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| Foto: André Teixeira/Agência O Globo

Estudioso do jogo do bicho, o sociólogo Michel Misse não se surpreende mais com a estreita ligação entre policiais e bicheiros. "É uma relação histórica", afirma. Em entrevista por telefone, Misse analisou a declaração do ex-comandante-geral da Polícia Militar do Paraná, o coronel Marcos Theodoro Scheremeta, que admitiu publicamente na última sexta-feira ter vínculo pessoal com chefões do jogo do bicho em Curitiba.

Para o sociólogo, Scheremeta não pode ser censurado simplesmente por manter amizade com bicheiros – desde que isso não tenha influenciado na sua atuação como policial. Misse ressalta que se houve erro na indicação do coronel para o comando da PM, ele não foi do governo estadual, mas sim do oficial, que aceitou. "Ele [Scheremeta] fica numa posição delicada", enfatiza.

O ex-comandante-geral da PM do Paraná afirmou ter relações de amizade com bicheiros. Como o senhor avalia essa declaração?

Eticamente é complicado. Mas ao fato de eles serem amigos não há qualquer impedimento. Podem ser amigos de infância e ninguém pode impedir isso. Agora, como comandante da PM, ele fica em uma posição delicada.

Essa relação não interfere no trabalho dele como policial?

Depende. É uma posição delicada, difícil para ele, mas não se pode condenar uma amizade. Só se pode condenar caso ele não estivesse fazendo seu trabalho. Se ficar provado que o comandante não cumpriu a lei, então sim.

Como o senhor analisa essa ligação entre policiais e bicheiros?

É uma relação histórica, até porque o jogo do bicho é histórico. Existe há mais de um século no Brasil. É evidente que a manutenção da criminalização do jogo favorece essa situação. O jogo do bicho é popular. Se fosse algo clandestino... mas o jogo é praticamente semilegal. Em todo o país você vê os apontadores do bicho trabalhando. A repressão é muito seletiva. O Brasil não é um país para principiantes.

Por que é tão difícil reprimir o jogo do bicho?

Nos Estados Unidos havia uma campanha moral para controlar o consumo de bebida alcoólica [no início do século passado]. Então, fizeram a Lei Seca. Quando começaram a ver que todos bebiam clandestinamente e o resultado era o pior possível, resolveram acabar com a lei. A situação do jogo do bicho é mais ou menos semelhante. Você tem uma criminalização de uma atividade que é popular. Muitas vezes o próprio policial joga no bicho e ele acha absurda essa criminalização. Isso facilita a corrupção.

O governo do Paraná errou ao colocar um coronel que tem relações pessoais com contraventores no comando da PM?

Se houve um erro, esse erro incide sobre o próprio comandante. Ele fica numa posição delicada. Ninguém pode de antemão supor que o fato de você ter uma amizade signifique estar corrompido. Isso é muito importante frisar. Se o governo escolheu como comandante da PM alguém que é amigo de bicheiros, colocou essa pessoa numa posição difícil. Se o comandante quis esse cargo, é porque aceitou o desafio. Não dá para ficar criminalizando antes da hora. Agora, é uma situação delicada para um comandante, não resta dúvida.

A Polícia Federal fez uma operação recentemente contra o jogo do bicho em Curitiba que criou constrangimento nas polícias estaduais...

O que pode estar ocorrendo é um grau de tolerância. O jogo não é crime, é uma contravenção. Ela dá uma prisão de no máximo seis meses. No Nordeste, por exemplo, a PF fechou várias lojas onde se tinha jogo do bicho. Por quê? Havia uma tolerância local com relação ao jogo. No Rio de Janeiro e na Bahia, nos anos 60, os governadores decidiram tolerar. Foi amplamente publicado na imprensa. Chamaram isso de Operação Magalhães [em referência ao ex-governador Juracy Magalhães] porque começou na Bahia e o [governador] Badger da Silveira aderiu no Rio. Foi uma decisão estadual de não gastar o tempo da polícia com isso. O que acontece hoje em dia é que se o governador fizer algo assim o Ministério Público vai para cima dele. Então, hoje a tendência é praticar a tolerância sem falar, sem divulgar.

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