Os gestos extravagantes que faz do lado de fora da quadra são prova de que o técnico Bernardo Resende não suporta perder. Acostumado a colecionar vitórias e títulos como poucos esportistas do país, ele é quase um carrasco de seus atletas. Suga todas as energias nos treinos, cobra empenho e resultados. Levar o grupo ao seu limite é a garantia de vaga cativa no lugar mais alto no pódio, como comprovam o ouro na Olimpíada de Atenas, em 2004, o título mundial de 2002 e o da Liga Mundial deste ano.
Dentro dessa estratégia, até o pior inimigo acaba virando aliado. Na opinião do técnico da seleção masculina de vôlei, mesmo a contragosto, vale a pena perder hoje para ganhar amanhã. É assim que Bernardinho encara o inesperado vice-campeonato da Copa América, disputada no Rio Grande do Sul até o último domingo.
Na derrota para os Estados Unidos, por 3 a 2, pode estar a origem de futuras glórias, em uma repetição do roteiro iniciado com o revés diante da Venezuela, na final do Pan de Santo Domingo. Aquele resultado, em 2003, foi amplamente explorado pelo comandante para manter o grupo consciente de que era preciso dar sempre o máximo na caminhada pelo ouro na Grécia. Deu certo.
"Acho que isso vem a reforçar essa idéia. Primeiramente, temos de usar esta experiência como lição para que a gente possa, ainda em 2005, se recuperar no Sul-Americano e na Copa dos Campeões. Mas será útil principalmente em 2006, para o Campeonato Mundial. Nós vamos para o Japão buscando o bicampeonato, defendendo o título", diz. "Espero que utilizemos esta derrota, que é sempre dolorosa, sempre dura, como aproveitamos a do Pan: para nos reforçarmos, melhorarmos, crescermos e amadurecermos."
Antes do início da Copa América, Bernardinho havia dito que o Brasil tinha mais a perder do que a ganhar na competição. Um tropeço seria criticado, mas uma vitória seria recebida como obrigação. Terminado o torneio, o ponto de vista mudou um pouco.
"Eu não acho que tenha sido prejudicial. Claro que a derrota não é boa, especialmente depois de estarmos atrás por 2 a 0 e empatarmos o jogo. Além de ter sido uma boa lição, valeu também para desmistificar essa história de que o Brasil é imbatível. Somos apenas uma das grandes equipes do mundo", opina, considerando que o revés se deu pela pressão sobre a equipe no tie-break. "Os EUA estavam tranqüilos para soltar o braço, já tinham feito o papel deles", afirma. "Pesou mais o lado psicológico, emocional. Vamos conversar a esse respeito."
Em entrevista publicada no domingo pela Gazeta do Povo, o atacante Giba revelou decepção pelo rápido esquecimento da façanha olímpica. Bernardinho concordou em parte, mas se mostrou solidário à "amargura" sentida nas declarações de seu pupilo. "É um rapaz que fez tanto, passou por tantas situações, quando ele errou foi criticado (se referindo ao episódio em que ele foi pego no antidoping por uso de maconha). Talvez agora merecesse mais atenção", conta.
"O Brasil, infelizmente, ainda é um país de memória bastante curta. Não só no esporte. As pessoas precisam matar um leão por dia para que as coisas estejam vivas na memória. Nos EUA ou num grande país da Europa, um atleta que ganha uma medalha olímpica passa a vida inteira sendo respeitado por aquela conquista que é extremamente significativa. Aqui as coisas passam com muita velocidade", lamenta ele, que diz não acreditar, que o desenvolvimento do esporte ocorra naturalmente em função do ouro em Atenas.
"Sou pró-ativo e busco fazer as coisas. Não podemos ficar estáticos esperando que tudo aconteça. Por ser mais velho, estou resignado com essa situação."
Bernardinho reclamou da "crítica pela crítica" e disse que o problema é complexo. "Isso acontece muito porque é parte da nossa cultura, que hoje tem valores sendo bastante contestados. A crise que o país vive não é só política, como não era só econômica no passado. É mais de valores, princípios. É uma crise moral mesmo", afirmou.
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