A magia exibida por Ronaldinho Gaúcho nos últimos oito dias encantou o mundo da bola, deixou Vanderlei Luxemburgo à beira do desemprego no Real Madrid e inspirou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na quinta-feira, em mais uma tentativa de defender a manutenção de Antônio Palocci à frente do Ministério da Fazenda, não hesitou em comparar o craque dos gramados com o ministro.

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"Por que eu iria mexer no Palocci? Mexer no Palocci é a mesma coisa que pedir para o Barcelona tirar o Ronaldinho. Deixa ele jogando, ele está bem", afirmou, encerrando uma semana em que as menções ao futebol, um pouco esquecidas em tempos de crise política, voltaram com toda a força ao Palácio do Planalto.

No fim de semana passado, Lula parecia um torcedor de arquibancada ao pedir uma visita do argentino Tevez, craque do Corinthians, time de coração do presidente, logo após o Brasileiro. Carlitos desdenhou e disse não saber do convite, em claro sinal de que não esqueceu a cornetada do petista há quase um ano, quando a MSI ainda tentava tirar o camisa 10 do Boca Juniors. "Eu acho que ele não vai dar certo", disse Lula.

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Na segunda-feira, o presidente não ficou alheio à polêmica do pênalti não marcado por Márcio Rezende a favor do Internacional, contra o Corinthians. "Não posso falar muito de futebol porque estão dizendo que o Corinthians ontem... o juiz não se comportou direito contra o Inter", esquivou-se.

Três dias depois, na mesma entrevista em que colocou Palocci e Ronaldinho Gaúcho no mesmo patamar, utilizou o futebol outras duas vezes. Para fugir das perguntas sobre a reeleição – "Preciso esperar primeiro o Corinthians ser campeão para ver o que vou fazer" – e para amenizar as divergências entre o ministro da Fazenda e a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef – "Um time de futebol só dá certo quando tem 11 jogadores com características diferentes, no governo é a mesma coisa".

Para o sociólogo Laymert Garcia de Souza, da Unicamp, as freqüentes metáforas do presidente são uma maneira de tentar se aproximar do povo."É uma preocupação em falar linguagem popular para manter uma falsa interlocução com as massas", afirma.

O próprio Lula concorda. Ao longo de quase três anos de governo, disse diversas vezes que cita o futebol porque é algo que todo mundo entende.

Porém sempre que saiu das metáforas para comentar o desempenho do seu Corinthians ou da seleção, causou polêmica.

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No Timão, gerou mal-estar ao criticar a contratação do ex-flamenguista Júnior para comandar a equipe, ameaçada de rebaixamento, em 2003. Mas seu alvo preferencial foi Carlos Alberto Parreira.

Logo após ver o Brasil empatar por 1 a 1 com o Peru, em Lima, pelas Eliminatórias da Copa, não resistiu. Em conversa com fotógrafos, criticou o desempenho da seleção e a atuação do meia Zé Roberto. "Que vexame, hein? O Zé Roberto estava irreconhecível", afirmou.

As declarações logo chegaram aos ouvidos de Parreira, que, em Curitiba, onde comandaria a seleção contra o Uruguai, foi rápido e mortal no contra-ataque: "Não vou analisar o ministério do presidente. Cada macaco no seu galho".

A reação foi o reflexo de quem até hoje vê o sucesso da seleção de 70 – com Zagallo na função de técnico e Parreira como preparador físico – ofuscado por supostas intervenções do governo militar na convocação de jogadores.

Aborrecido, Lula disse que não voltaria a falar sobre futebol com os fotógrafos. Mas após o empate por 3 a 3 com o Uruguail, ele não resistiu e, durante palestra a exportadores, voltou a utilizar suas metáforas para se fazer entender e cutucar Parreira. "Nós temos que partir pra cima. Não como o time do Brasil fez com o Uruguai."

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Propaganda no Haiti

Em 2004, porém, Lula descansou a corneta presidencial e convocou a seleção para um "jogo humanitário" no Haiti.

A vitória por 6 a 0 encantou o país da América Central, devastado pela guerra civil, fez os soldados brasileiros matarem a saudade de casa e contou pontos para Lula na Organização das Nações Unidas (ONU). "Esse gesto vai marcar muito a minha passagem pela presidência, mas certamente marcará a de vocês", reconheceu, em conversa com os jogadores.

De quebra, o presidente ainda ganhou a promessa de Ronaldo de uma participação ativa do atacante nos programas sociais do governo. O mais aguardado deles, o Fome Zero, chegou até a utilizar os principais clássicos do país e seus grandes públicos para divulgar sua abrangência. Em 2003, camisetas e faixas da campanha foram exibidas por atletas que disputaram Flamengo x Vasco e Corinthians x São Paulo pelo Campeonato Brasileiro daquele ano.

Saldo negativo

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Apesar do uso constante do futebol para justificar seus atos, o governo Lula ainda está no 0 a 0 com o esporte brasileiro. Em maio de 2003, sancionou o Estatuto do Torcedor, obra do antecessor Fernando Henrique Cardoso. À época, a lei chegou a provocar um motim de clubes, que ameaçaram não entrar em campo. A rebelião acabou logo e o Estatuto até hoje não pegou.

Em uma espécie de "resposta", Lula prometeu apoio à Timemania, loteria criada com a finalidade de quitar as dívidas dos clubes com o INSS. Contudo, a crise do mensalão mandou o projeto para o fim da lista de prioridades no Congresso.

Nem mesmo os esportes olímpicos ficaram amplamente satisfeitos com o governo atual. A prometida Lei de Incentivo ao Esporte ficou apenas no papel, frustrando dezenas de atletas, empolgados com o bom desempenho na Olimpíada de Atenas e esperançosos por resultados expressivos no Pan de 2007.

Em setembro, no auge da crise do mensalão, quando a seleção foi a Brasília enfrentar o Chile, pelas Eliminatórias, Lula nem passou perto do Mané Garrincha. Ficou com medo de ser vítima da "cornetagem" popular.