Personagem
Orgulho de ser "caveira"
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no Morro da Mangueira, em julho, duas semanas após a ocupação da área pelo Bope. São os "caveiras" que abrem o caminho para a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Eles ficam na comunidade até que o local seja considerado seguro e que o efetivo da UPP esteja pronto para assumir o controle da área.
No alto do morro, junto a escritórios improvisados, chamados informalmente de "meu contêiner, minha vida", a reportagem encontrou o 2º sargento Marco Moraes fazendo o patrulhamento a pé. De fuzil na mão e uma cápsula ponto 50 no colete, ele concorda que avisar os traficantes de que o Bope vai subir a favela é mais adequado do que manter a política do confronto. "Não dá pra dizer: trouxemos a paz, com o chão cheio de sangue", avalia.
Há 26 anos no Bope, Moraes já esteve em mais de uma centena de operações e em todas as 17 ocupações para pacificação de favelas. "A emoção de participar em uma situação dessas não pode ser traduzida. É como saltar de paraquedas". Para ele, desmontar o esquema do tráfico gerou "desemprego" na favela e deixou o gerenciamento mais barato para o traficante. Ainda assim, hoje seria bem menos "atrativo" entrar para uma organização criminosa. "Teve momentos em que era bem mais tentador ser comandante do tráfico do que governador do estado", avalia.
A escalada da violência no Rio de Janeiro nos últimos 20 anos preparou o terreno para o surgimento de uma máquina bélica: o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). E o uso dessa força se tornou tão frequente que espalhou Brasil afora a ideia de que o modelo carioca de enfrentamento à criminalidade poderia ser aplicado em quase todas as situações, mesmo às custas de mais violência.
"Aqui [no Rio] o Bope só é desse jeito por causa da quantidade de bandido. Tivemos que evoluir ou ia morrer policial direto", relata o subcomandante do Bope, tenente-coronel Fábio Souza. Em dez anos o Bope dobrou de efetivo, de 200 para 400 policiais. O processo de seleção e treinamento do pelotão é realmente rigoroso, reconhece Souza. Mas ele não considera que haja exageros, como os retratados nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, que popularizaram o Bope no país. "O ambiente operacional onde o policial vai trabalhar exige que seja assim", justifica.
O armamento das organizações criminosas, na visão do subcomandante, é parecido com o usado pelo Bope. "Mas tem uma grande diferença: ter treinamento, saber usar", pondera. Há quatro anos não morre um "caveira", como são chamados os agentes do Bope, em confronto.
Um novo quartel que ficará no Complexo da Maré, um conjunto de favelas consideradas violentas e nas proximidades do aeroporto Tom Jobim está em construção. Mas não há expectativa de aumentar muito a estrutura nos próximos anos o investimento cada vez mais é destinado à tecnologia. "Agora conseguimos estar um passo à frente da criminalidade, inovando em equipamento e treinamento", conta.
A sede atual do batalhão, que fica no Morro das Laranjeiras, recebe visita de comitivas de vários estados e até de outros países, em busca da experiência adquirida. Mas enquanto outros copiam o modelo, o Rio de Janeiro se prepara para usar cada vez menos a estrutura que montou.
Com o processo de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o Bope deixou de ser acionado em várias favelas em que aconteciam enfrentamentos frequentes, como o Complexo do Alemão. O próprio pelotão defende a política de pacificação adotada pelo governo fluminense. "Em 22 anos de polícia, o programa das UPPs é o melhor que eu já vi", afirma. Para ele, a política de ocupar apenas uma vez cada favela representa também uma economia de forças.
Contraponto
Mesmo dentro da polícia fluminense, o uso recorrente da força do Bope é contestado. O comandante das UPPs, coronel Robson Rodrigues, afirma ter dificuldade para convencer a sociedade que uma polícia de proximidade é mais eficiente do que a polícia do enfrentamento. Rodrigues avalia que, antes da política de pacificação, o imaginário coletivo defendia que toda a estrutura de segurança pública agisse aos moldes do Bope.
Para o cientista político João Trajano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Bope deve ser acionado, como o próprio nome sugere, em operações especiais, quando ocorrem situações extraordinárias.
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