Não houve “soco na mesa”, nem rompante heroico de atleticanismo. A tomada de poder do grupo liderado por Mario Celso Petraglia no Athletico começou a ser engendrada meses antes da goleada por 5 a 1, aplicada pelo Coritiba, episódio célebre da chamada Revolução Atleticana, clássico que, nesta quinta-feira (16), completa 25 anos.
O processo que apeou Hussein Zraik da presidência do Rubro-Negro ocorreria de qualquer forma. Mesmo se o atacante atleticano Paulinho Kobayashi protagonizasse o embate daquele domingo de Páscoa, anotando três gols, e saltitasse como um feliz coelho, como fez o centroavante coxa-branca, Brandão, destaque do jogo.
A comissão provisória que inaugurou a Era Petraglia acabou oficializada apenas um mês e dez dias após o confronto. O desfecho de uma trama de ameaças e indecisões que passou a ser escrita ainda em 1994, no auditório da casa na esquina das ruas Buenos Aires e Engenheiros Rebouças, em frente à Baixada.
No princípio, os oposicionistas, liderados por Petraglia, pretendiam suceder Hussein Zraik democraticamente, nas eleições de dezembro do ano seguinte. José Carlos Farinhaki seria o candidato à presidência.
“Houve a eleição do José Henrique Faria para o Conselho Deliberativo no final do ano. Foi um passo para que eu voltasse como presidente, no lugar do Hussein. Minha eleição era certa”, recorda Farinhaki, mandatário de 1990 a 93.
Já em 1995, os dissidentes prepararam o lançamento da chapa. Entretanto, o plano, construído nos corredores, vazou precocemente. Uma operação abafa conseguiu conter os ânimos. E adiou o início do debate político no Joaquim Américo. Mas o silêncio não demorou a ser arruinado.
O time do técnico Hélio dos Anjos passou a vacilar no Paranaense e gerar insatisfação geral – mais tarde, o treinador acabaria demitido e substituído por Sérgio Cosme. Foi a senha para pôr em prática a pretensão de arrancar Zraik, com a equipe em declínio e o caixa vazio, da sala da presidência.
Então veio o Atletiba da Páscoa, que entrou para a história como capítulo detonador da revolução no Caldeirão do Diabo. Durante o intervalo do clássico, apesar dos 3 a 0 no placar do Couto Pereira, a torcida do Athletico, posicionada nas arquibancadas da curva da Igreja do Perpétuo Socorro, reagiu entoando o hino do clube.
Abrigado nas sociais do estádio alviverde, acompanhado dos filhos, ainda desconhecido de todos, Petraglia sensibilizou pela demonstração dos torcedores. E o homem que, ao longo dos últimos 25 anos, tornou-se o cartola-mor do Furacão, pressentiu que era o momento ideal de investir.
No dia seguinte, durante a exibição do Globo Esporte da hora do almoço, no Canal 12, tocou o telefone da residência de Carneiro Neto, colunista da Gazeta do Povo. Do outro lado da linha, Petraglia pediu uma indicação de alguém para assumir a presidência – Farinhaki já não servia mais.
No bairro Água Verde, às imediações da Praça Afonso Botelho, na mesma segunda-feira, o Athletico anunciou mexidas na gestão, acertadas na semana anterior ao Atletiba. A principal delas, o retorno de Valmor Zimermann para ocupar o departamento de futebol, no lugar de Samir Haidar, licenciado.
“Eu nunca me neguei a ajudar o clube e aceitei”, recorda Zimermann, presidente por duas vezes (1984/85 e 88/89). Desta vez, no entanto, não houve tempo sequer para esquentar a cadeira de vice-presidente da bola. O mandato foi recorde: três dias.
Zimermann decidiu sair ao ser alertado por Petraglia que uma guerra iria explodir na Baixada. Foi um ato de consideração por quem levou o comandante da insurreição para dentro dos corredores atleticanos, na posição de diretor financeiro, em 1984. A administração do clube começou a ser atacada na imprensa.
