Barcímio Sicupira Júnior carrega marca rara no futebol. Em 14 anos de carreira, estreou marcando gol em todos os cinco clubes que defendeu. Foi assim no extinto Ferroviário-PR, nos Botafogos – do Rio de Janeiro e de Ribeirão Preto –, no Athletico, onde se tornou lenda, e também no Corinthians, camisa que defendeu por quatro e intensos meses em 1972.
Aos 76 anos, o Craque da 8 debuta novamente com outro golaço. Da tabelinha marota com o jornalista Sandro Moser nasceu a biografia "Sicupira - Vida e Gols de um Craque Chamado Barcímio" (Editora Banquinho). O livro, que relata, detalha e contextualiza a trajetória do maior artilheiro do Furacão dentro e fora de campo, tem lançamento marcado para 3 de outubro. O prefácio é de Carneiro Neto, colunista da Gazeta do Povo, enquanto o posfácio foi assinado por Augusto Mafuz, colunista da Tribuna do Paraná.
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Mais do que biografar Sicupira, Moser mergulhou em períodos distintos do futebol e da sociedade brasileira. Explica a origem familiar do craque, descendente de imigrantes, passa pela infância e adolescência de "Barciminho, o terrível" nas nas ruas do bairro Alto da XV, em Curitiba, e ainda disseca os movimentos políticos e culturais que aconteciam no país ao longo da carreira do ponta de lança.
"É um livro de história, principalmente”, diz o autor. “Tive que me colocar em um tempo que não é o meu. Como o historiador Evaldo Cabral de Mello diz: na biografia é preciso calçar os sapatos do biografado. No meu caso são as chuteiras do Barcímio”, complementa o jornalista.
As botinas serviram perfeitamente. Logo na introdução, quando descreve o antológico gol de bicicleta aplicado no São Paulo, e recria todo o cenário daquela tarde na Vila Capanema, em 1968, Moser oferece o que vai ser a tônica nas 367 páginas do livro.
Ao todo, o projeto levou um ano e meio para ficar pronto. Foram incontáveis horas de pesquisa em dezenas de livros e jornais antigos, além de 51 entrevistados, incluindo Galvão Bueno, Geninho, Gérson, Levir Culpi, Nilson Borges e Rivellino. O nível de detalhamento é digno de um gol do Sicupa no finalzinho de um clássico Atletiba. Spoiler: a contagem de gols do artilheiro até aumentou.
“O Sandro incorporou mesmo o livro. Foi pouco mais de um ano em que ele deixou de viver [para se dedicar ao projeto]”, agradece Sicupira. “Ele é esforçado demais, foi para o Rio de Janeiro, para Ribeirão Preto. E, conversando com os caras com quem foi entrevistar, se colocou na história”.
A maior parte da biografia conta, é claro, com os oito anos de Athletico (1968 a 1975) como pano de fundo. Mas a realidade era outra. “Quem vê o Athletico hoje não sabe como foi naquele passado. As alegrias eram tão difíceis de acontecer que tinham mais valor”, destaca o ídolo atleticano.
“Nós víamos fotos antigas, falávamos sobre elas, sobre datas, como era naquele momento. A gente se lembra de muita coisa guardada. E aí você começa a sentir coisas que não sentiu nem na época. Talvez eu não tivesse dado tanto valor para o tempo que fiquei lá [no Athletico] e, principalmente, para o campeonato de 1970”, admite Sicupira.
O título estadual conquistado na última rodada do hexagonal final, diante do Seleto, em Paranaguá, foi a solitária conquista rubro-negra entre as taças de 1958 e 1982. Marcou gerações e o próprio Craque da 8, como Sicupira ficou consagrado.
“Ele se tornou atleticano. E quase um símbolo do que era ser atleticano nos anos 1970, uma coisa meio rebelde, lutando contra as adversidades”, aponta Moser.
Barcímio, revelado pelo Ferroviário, chegou a participar de peneira no Coritiba – o Estádio Belfort Duarte, hoje Couto Pereira, fica a poucas quadras de sua casa, na Rua Fernando Amaro. Franzino, foi reprovado. Ficou a mágoa.
Acabou no Boca-Negra, onde se profissionalizou em 1962. Como desandou a fazer gols, chegou ser tema de uma coluna de Nelson Rodrigues. Dois anos depois, em 1964, se transferiu para o Botafogo, então o "melhor time do mundo", que contava com ícones como Manga, Nílton Santos, Gérson, Jairzinho e Zagallo. A estrela da companhia, Garrincha, virou amigo pessoal.
