Allison Tracz e Raphael Bonato: desafio em terreno acidentado| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo
Saiba mais sobre o ultradesafio

Correr 217 quilômetros em 60 horas é bastante difícil. Mais ainda com um percurso de apenas 20 quilômetros em terreno plano e o restante em subidas e decidas. Piora graças ao caminho castigado pelas chuvas em Minas Gerais com muita lama e trechos interditados. Não é de se estranhar, portanto, que a edição 2009 da BR 135 (distância em milhas correspondente a 217 km) leve o título de corrida mais difícil do Brasil. A ultramaratona integra a Copa do Mundo de Corridas de 135 Milhas. As outras duas etapas da Bad 135 World Cup são nos Estados Unidos.

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Uma corrida capaz levar os envolvidos ao limite. Ou além dele. Em 2008, o paranaense Ricardo Lero ficou quase uma semana internado devido ao abalo psicológico sofrido por ter ficado horas longe do carro de apoio, sem comida, luz ou água e com medo de morrer. Detalhe: ele era apenas da equipe de apoio.

Nada disso compromete o entusiasmo dos dois únicos paranaenses entre os 60 atletas que largam no próximo dia 23 de janeiro em Poços de Caldas, no sul de Minas. A chegada é em Paraisópolis, dia 25. Alisson Tracz, de 24 anos, e Raphael Bonatto, de 28, estão na fase final de treinamento para o ultradesafio.

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"É incrivelmente difícil", define o professor de corridas Raphael Bonatto, após uma dura experiência no ano passado. Ele abandonou a prova depois de quebrar um dedo do pé e perder duas unhas. Mesmo após o incidente, insistiu em correr por mais cinco quilômetros. "Calculei mal a prova e larguei muito rápido. Lá pelo quilômetro 19, de madrugada, estava muito cansado e topei em uma pedra. Esse ano vou respeitar mais a corrida", relembra e planeja.

O episódio com Bonatto colaborou para o colapso de Ricardo Lero. "Ele estava como apoio na minha equipe, e nós é que acabamos o apoiando. Ninguém consegue explicar o que acontece nessa corrida. A gente assina um termo antes da prova que é como um testamento, assumimos a responsabilidade em caso de morte e somos alertados sobre o risco de danos psicológicos seríssimos", conta.

É normal em provas de longa distância como esta os participantes sofrerem alucinações. O curitibano João Sacks jurou ter comprado uma casinha à beira da estrada com cartão de crédito. Já o norte-americano Jarom Thurston, passados 200 quilômetros, encasquetou que participava de uma prova de caça ao tesouro e começou a fazer o caminho inverso.

Para fugir das armadilhas mentais, Bonatto, que "via" cortinas brancas no meio do mato, vai correr com uma camiseta com a foto da filha Giovana, de 1 ano e meio. Alisson confia na concentração e na mentalização prévia para não ser traído por si mesmo. "Também fui como equipe de apoio no ano passado. Não arriscaria disputar uma prova como essa sem conhecê-la bem", afirma.

A competição exige um arsenal para suportar um percurso equivalente a mais de cinco maratonas. São seis pares de tênis, 12 de meias, conjuntos completos de roupa para calor, frio e chuva, lanternas, medicamentos, suplementos alimentares e comida – curiosamente pouco saudável.

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"Tem pão, massa, mas comemos bastante bolacha, batata frita de pacote, coisas salgadas, gordurosas e muito calóricas", conta Bonato. É a forma de compensar a perda da reserva de gordura do organismo, cerca de 8% em atletas neste nível de treinamento – um homem saudável tem de 14 a 19% de gordura corporal.

Tracz vai atacar muito macarrão e Coca-Cola. "É docinha, gostosa, dá um ânimo e a impressão que revigora. É um placebo (medicamento sem efeito, ministrado na crença do paciente de que está sendo tratado)", explica.

O custo para bancar tudo ultrapassa R$ 5 mil. Um bom resultado poderia garantir patrocínio para completar a Copa do Mundo com novos desafios até a exaustão.