Alarmado, o presidente Zraik atraiu Farinhaki para ser o seu novo escudo contra a rebelião. A artimanha serviria para duas frentes: abastecer o elenco com contratações e tentar amansar o ímpeto da oposição, com quem o “polaco” possuía abertura. Não funcionou.
Rapidamente, o Rubro-Negro foi asfixiado por Petraglia. Peça importante na campanha que elegeu Jaime Lerner governador do Paraná em 1994, o empresário gaúcho usou sua influência para barrar empréstimos de bancos ao clube, completamente endividado.
Ao mesmo tempo, o Conselho Deliberativo foi alinhavando a manobra para afastar Zraik. Um novo artigo prevendo a existência de uma comissão gestora foi elaborado e, com aprovação geral, acabou incluído no estatuto rubro-negro, com o auxílio de João Augusto Fleury, membro do departamento jurídico.
“Foi um jeito que encontramos, com muitas reuniões e discussões de todos, de achar um caminho correto para os anseios do clube. O desejo de mudança já era quase uma unanimidade”, comenta José Henrique de Faria, então presidente do Conselho Deliberativo.
Mesmo solitário e enfraquecido, Zraik não aceitou renunciar e propunha, no máximo, antecipar as eleições. Acabou convencido por uma “proposta” irrecusável: caso não pulasse fora, poderia ter de arcar, pessoalmente, com encargos do Atlético. Assim, concordou com a chance, mais honrosa, de declarar-se impedido de comandar o clube.
Foi o que aconteceu no dia 17 de maio, corrido pouco mais de um mês do Atletiba. E para que a comissão provisória assumisse o poder, foi necessário ainda que tomassem a mesma atitude de Zraik o vice-presidente, Abílio Abreu Neto, o presidente do Deliberativo, José Henrique de Faria, e o vice do órgão, Raul Mazza Júnior.
“A política do Atlético entrou em completa ebulição. Eu estava com as ações esvaziadas e o Mario [Celso Petraglia] tinha muito poder e um plano ousado. Aceitei pensando naquilo que poderia ser melhor para o Atlético”, diz Hussein Zraik.
A pista estava livre, mas Petraglia tinha receio de ter de “pagar a conta”. Por causa disso, titubeou até o último momento. Até mesmo minutos antes da reunião para anunciar a comissão provisória, dia 26 de maio. Disse que não assumiria mais, preocupado com os débitos de cerca de R$ 2,5 milhões do Rubro-Negro.
A aproximação definitiva com o Athletico, há duas décadas e meia, coincidiu com o afastamento gradativo do então novo cartola do controle da Inepar. Um dos conglomerados mais poderosos do Paraná, a empresa foi dirigida pelo gaúcho junto com os irmãos Atilano e Jauvenal de Oms.
O empresário conhecia o potencial do futebol para gerar dinheiro e tratava abertamente da disposição de transformar o clube do coração em negócio. Impulsionado por esse desejo de participar de grandes transações, a hesitação ficou para trás e Petraglia subiu o seu 1,90m pelas escadas.
Discursou com entusiasmo para os conselheiros e abriu, oficialmente, os trabalhos da comissão. O conjunto dispunha, entre outros, de Ademir Adur, Ênio Fornea, Marcos Coelho e João Augusto Fleury, personagens também importantes na evolução do Furacão, todos atualmente afastados. Petraglia é o atual presidente do Furacão.
Na mensagem, Petraglia fez questão de realçar o quanto a reação da torcida, cantando o hino nos 5 a 1 do dia 16 de abril, o empurrou para a tomada de decisão. Passados 25 anos, o destino que o clube tomou mostra como o cartola, reconhecido pelas transações milionárias, e artífice da transformação do Rubro-Negro em potência econômica, entendeu como ninguém o verso composto por Genésio Ramalho e Zinder Lins: "Athletico, Athletico, conhecemos teu valor".
- Matéria publicada originalmente em 15/4/2015 e reeditada para nova publicação.
- Na oportunidade, Mario Celso Petraglia foi procurado pela reportagem para falar sobre a revolução de 1995, mas o dirigente não aceitou.
Leia mais do material publicado em 2015 sobre os então 20 anos da Era Petraglia:
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