12 de dezembro de 2017. Um ano e um mês antes de ser contratado pelo Athletico, Marco Ruben defendia o Rosário Central no clássico rosarino, contra o Newell’s Old Boys, pela 12.ª rodada da Superliga Argentina.
Torcedor canalla desde niño, o centroavante observou, incrédulo, três quartos do Gigante de Arroyito serem lentamente cobertos por um bandeirão gigantesco. Dividido em seis partes, eram ao todo 500 metros de largura por 40 de altura de pano azul e amarelo. Uma festa daquelas que só as hinchadas argentinas sabem fazer.
Quando a bola rolou, logo aos dois minutos de jogo, um gol de cabeça do atacante Germán Herrera (ex-Botafogo, Corinthians e Grêmio) colocou o estádio abaixo de tanta euforia. Em vantagem, o Central sustentou o placar até o intervalo.
Mas, no vestiário, Marco Ruben ouviu do técnico Leonardo Fernández que seria substituído. Estava lesionado, com fortes dores causadas por uma distensão muscular intercostal. A questão era como convencer El Gran Capitán a deixar o clássico?
“Ele me pediu por favor para não sair e tomou cinco infiltrações no meio das costas. Terminou o jogo correndo até os 90 minutos. Seguramos o marcador e ganhamos por 1 a 0”, recorda o treinador, em conversa com a Gazeta do Povo.
“Imagine seu capitão, seu ídolo, sua referência, fazendo algo desse tipo para ficar em campo… O resto do time não poderia mostrar menos empenho”, exalta Fernández, então interino no comando do Rosário.
A atitude não se resumiu ao clássico local. Naquela mesma temporada, a situação se repetiu algumas vezes com o exemplar camisa 9. Mesmo baleado, ele sabia que sua presença era necessária a equipe.
“Ele ficou levando infiltrações em um monte de jogos para poder entrar em campo — e a gente valorizava isso”, conta Herrera, cria da base dos Canallas, assim como Marco Ruben.
Apesar dos atípicos quatro gols em 23 jogos, a liderança e espírito guerreiro do centroavante, para quem não há bola perdida, conduziram o Rosário Central ao primeiro título de relevância nacional do clube desde 1995.
Depois de vivenciar dois vices seguidos na Copa Argentina (diante de Boca Juniors e River Plate), o grande capitão tirou um peso das costas com o título, nos pênaltis, frente ao Gimnasia de La Plata.
“Ele fazia o impossível para estar conosco. Graças a Deus, pudemos cumprir nosso sonho de sermos campeões com o Rosario. Na verdade, foi muito graças a ele”, enaltece o amigo Herrera.
Ilusión
O amor de Marco Ruben pelos Canallas é eterno. Após a conquista inédita, no entanto, ele mesmo percebeu que era hora de mudar de ares.
Em atrito com o clube por causa da renovação contratual, o delantero confessou que sentiu uma quebra de confiança na relação jogador/diretoria. E que, naquele momento, não haveria volta.
Cobiçado por vários times brasileiros – Grêmio, Internacional e Santos, por exemplo –, o camisa 9 decidiu jogar pelo Furacão após muito charlar com o compatriota Lucho González, atleta da equipe paranaense desde setembro de 2016.
O convencimento também teve participação importante do então diretor de futebol Rui Costa. Ele foi até a Argentina exclusivamente para mostrar que o lugar certo era o Athletico, dono de uma estrutura muito acima da média e com o melhor calendário do país em 2019.
"A verdade é que, neste momento da minha vida, da minha carreira, estava buscando a ilusión [sonho] como objetivo principal", revelou Ruben, em sua primeira entrevista com a camisa atleticana.
Para vir, ele precisou estender em um ano seu contrato com o time argentino, que colocou um salgado preço para a compra definitiva ao fim da temporada: US$ 1,9 milhão. Os US$ 200 mil pagos pelo empréstimo, por outro lado, certamente foram quitados com gols.
Nas 15 primeiras partidas, por exemplo, Ruben marcou noves vezes, incluindo um histórico triplete contra o Boca Juniors, em Curitiba, pela Libertadores.
