Poucas vezes um golo assim mesmo, com grafia tipicamente lusitana foi tão importante para um país como o marcado pelo atacante Akwa, aos 35 minutos do segundo tempo. Ao garantir a sofrida vitória por 1 a 0 sobre Ruanda, ele classificou a seleção de Angola para a Copa do Mundo da Alemanha, no ano que vem. A importância da primeira participação da ex-colônia portuguesa em um Mundial não se restringe apenas à conquista esportiva. Se tornou uma questão de auto-estima. Um apoio para reerguer uma nação atormentada por quase três décadas de guerra civil.
A façanha veio no ano em que o país comemora 30 anos de sua independência de Portugal 11 de novembro de 1975. Melhor ainda. Há quatro anos, Angola desfruta de um, até então, raro momento de paz. Desde que se tornou país livre, a população sofreu com a guerrilha interna pelo poder. Foram pequenos intervalos de cessar-fogo antes de 2002, quando finalmente o diálogo venceu as balas. E é a bola, agora, a inspiração para que a paixão incontida dos angolanos por sua pátria ajude a curar as feridas não cicatrizadas.
Em Curitiba, cidade que hospeda muitos angolanos, na maioria estudantes, é fácil perceber o momento de emoção e prazer que vivem os fãs dos Palancas Negras apelido do time, tirado de uma espécie rara de antílope que só existe em uma região do país. "Representa a esperança, a renovação. É uma mostra de que as coisas podem dar certo", resume o estudante de Engenharia Elétrica Enver Tukayano Correia Malaquias, o Tuka, 29 anos.
O mesmo sentimento é compartilhado pela estudante de Medicina Veterinária Alcina Cauto, 20 anos. "É uma satisfação para o povo angolano, que vem lutando tanto. É imensurável", garante. Ela, que faz as contas para ir à Europa acompanhar o time in loco, destacou ainda a dificuldade do feito. "As estruturas do país não estão organizadas. Tem jogador que nem come direito", afirma.
O bom relacionamento com o Brasil primeiro país a reconhecer a soberania de Angola faz com que eles abram mão do discurso politicamente correto, diplomático. Com sotaque dalém mar, confessam que em um possível confronto entre as duas seleções na Alemanha, não há espaço para dúvidas no coração.
"Apesar de termos tradição em torcer pelo Brasil, sou Angola. Incondicionalmente", fala Tuka. "Não tem como ficar dividido. Em um momento como este, a gente tem de torcer pelo país da gente", revela Carlos Gama, 24 anos, estudante de Geologia. "É a maior alegria que o esporte já nos trouxe. Somos os melhores da África no basquete, mas o futebol é uma língua mundial", complementa.
Empolgados com a boa campanha na eliminatória africana, os angolanos sugerem levar a surpresa para a Copa. "Cuidado. Estamos na área", brinca Tuka. "Esperamos passar pela primeira fase, mas depende do sorteio", diz Gama, mais realista. Na verdade, o resultado pouco importa. O que eles querem é que Lebo-Lebo, Jamba, Love Kabwngula, Zé Calanga, Asha, Akwa e tantos outros nomes que nos soam estranhos, mostrem ao mundo que Angola renasceu. E que veio para ficar.
"Sabemos que eles farão tudo que podem, não vamos cobrar nada. Estar lá é o suficiente. Certamente já servirá para nos deixar mais unidos", comenta Alcina. "Há países que nem sabem que Angola existe. Vamos mostrar quem somos", complementa a futura veterinária.
A vontade de explorar ao máximo as possibilidades também encontra eco nas palavras da estudante de Administração Internacional de Negócios Joana Camgonbe, 24 anos. "Temos de viver a alegria deste momento intensamente, mas não aspiramos uma grande colocação. É quase impossível. O importante é deixarmos lá a nossa marca", diz, engrossando a corrente que acredita que a recente glória esportiva trará reflexos para toda a sociedade de Angola. "Vamos até onde nos deixarem ir", conclui, usando um ditado que, segundo ela, reflete o espírito de luta angolano.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura