propósito, ela usava vestido rosa-salmão, de palha de seda.

A cerimônia religiosa, em 28 de dezembro, idem, mereceu comentários até para a roupa das damas e reprodução da lista completa de padrinhos. Foi ao som do coral do Lar dos Meninos São Luiz que Terezinha entrou com seu vestido "modelo cetim de seda pura, estilo princesa, e grinalda de botões de laranjeira." A lua-de-mel foi uma semana no Copacabana Palace, seguida de turnê pelos Estados Unidos e México.

Nos anos que se seguiram, Terezinha abandonou a pintura e se recolheu à educação dos quatro filhos do casal – Francisco Neto, Guilherme, Ana Amélia e Cristina –, tornando-se a figura discreta e constante ao lado do homem que mudou a história das comunicações no Paraná. Ela reconhece a curiosidade que sua figura despertava, da qual se protegeu com uma medida muito simples. "Eu não me deslumbrei." Daí as poucas fotos e entrevistas, as aparições medidas com régua e compasso.

Foi da sala de casa, durante 45 anos, que ela acompanhou as dezenas de campanhas movidas pelo marido. Torceu por várias, como dos royalties de Itaipu – sua preferida – seguida nas páginas da Gazeta do Povo dia após dia, qual uma saga, durante a década em que durou a luta de seu marido para que o Paraná fosse ressarcido pela perda de terras férteis. "Eu não interferi em nenhuma causa que ele abraçou. Cooperei, deixando-o à vontade para seguir adiante. Não atrapalhei. Preferi o silêncio, deixando que ele realizasse seu projeto de vida". "Francisco foi um homem de sorte", declara, em meio a memórias tantas. A moça que queria rodar o mundo, mas que daria seu reino por um grande amor, com certeza tem parte nisso.

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