Preparador físico ajuda time dos sem-clube
O centro de treinamento de Cleverson Fratoni, 35 anos, é no Barigui. O preparador físico aproveita a estrutura pública do principal parque de Curitiba para ajudar boleiros desempregados. "E me ajudar também", diz ele, sem emprego desde que deixou o Rio Branco, após o fim da primeira fase do Campeonato Paranaense, em março.
Atualmente 15 jogadores estão matriculados na academia ao ar livre de Fratoni. Atletas de todos os tipos, vestindo camisetas laranjas para se diferenciar. Há veteranos como os Reginaldos, Nascimento e Araújo, ambos ex-Coritiba, e Cristiano Ávalos, ex-Paraná, tentando prolongar a carreira. Também gente mais nova em busca de um time para voltar à ativa, grupo liderado pelo zagueiro Fernando Lombardi, criado na Vila Capanema. E muito boleiro iniciante.
Cada um paga do jeito que pode pela orientação (a mensalidade custa R$ 200), de segunda à sexta-feira, das 9 horas às 11h30. "Muitos só pagam depois que acertam com algum clube. Vai na base da confiança mesmo", conta o preparador, há 15 anos na função.
Nas contas de Fratoni, cerca de 200 jogadores já passaram por suas mãos. A maioria, diz ele, conseguiu colocar novo carimbo na carteira de trabalho logo na sequência. "Três, quatro dias depois o cara estava empregado", afirma, listando os casos de Bruno Batata (Corinthians Paranaense), Rogério Corrêa (ex-Atlético, atualmente no Paysandu) e Daniel (também com passagem pela Baixada). "Mas tem gente que precisou de mais tempo. Antes de ir para o Santos, o Rodriguinho ficou cinco meses comigo".
Nesses casos o treinador assume também a função de psicólogo. "Não posso deixá-los se abater, desistir", ressalta, usando a frase como um consolo próprio. "Quero arrumar um time".
O número assusta. Com o fim do Campeonato Paranaense, na semana passada, perto de 200 jogadores perderam o emprego. Contingente de trabalhadores temporários que, com a baixa na carteira, voltam para sua cidade de origem, ficando à mercê de uma nova proposta profissional vinda da janela de transferências pré-Brasileirão. Ou, no caso da maioria dos atletas que defenderam clubes do interior do estado, da janela pré-Segunda Divisão regional.Mas nem todo mundo aguenta esperar. É aí que entra em cena o "anjo da guarda" dos boleiros desempregados. No caso do futebol local esse protetor dos desamparados atende pelo nome de Ivo Petry. O veterano treinador, multicampeão do tradicional torneio amador de Curitiba, já tem o roteiro na mente.Tão logo o Estadual termina, seu concorrido telefone celular começa a tocar. E lá vai ele consultar o mercado. "Faço o que eu posso", diz, repetindo o discurso que fala aos atletas. Desta vez, os primeiros a procurar ajuda foram o zagueiro Alison, o volante Juninho e o meia Caio, todos com passagem pelo Rio Branco, de Paranaguá.Por ora, o que Ivo conseguiu foi um estágio para o trio no Internacional de Campo Largo. Para ajudar o time da região metropolitana a avançar na Taça Paraná, cada um recebe, em média, R$ 150 por jogo. "É somente uma ajuda de custo", explica o padrinho, no comando do Inter.
O período, contudo, pode se transformar em algo mais sério. Ivo conta que já acionou a rede de contatos. Um DVD com os melhores de Alison está nas mãos dos olheiros do Coritiba. Juninho e Caio, se forem bem com a camisa do Inter, abrem as portas da Série B regional.
Foi assim que o atacante Max, ex-Trieste (a equipe da Suburbana que volta e meia contrata os serviços do treinador), foi parar no Corinthians Paranaense depois de passagens pelo Rio Branco e pela Segunda Divisão carioca. Dinei trocou os acanhados campos amadores para virar ídolo no Rio Grande Sul jogou por alguns meses no Coxa em 2007. E, mais recentemente, Marquinhos, ex-camisa 10 do Tricolor de Santa Felicidade que perambulou por Cianorte, Barueri e Ceará, acertou com a Chapecoense-SC para a disputa da Série D.
Um salto considerável na carreira. O contra-cheque dos boleiros passa de R$ 1.200 para até R$ 12 mil mensais. "Não faço isso com todos, apenas com aqueles que tem mercado, tem potencial para dar uma sobrevida de quatro ou cinco anos na carreira", justifica Ivo, fazendo questão de ressaltar que não é empresário (durante a entrevista ele chega a fazer um apelo aos grandes clube para não confiar somente na categoria) e nem ganha financeiramente com as indicações. "Peço para o pessoal ajudar o time em que estou, dando chuteiras, por exemplo", diz, estendendo a convocação para os empresários interessados em colaborar com o futebol amador.
É na fama de paizão que se criou em torno de Ivo que os sem emprego de hoje se fiam.
"Comento com a minha família: se um cara desse não for para o céu, quem vai?", crava Alison, cria das divisões de base do Paraná, que, se não acertar com um clube profissional, já ganhou do técnico a promessa de que pode trabalhar no Inter (com um cargo nas escolinhas do time). "Ele está vendo alguma coisa para a minha mulher também", diz o zagueiro.
"Devo muito a ele. O seu Ivo é um cara iluminado", encerra Max, repetindo o termo usado por outros colegas de profissão para se referir ao técnico. Todos satisfeitos.