Lá, Sicupira conheceu outra vida. Saiu do ovo curitibano para a Cidade Maravilhosa. Continuou marcando gols bonitos, conquistou títulos e alternou entre o banco de reservas e a titularidade. Fora de campo, namorou muito, andou de carrão e torrou dinheiro em roupas estilosas.
“Sicupira é um personagem legal porque é complexo. Um cara que se adapta rápido, é camaleão. Se tem uma festa de grã-fino, ele sabe se comportar. Se o pessoal está jogando truco no boteco, também. É um cara engraçado, um personagem adorável”, afirma Moser, que também escreveu sobre outras facetas do ídolo atleticano: filho, pai, avô, comentarista esportivo, universitário, técnico futebol, amigo e mestre de carteado.
Sicupira agora se prepara para encarar a torcida de novo. De forma diferente por causa da Covid-19, a festa de lançamento vai ocorrer em esquema com distanciamento social, no sistema drive-in, na Pedreira, com vídeo e bate-papo com o biografado pelo telão.
“Estou em concentração. Ainda não me preparei. Vou falar o que vier na hora”, garante um carismático e emocionado Sicupa, ansioso também para compartilhar o livro com sua mãe, a centenária Anna.
“Não quis fazer um livro para fazer tragédia. Sempre fui de fazer coisas boas, leves, simpáticas, até quando o ambiente não é propício. Sempre fui assim. Não vou me preocupar hoje com problema de amanhã”.
Lançamento do livro "Sicupira - vida e gols de um craque chamado Barcímio"
- Local: Pedreira Paulo Leminski, Rua João Gava, nº 970, Abranches, Curitiba.
- Data: 3/10.
- Horário: 12 horas.
- Ingressos: Planeta Drive-In - clique para comprar
- Ingressos: R$ 60 por carro, valor que garante um livro autografado.
- Preço do livro avulso: R$ 60.
Leia um trecho da biografia:
Quando a notícia de que tinha entrado areia na negociação com os coxas chegou à Baixada o diretor de futebol rubro-negro, Airton Araújo, mandou sua secretária ligar para Sicupira.
“Ele me chamou em sua casa e me perguntou sobre defender o Athletico. Eu respondi que sim, claro, que queria ficar em Curitiba, pois estava cansado da situação em Ribeirão Preto.”
Bem-sucedido investidor financeiro, Araújo telefonou no mesmo dia para o presidente do Botafogo. O endividado clube ribeirão-pretano pediu Cr$ 40 milhões, quantia que representava, mais ou menos, o valor pago um ano antes ao xará carioca.
O dia decisivo foi 26 de julho. Araújo voou até Ribeirão e deixou um cheque pessoal, no valor estipulado – cerca de R$ 400 mil em valores atuais. E trouxe o passe de Sicupira dentro de sua maleta 007.
Para efeito de comparação, a quantia é quase a mesma registrada no borderô da estreia de Sicupira, contra o São Paulo, em setembro. Ou seja, a renda de apenas um jogo, com cerca de 14 mil pagantes, equivalia ao dinheiro investido naquele que seria o maior ídolo do Athletico.
Homem da bolsa de valores, Araújo sabia quanto um ativo poderia se multiplicar no tempo. Nesse caso, porém, preferiu não especular e doou o passe de Sicupira ao clube do coração. Se havia alguma dívida a ser quitada, ninguém sabe. Sabe-se, porém, que o investimento atleticano em Sicupira foi zero.
Já o rendimento é fácil de calcular. Uma relação eterna de idolatria, construída por gols em profusão e dedicação ao clube, contando ainda com o título paranaense de 1970 como bônus. Em uma semana, Sicupira voltou para se despedir de todos em Ribeirão.
“Peguei minhas tralhas, o dinheiro dos 15% do passe, vendi uns terrenos que comprei lá e voltei.”
O anúncio oficial aconteceu no dia 5 de agosto, logo após a assinatura de seu primeiro contrato, que tinha duração de um ano. A notícia mereceu apenas um pé de página dos jornais de Curitiba, mais preocupados com a briga entre os cartolas sobre as finais do campeonato.
Da mesma forma como passaram batidas na imprensa as contratações de Washington, Assis, Oséas, Adriano, Kléber, Alex Mineiro e Bruno Guimarães. Na Baixada, a chegada do craque é sempre silenciosa.
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