Ouvir de um argentino que o futebol brasileiro é alvo de respeito e admiração em nosso país vizinho pode parecer estranho para muitos brasileiros, mas a situação ganha contornos definitivos quando o autor da afirmação é o mentor do projeto "Futebol, Mídia e Nação: as narrativas sobre a seleção brasileira de futebol na imprensa argentina".
Professor da faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estados do Rio de Janeiro (Uerj), Ronaldo Helal aproveitou seu pós-doutorado em Ciências Sociais na Universidade de Buenos Aires para provar que os argentinos não nos vêem com a má vontade e antipatia que imaginamos. E dois simples exemplos abrem os serviços.
- A rivalidade existe ao lado de uma profunda admiração. A Argentina não esteve na Copa de 1970, mas os dois correspondentes que o "Clarín" enviou torceram pelo Brasil, que representava o futebol sul-americano. O mesmo aconteceu em 1994, e também com o "El Gráfico", depois que a Argentina foi eliminada.
Mais do que ratificar uma certa reverência a quem é pentacampeão mundial, o estudo de Helal procura mostrar a relação de dependência entre os dois países no futebol. No entanto, que os brasileiros dão muito mais valor à rivalidade.
- Eles têm outros rivais, nós temos apenas eles. Precisamos mais da Argentina para marcar nossa identidade do que o contrário. A identidade argentina já havia se formado com as escolas públicas, enquanto o Brasil precisou do futebol, do Estado Novo... É algo mais recente - diz Helal, lembrando que as recentes propagandas brasileiras ironizando os argentinos não foram levadas a sério. - Para eles, foi uma comprovação de que temos mesmo, ou seja, damos muito mais bola para a Argentina. Na imprensa, por exemplo, eu nunca vi uma provocação sequer no "Clarín" ou no "La Nación". Isso acontece apenas no "Olé". No Brasil, todos os setores assumem esse papel.
A discussão envolvendo Pelé e Maradona é outro ponto abordado pelo professor. Mas o que pode assustar nada mais é do que uma constatação óbvia que, em virtude da paixão do torcedor, acaba sendo observada com vista grossa.
- No museu do Boca Juniors, a única camisa de um jogador brasileiro é a do Pelé, usado no bicampeonato da Libertadores pelo Santos. Mas a questão não é se preocupar em responder quem foi o melhor. O fato é que Pelé não é tão querido no Brasil como Maradona é na Argentina, e este segue mais a linha do Garrincha, a Alegria do Povo. Você pode encontrar suas fotos ao lado das de Carlos Gardel e Evita Perón, ou seja, ele está numa categoria de herói. Maradona fala um monte de besteiras, mas passam a mão na cabeça porque ele ainda é o garoto, o "El Pibe".
Apesar de o futebol dos dois países ser da mesma escola, nossos arqui-rivais tiveram de se adaptar recentemente para enfrentar um Brasil que estava encantando o mundo e conquistando todos os títulos possíveis antes da Copa 2006.
- A simbologia do futebol brasileiro é a do drible, malandragem, alegria e talento, diferentemente da Europa, mas igual à da Argentina. Há uma identificação, mas em 2005 eles mudaram a postura. Assumiram que "precisamos ter uma distribuição de volantes para jogar com os senhores do 'Jogo Bonito'" - diz Helal, lembrando de uma pesquisa que fez com os torcedores em Buenos Aires. - Pedi que definissem o futebol argentino, e as respostas foram improvisação, individualismo, arte... E o brasileiro? "Nós gostaríamos de jogar como vocês" foi a resposta, mesmo que com uma ponta de inveja.
O estudo de Helal mostra que os hermanos podem e devem ser vistos com um pouco mais de respeito, independentemente do que aconteça dentro de campo. No fim das contas, precisamos separar as coisas.
- Estava em Buenos Aires quando o Brasil foi eliminado da Copa pela França. Houve um buzinaço, mas a comemoração durou pouco - lembra ele, revelando mais um sintoma do fascínio que exercemos nos argentinos - Vi muitas pessoas usando sandálias com a bandeira do Brasil, e só usavam porque tinha a bandeira. Eles falam abertamente que admiram nosso futebol, que somos os profissionais do jogo bonito.
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