"Espero poder dar o exemplo, digamos, dentro e fora de campo pela experiência que vivi no futebol. E através disso, ajudar a equipe", disse o atacante, ainda em janeiro, sem saber que faria muito mais do que isso em tão pouco tempo.
Líder positivo
Além dos gols, o Athletico recebeu um reforço de peso para o vestiário assim que assinou com Marco Ruben. O termo 'líder positivo' foi citado de maneira unânime pelos entrevistados desta reportagem na descrição da personalidade do camisa 9.
"Ele é um líder de grupo, em todos os sentidos, muito positivo. Não é desses que lidera pela presença, pela forma de ser. É uma pessoa muito paciente, tranquila", atesta o atacante César Delgado, formado no Central e com passagens por Lyon, da França, e Cruz Azul e Monterrey, do México, no currículo.
"Como jogador, é um atacante completo, moderno. E ele lidera pela entrega, por demonstrar que não existe bola perdida", concorda o ex-zagueiro Mauro Cetto.
"Marco é um grande profissional e um líder que gosta de unir o grupo, que tem uma boa relação com os companheiros, gosta de organizar encontros para que o grupo se fortaleça. Também é um grande assador", elogia o ex-lateral Paulo Ferrari, companheiro tanto no Rosário quanto no River, citando as qualidades de churrasqueiro do centroavante.
Fora de campo, El Gran Capitán é descrito como caseiro. Alguém que aprecia os momentos ao lado da família e amigos, sempre preparando um assado de tira, tomando um mate ou um bom vinho, preferencialmente ao som de folclore (ritmo musical argentino). Pescar no Rio Paraná é outro hobby do artilheiro, pai de um casal: Léo e Sara.
Avesso às redes sociais, Ruben prefere manter sua privacidade; foge da badalação. Recentemente, quando perguntado pelo lateral-direito Jonathan qual o motivo de não ter uma conta no Instagram, ele simplesmente retrucou: "Não gosto".
Ao mesmo tempo, não é tímido. Teve coragem, por exemplo, de ir a um programa de televisão em Buenos Aires para fazer um tradicional recital (assista abaixo). Se precisar, ainda canta e toca violão (confira aqui).
Pé na estrada
Viajar 1.700 km de carro, entre Rosário e Curitiba, também não é problema para o delantero. Foi assim quando fechou com o Furacão, fato inusitado que acabou adiando sua apresentação no clube. "Loucura. É bem a cara do Marco", brinca Delgado.
Comportamento raro na safra atual de boleiros. Marco Ruben é goleador raiz, que dá de ombros para o rosto rasgado e responde com três gols. É o cara que, quando não marca, ajuda com assistências, como foi nos dois jogos da final da Copa do Brasil.
“É um vencedor. Há poucos goleadores como ele no futebol sul-americano”, garante o técnico boliviano Alvaro Peña, que conviveu com Ruben na época do Dínamo de Kiev, da Ucrânia, onde o argentino atuou entre 2012 a 2015.
“Tenho certeza que ele vai ser artilheiro da Libertadores pela capacidade, personalidade e faro de gol que tem. Ele se encaixa perfeitamente ao estilo do Athletico”, emenda Peña, que reviu o amigo – e mais novo ídolo da torcida atleticana – na viagem do Furacão a Cochabamba, em abril.
Parte previsão não se concretizou por pouco. O argentino fez seis gols e ficou atrás do flamenguista Gabigol, com nove, na artilharia do torneio.
Mas em apenas uma temporada (42 jogos), Ruben marcou seu nome na história atleticana. Virou ídolo. Levantou taças. Despediu-se do seu jeito no dia 4 de dezembro.
Gol com apenas um toque na bola, exatamente como seus outros 12 marcados com a camisa rubro-negra. Foi aplaudido de pé pela torcida no adeus. Reconhecimento ao esforço que nunca faltou.
Ruben voltou para casa porque é diferente. Jogará mais um ano no Rosário para ficar perto da família. Perdeu seu pai, Alejandro Marcelo, em outubro, vítima de câncer.
Decidiu doar 80% de seu salário às categorias de base do time do coração. Exatamente como um artilheiro raiz faria.
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