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Agassi, após o jogo com o cipriota Marcus Baghdatis: “Eu me pergunto como elas se sentiriam se soubessem o meu segredo” | Kevin Lamarque/  Reuters
Agassi, após o jogo com o cipriota Marcus Baghdatis: “Eu me pergunto como elas se sentiriam se soubessem o meu segredo”| Foto: Kevin Lamarque/ Reuters

Bastidores

No livro, Agassi dá várias informações curiosas. Confira algumas delas abaixo:

- Tão obsessivo quanto o pai que o criou, Agassi tinha vários rituais antes de uma partida. Um deles era conferir cada uma das oito raquetes que preparava para cada confronto.

- Num dia, por causa de um atrapalho, esqueceu de levar uma cueca extra na mochila. Quando precisou trocar de roupa – que fica ensopada depois de uma hora de jogo –, optou por ficar sem cueca. E gostou. Desse dia em diante, segundo Agassi, passou a jogar sem cueca.

- Na juventude, ele tinha os cabelos compridos e os fãs o adoravam por isso. Logo, começou a perdê-lo e revela que chegou a jogar usando peruca porque não queria admitir a calvície.

- A maior força de Agassi foi criar ao redor de si uma equipe de confiança que administrava sua carreira como marinheiros fieis em alto-mar sob as ordens de um capitão. As figuras-chave eram o preparador físico Gil Reyes e o técnico Brad Gilbert.

A autobiografia de Andre Agassi tem uma construção engenhosa, consegue criar suspense sobre determinados fatos e amarrar outros desconexos na aparência. O texto é envolvente como quase não se vê em obras do gênero. Mas também tem as características de uma típica história de sucesso.

Treinado desde bebê pelo pai tirânico, Agassi foi uma promessa na juventude, conquistou poucos torneios importantes e, aos poucos, ocupou um lugar entre os melhores tenistas do mundo. Com problemas pessoais e vivendo um conflito permanente com o tênis –dedica boa parte do livro a mostrar que não gosta do esporte –, ele decaiu até desaparecer de cena.

Dado como morto no circuito, procurou organizar a casa, fortalecer o físico e treinar os pontos fracos do seu jogo. Recomeçou de baixo, disputando (e ganhando) torneios de qualificação. O retorno se confirmou com a vitória em Roland Garros em 1999, sete anos depois de vencer Wimbledon e prestes a completar 30 anos de idade. A aposentadoria sairia em 2006. Nesses sete anos, levou quatro troféus de Grand Slam: três vezes no aberto da Austrália e uma no dos Estados Unidos, sem contar o da França, já mencionado.

O livro começa com a descrição de um dos últimos jogos de Agassi, contra o cipriota Marcus Baghdatis, pelo US Open. Quando entra na quadra, o público, sabendo que o astro está para se aposentar – se perdesse a partida, sua carreira estaria encerrada –, dão a ele uma recepção sensacional. Gritam, aplaudem e assoviam para Agassi. "Eu me pergunto como elas se sentiriam se soubessem o meu segredo", larga o tenista diante da ovação. Surge o suspense na história.

Mais adiante, Agassi diz que ficou fascinado pela tenista Steffi Graf já na primeira vez em que a viu – e acabou casando com a alemã quase dez anos mais tarde, depois de ter insistido um bocado para conhecê-la e de ter se separado da atriz Brooke Shields.

Iguais a esses dois episódios, existem outros nesse esquema uma pista surge para apontar algo que vai acontecer no futuro. No esforço de explicar momentos-chave de sua jornada pessoal e de dar a eles um significado especial, quase místico, Agassi parece às vezes forçar a mão. Mas, na verdade, esse deve ser um negócio comum para a maioria das pessoas. Todo mundo precisa de significados em suas histórias pessoais, não?

No entanto, os melhores momentos do livro são as descrições de partidas de tênis. Depois do jogo no capítulo de abertura, a narrativa é pontuada por embates que se tornaram históricos, como os de Agassi contra Pete Sampras (seu maior rival) e Patrick Rafter.

A tensão, a adrenalina e a disputa por pontos são descritos com talento literário: "Não posso fazer nada para conter o ataque do meu adversário. Pelo contrário, as coisas só parecem piorar para mim. Afinal, ele só tem 21 anos, está começando a se aquecer. Encon­trou seu ritmo, o motivo para estar aqui hoje, o direito de estar aqui, enquanto eu luto para juntar forças, com a dolorosa consciência do relógio do meu corpo. Não quero ir para o quinto set. Consciente da minha mortalidade, também começo a correr riscos", escreve sobre o confronto com Baghdatis.

Se Agassi teve a ajuda de um es­­critor fantasma ou de um editor, isso não é escancarado. Para um tenista, ele é também um bom escritor.

No mercado americano, o maior estardalhaço em torno da autobiografia teve a ver com a confissão do atleta sobre ter usado metanfetamina, quando se sentia desgostoso da vida e do tênis.

Informação explosiva, até porque Agassi ainda estava jogando quando isso aconteceu e, pressionado pela Associa­­ção dos Tenistas Pro­­­fissio­­nais (ATP), fez um teste de uri­­na e foi reprovado. Escapou de pu­­­nições e da opinião pública de­­pois de escrever uma carta contando uma história absurda sobre ter tomado um refrigerante que havia sido batizado com o pó por um amigo sem o seu conhecimento.

Era mentira, mas funcionou. A ATP aceitou a explicação e não divulgou o caso. A decisão impediu que Agassi se afundasse de vez, exatamente quando tentava se reerguer – proeza que levou a cabo, construindo um retorno espetacular, caso único no tênis.

Sobre o fato de odiar o tênis, Agassi não se explica, mas deixa entrever alguns motivos. Treinado pelo pai, ele passou a maior parte da vida preso ao esporte. Sempre que falava "Eu odeio o tênis", quem ouvia se apressava em emendar "Não, você não odeia".

Até que encontrou Steffi Graf, também treinada por um pai obsessivo. Quando Agassi falou "eu odeio o tênis", ela disse "e quem não odeia?". E assim ele descobriu: era a mulher da sua vida.

Serviço: Agassi – Autobiografia, de Andre Agass . Globo, 504 págs., R$ 59,90.

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